“O Abismo Vertiginoso”: o complexo mundo da física dos quanta por Carlo Rovelli

por José Malta,    10 Outubro, 2022
“O Abismo Vertiginoso”: o complexo mundo da física dos quanta por Carlo Rovelli
Capa do livro
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“O Abismo Vertiginoso” é o título da mais recente obra do físico italiano Carlo Rovelli. Conhecido pelas suas obras de divulgação científica “Sete Breves Lições de Física” e “A Ordem do Tempo“, eis que nos chega aquela que aborda a história, os conceitos e a interpretação de uma das teorias mais revolucionárias de sempre: a física dos quanta. Embora o título original desta obra seja Helgoland, nome da ilha no Mar do Norte onde o jovem físico alemão Werner Heisenberg pôs em marcha a teoria da física dos quanta em junho de 1925, a versão portuguesa publicada em Junho deste ano pela editora Objectiva surge com o título “O Abismo Vertiginoso”, uma expressão utilizada pelo próprio autor neste livro. Até porque, ao mergulharmos nas ideias que se escondem na física quântica, caímos numa espécie de abismo no qual nos deparamos com uma quantidade infindável de ideias, pressupostos e fundamentos que levaram à formulação desta teoria. Daí, que este seja um abismo vertiginoso, dada a sua profundidade e complexidade, conseguindo ser também ao mesmo tempo sublime e apaixonante.

Escrito entre 2019 e 2020, e publicado originalmente em italiano na língua materna do autor, “O Abismo Vertiginoso” é um dos grandes livros de divulgação científica de Carlo Rovelli. O autor começa por introduzir-nos o problema e a importância dos quanta, ao conduzir-nos pelo modo robusto e magistral como esta teoria foi algo que até aos dias de hoje nunca falhou e que a mesma descreve na perfeição o mundo que observamos, desde a cor do céu aos neurónios do nosso cérebro, do funcionamento dos computadores à origem das galáxias, e que está, também, na origem de inúmeras descobertas e avanços tecnológicos que hoje temos ao dispor.

Carlo Rovelli no Fronteiras do Pensamento, São Paulo, em 2017 / Fotografia de Fronteiras do Pensamento / Greg Salibian

O livro encontra-se dividido em três grandes partes. Uma primeira parte na qual o autor expõe o porquê da física contemporânea ter necessitado de uma nova abordagem, nomeadamente a uma escala atómica e que tudo começou com uma ideia “absurda” de Werner Heisenberg. Uma segunda parte na qual o autor aborda as sobreposições de estado levando para um lado mais complexo da teoria dos quanta, as relações entre esta teoria e o conceito em geral, a questão da probabilidade, a indeterminação, o emaranhamento quântico e outros pequenos conceitos e analogias relacionadas com a teoria. E uma terceira parte na qual o autor expõe alguns dos conceitos filosóficos por detrás desta teoria, bem como o seu significado que ainda perdura nos dias de hoje. Tudo isto através de uma escrita simples e sedutora, que facilmente conduz o leitor pela uma das mais belas teorias da era contemporânea.

Ao longo do livro apercebemo-nos que a teoria dos quantas, que teve Max Planck como o grande pioneiro, foi explorada a fundo por um grupo de jovens físicos no início do século XX. Werner Heisenberg, é o grande protagonista de toda esta história. O jovem físico alemão que aos 23 anos começou por arranjar um sistema matricial que conseguisse descrever os mecanismos à escala atómica, conseguiu revolucionar o modo como conseguimos descrever a realidade. A ideia de Heisenberg, que apesar de inicialmente ter sido vista absurda, teve a ajuda também de outros físicos no seu desenvolvimento nomeadamente Max Born e Pascual Jordan. Porém, outros se alinharam à mecânica dos quanta, como Erwin Schrodinger e a sua famosa equação onda (expressa pela letra grega Ψ), bem como o célebre paradoxo do gato dentro da caixa que ora está vivo ou morto (o autor prefere usar a expressão “adormecido”, sem ter que matar o gato!), simbolizando o problema da sobreposição de estados.

De facto, a beleza e a robustez dos quanta foi um trabalho desenvolvido em equipa, que envolveu todo um conjunto de físicos brilhantes da época, dos quais também fazem parte Niels Bohr, Paul Dirac, Wolfgang Pauli, tendo até como elemento inspirador Albert Einstein, que sempre se mostrou céptico com a probabilidade e a aleatoriedade associada a esta teoria, com a sua célebre expressão “Deus não joga aos dados”. A interação e as discussões de ideias entre estes cientistas é algo que também está presente neste livro, havendo assim uma elucidação ao problema dos quantas e o porquê da complexidade desta teoria. Também existe uma abordagem às experiências efectuadas por Anton Zeillinger, um dos recém laureados com o Prémio Nobel da Física de 2022 com quem Carlo Rovelli travou amizade.

Neste livro, Carlo Rovelli conduz-nos a uma viagem por uma das teorias mais incríveis e brilhantes da história da humanidade, fazendo uma combinação entre ciência, conceitos matemáticos, filosofia e história, sempre acompanhado com analogias e ilustrações simples e até com algum humor que acompanham o leitor nesta enorme aventura. Baseando-se também em alguns episódios do seu percurso académico, evidenciando a sua enorme paixão pela física em si, Carlo Rovelli reconstrói com clareza o controverso debate em torno do sentido desta teoria, ao argumentar que as suas aparentes contradições podem ser explicadas com uma mudança radical de perspetiva, e que tudo o que existe é composto, não só por matéria, mas também por interações. O livro faz assim uma interpretação detalhada, mostrando que a realidade é muito diferente daquilo que imaginamos, mas que graças a toda uma teoria robusta e arrojada, conseguimos descrever e explorar o fenómenos mais complexos no admirável mundo que nos rodeia.

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