Anna Calvi é quem ela quiser ser
A britânica Anna Calvi é capaz de ter dito apenas “obrigado e boa noite” durante os quase 70 minutos em que esteve no palco principal do Hard Club, na passada sexta-feira. Não é arrogância; a própria é a primeira a admitir que é um pouco tímida, e que há também uma grande diferença entre a Anna que se coloca perto do microfone para cantar e a Anna “do resto do tempo”. Mas a artista não precisa de se preocupar com muitos pro formas para ter a atenção da sala: a sua voz adquire um poder tremendo quando canta, e aí ela diz tudo o que é preciso dizer.
O novo álbum, do mesmo modo, e como não poderia deixar de ser, é um disco que diz imenso. Hunter critica os padrões da sociedade heteronormativa e explora o tema da sexualidade com uma franqueza e urgência refrescantes. “Eu acredito que o género é um espectro”, escreveu Anna no dia em que divulgou o projecto. “Acredito que se nos fosse dada a possibilidade de estar algures no meio, em vez de sermos empurrados para os extremos de masculinidade ou feminilidade, seríamos mais livres. […] Quero explorar uma sexualidade subversiva, que vá para além daquilo que é esperado de uma mulher”. Hunter deixa as coisas claras, para que não hajam dúvidas: Anna Calvi é livre, e é quem ela quiser ser, neste mundo ou em qualquer outro.
É este espírito emancipatório que está presente na sua música e na maneira que tem de caminhar em palco. Anna pode ser poupada nas palavras quando não está a tocar, mas existe dentro de si um lado animalesco e selvagem que ruge quando os amplificadores se fazem ouvir. O Hard Club encheu-se para a ver assim mesmo: desinibida e despida de amarras, acutilante e a transpirar sensualidade.
Sensualidade não faltou, num concerto pautado em grande parte pelo novo disco, mas no qual Anna também teve tempo para regressar a algumas das faixas mais celebradas do seu álbum de estreia (dentre as quais se destacaram a triunfante “Desire” e a mística “Suzanne and I”). O público mostrou-se conhecedor de Hunter e fez questão de cantar com ela alguns daqueles refrões que mais ficam no ouvido. É fácil ouvir temas como “Don’t Beat The Girl Out Of My Boy”, “Indies Or Paradise”, “As A Man” ou “Alpha” e ficar apaixonado pelas suas melodias… mas quem não está a prestar a devida atenção à mensagem que se esconde por detrás das notas musicais não está a relacionar-se com as canções na sua plenitude. O público de Anna Calvi sabe como não cair no erro.
Tocando as suas guitarras até as querer destruir, percorrendo o palco como se fosse o seu quintal, ou ainda transformando “Wish” numa viagem épica por alguns cantos remotos do rock experimental, a artista mostrou-se sempre completamente dona de si mesma. É por isso, de resto, que deixa uma marca em quem a ouve. Não queremos ser todos como ela? Não queremos ser todos livres para sermos o que nos apetecer?