“As Partículas Elementares”, de Michel Houellebecq: o resumo dos nossos dias

por Pedro Lopes Adão,    27 Março, 2022
“As Partículas Elementares”, de Michel Houellebecq: o resumo dos nossos dias
Capa do livro
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Este artigo pode conter spoilers.

Embora tenha visto a luz do dia em 1998 e catapultado o seu criador para a fama, As Partículas Elementares, de Houellebecq, constitui aquilo a que podemos chamar de um “proto-manifesto” da vida moderna — vida esta que se caracteriza por uma conjuntura e caracteres deficientes e extenuantes.

O livro fala de Bruno e Michel, assim como poderia falar de mim ou do leitor, e dum modus vivendi inócuo, esquisito; uma trama alucinante que segue pais e filhos, as suas relações familiares, amorosas e profissionais, bem como uma tendência cáustica para tudo. As Partículas Elementares é, na sua essência, uma tragédia: apesar de na sua retaguarda podermos vislumbrar uma réstia de salvação — sob a égide do nome de Christiane e Annabelle —, de filosofia — glória ao nome de Comte e Pascal —, e, por fim, de erotismo — um trago violento a pastis partouze.

“Ele desejara mover-se, mas não pudera; tivera a sensação muito nítida de se afundar numa água gelada. Tudo era, todavia, excessivamente calmo. Sentia-se separado do mundo por alguns centímetros de vazio, que formavam à sua volta como que uma carapaça ou uma armadura.”

“As Partículas Elementares”, livro de Michel Houellebecq

A brutalidade do estilo adotado por Houellebecq vale-lhe a ambiguidade dos críticos. Se, por um lado, é considerado um franco prosador e poeta, é, por outro, linchado em praça pública graças às suas nomeações sem rasura, tais como de Le Pen, ou a inclusão de diálogos racistas, nihilistas e pornográficos. Será esta a literatura da modernidade? É cedo demais para este tipo de cogitações; somente podemos tirar as seguintes conclusões: naquilo que concerne à matéria descritiva, o quadro pintado por Houellebecq vai ao encontro do real: e nesse sentido, este é um livro da modernidade, pois consagra-se como a dinamite com maior carga de atualidade — o fracasso moral e ético, a impotência, a depressão, a degenerescência…

Numa última análise, a leitura deste livro é vivamente aconselhada. Porém, o leitor que o abrir terá de ter o espírito aberto e a mente abstraída dos muitos cenários libidinosos que sucedem, senão só condenações surgirão quando, nesta obra de Houellebecq, a dimensão a explorar vai muito mais além dos corpos que se cruzam.

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