Anna Burch tem a cura para os seus ‘lazy sundays’
Apesar de só agora estar a lançar o seu primeiro álbum a solo, Anna Burch já faz parte da cena musical de Detroit há algum tempo. Passou vários anos a tocar em bandas como os Frontier Ruckus ou os Failed Flowers, mas, como conta em várias entrevistas recentes, sentia que não tinha o espaço que desejava para florescer enquanto compositora. Foi o desejo de partir em busca dessa liberdade criativa que a levou a embarcar numa viagem mais independente, e de certa forma os resultados directos de tal decisão podem ser encontrados na sua música: Quit The Curse é tão introspectivo quanto a sua autora, e não tem grandes problemas em não sair muito da sua zona de conforto. A voz de Burch, deliciosamente melodiosa nalguns momentos e cínica noutros, convive bem com o seu estilo simplista mas eficiente de indie pop, que não dispensa um ocasional throwback nostálgico ao rock alternativo dos anos 90, e que dá às sempre interessantes letras da cantautora o devido espaço para se sobressaírem.
Como um boxer que calcula meticulosamente os momentos mais oportunos para desferir os seus golpes letais, Anna Burch tem uma conduta serena, e certamente não será por implacável energia que se define. Talvez por isso mesmo, os momentos em que ela efectivamente decide irromper ganham uma força mais ampliada e significativa quando atingem o ouvinte. Os acordes crus e distorcidos no refrão de “Asking 4 a Friend”, que piscam subtilmente o olho ao grunge mais melódico das Hole, surpreendem pela mudança que impõem à música e excitam pela dinâmica que carregam. “I think it’s suspect you ever feel lonely at all”, ela canta, num tom que desafia ao mesmo tempo que apaixona.
De resto, Quit The Curse gosta de caminhar ao seu próprio ritmo, e encara a homogeneidade como uma bem-vinda naturalidade em vez de um problema a resolver. E, apesar de tudo, é difícil culpabilizar Burch ou dizer que está a agir contra a qualidade das suas próprias criações ao não tomar grandes riscos. Esta é uma artista que sabe onde residem tanto as suas virtudes como as suas fraquezas. Quando tenta introduzir alguma diversidade à viagem que o disco proporciona – lembra-se de imediato a aproximação ao country que “Belle Isle” esboça -, os resultados não são tão impressionantes. Por outro lado, o estilo confessional e, por vezes, um tanto sarcástico de jangle pop que emprega assenta-lhe bem, e a artista consegue estar no seu melhor quando explora as potencialidades do mesmo.
Tendo isso em conta, o álbum é definitivamente um sucesso no cumprimento da sua tarefa, e é por isso que, no seu melhor, é tão gratificante de ouvir. Para além disso, por mais que haja um nível elevado de intimidade nalguns dos seus momentos mais frágeis, a atitude positiva e esperançosa que Burch revela concede-lhe um encanto misterioso e irresistível. As guitarras cristalinas de “2 Cool To Care” e o seu wordplay na excelente “Tea-Soaked Letter” podem ser desoladores, mas os seus maneirismos vocais à la Alvvays nas delicadas mas preciosas “In Your Dreams” e “What I Want” trazem uma leveza que joga com a melancolia, sentimento recorrente no disco, de uma forma que é cativante, e, acima de tudo, natural. Este equilíbrio que Anna Burch consegue implementar nas suas composições é tão importante para as mesmas quanto notável, e prova de que se trata de uma artista madura. Não é que ela não tenha os seus medos; ela só não vai é deixar de ver o lado cómico da sua vida por causa deles. Seja a sua postura descontraída, o seu sentido de humor, a simplicidade da sua sonoridade ou os inesgotáveis hooks, há indubitavelmente algo em Quit The Curse que faz do mesmo, apesar de imperfeito, especial. Muitos poderão dizer que não passa de música para um lazy sunday, mas os lazy sundays também precisam de uma boa banda sonora.