As perigosas teorias da conspiração. A importância da educação e da ciência

por Cronista convidado,    14 Abril, 2022
As perigosas teorias da conspiração. A importância da educação e da ciência
Imagem baseada numa fotografia do National Cancer Institute (via Unsplash)
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É inegável reconhecer que o fantasioso universo das teorias da conspiração se pode assumir como uma fonte aparentemente inesgotável de entretenimento, aliciando desde os mais incautos até porventura aos mais racionais a embarcarem numa deriva de exploração de autênticas realidades alternativas. Desde a consulta de conteúdos produzidos por bloggers, youtubers, contas em redes sociais ou até aos já mais convencionais documentários, a oferta multiplica-se no que diz respeito à criação de várias quimeras relacionadas com os mais marcantes eventos históricos na esfera cultural, social ou política, frequentemente colidindo de frente com a comunidade científica e insurgindo-se contra o que é consensualmente aceite e alicerçado em consensos que demoraram anos a ser alcançados.

Estas narrativas, produções anacrónicas da mais fértil imaginação humana a que se torna difícil não servir de caixa de ressonância, por muito rebuscadas que pareçam, têm navegado pelo espaço cibernético em velocidade de cruzeiro. Estendendo-se muito para além das meras histórias novelescas, são frequentemente ancoradas em agendas de negação da ciência, algumas delas com raízes já profundas na História, como é o caso dos movimentos anti-vacinação que já desde finais do século XVIII procuram colocar em causa a eficácia das vacinas, contando também — e já desde os seus primórdios — com a ativa colaboração de médicos em exercício.

Como Tolstói descreve no epílogo do seu épico Guerra e Paz — e porque a importância das Letras também não deve ser desconsiderada — a História, e de um modo particular a História Moderna, deve ser entendida como o processamento de desejos partilhados por coletivos, representados por vários blocos em oposição. Em cada uma dessas massas em movimento, a ideia de livre arbítrio dos indivíduos é indispensável, mas haverá sempre implícita uma força motriz que os agrupa ao mesmo tempo que impulsiona numa determinada direção, embora de forma inconsciente, emergindo uma vontade coletiva que é corporizada num determinado representante, sob a forma de Poder. É por isso expectável que num momento histórico como aquele em que agora todos somos personagens, haja quem procure ser protagonista e alcançar os postos de comando e as cadeiras de poder instrumentalizando massas menos informadas e moldando os anseios destas à medida das suas próprias ambições, designadamente equiparando a doença que tem marcado os últimos dois anos a uma mera gripe ou constipação ou enredando as já conhecidas teorias anti-vacinação. Não deixa de ser paradoxal, no entanto, que na era do mais acelerado ritmo de produção e difusão de conhecimento, com informação mais acessível que nunca, se estejam assim a alargar as bases de apoio a movimentos que contestam os mais básicos princípios científicos estabelecidos.

A capitalização das tendências negacionistas dos edifícios de conhecimento construídos ao longo de séculos para a ascensão de determinadas figuras e movimentos políticos poderá ser, em certa medida, descortinada dedicando alguma atenção a fenómenos que não têm conseguido passar despercebidos. Por exemplo, um estudo conduzido na Alemanha, partindo da premissa de que, nas regiões em que a extrema-direita alemã conta com maior apoio, a população é mais cética em relação às instituições democráticas e cumpre menos as medidas restritivas para combater a COVID-19, permitiu aferir que nas circunscrições onde a AfD recolheu mais votos, a incidência de contágios nas duas vagas da pandemia em 2020 foi superior. Também uma sondagem do instituto de opinião Forsa, publicada em 11 de novembro, apontou que dois terços dos não vacinados votam na AfD ou no partido negacionista “A Base”, levando a que a percentagem de votos dos extremistas entre os não vacinados seja cinco vezes mais elevada do que na generalidade da população.

Já do outro lado do Atlântico, uma reportagem conduzida pela organização de comunicação social sem fins lucrativos norte-americanos National Public Radio (NPR), divulgada em inícios do último mês de dezembro, permitiu concluir que, nos oito meses que antecederam a sua publicação, as taxas de vacinação entre votantes do Partido Republicano foram sucessiva e ininterruptamente diminuindo face às registadas entre os restantes grupos de americanos, resultando na probabilidade de uma pessoa não vacinada votar Republicano triplicar a de votar Democrata. Uma análise mais recente da NPR sugere que a taxa de mortalidade entre Republicanos pode ser maior como consequência e uma comparação a nível nacional entre os resultados da eleição presidencial de 2020 e as taxas de mortalidade por COVID-19 desde que a vacinação se tornou disponível para todos os adultos, evidencia que condados em que se votou mais expressivamente em Trump registaram taxas de mortalidade por COVID-19 que triplicaram as observadas naqueles onde Joe Biden alcançou vitórias. Estes condados tiveram também taxas de vacinação significativamente inferiores.

Observa-se, deste modo, um aproveitamento destas tendências de negação e afrontamento de princípios científicos que não se circunscreve a determinadas latitudes e que proliferou em tempos de pandemia, por parte de movimentos políticos demarcadamente afetos à extrema-direita, mas também daqueles que, não o sendo, perfilham um ideário mais voltado para o individualismo, cavalgando igualmente o cansaço sentido em relação a medidas restritivas para congregar apoio popular. O sucesso destes empreendimentos estará sempre umbilicalmente ligado à criação e rápida proliferação de fake news, que, quais pasquins d’O veneno da Madrugada de García Márquez, apostam em corromper a ordem das sociedades, apoiando-se na ingenuidade, no frenetismo do quotidiano que dificulta a verificação de factos, assim como no natural desconhecimento dos seus recetores.

É por isso que, de forma mais premente que em qualquer outra época, se mostra imprescindível a aposta decidida, inesitante e incisiva na Educação e na Ciência, de modo a que todos possam estar familiarizados com o Método Científico, que compreende uma cuidada observação da realidade e recolha de factos, com formulação de hipóteses testáveis, experimentação permanente, assimilação constante de novos dados e informações e revisão incessante de procedimentos. A Ciência não está subjugada a credos, ideologias ou visões individuais que não encontrem correspondência na realidade; é, isso sim, o conhecimento atento, aprofundado e maturado colocado ao serviço de todos, com benefícios que têm vindo a ser deixados claros nas últimas décadas, desde logo a mitigação dos efeitos de doenças antes aceites como letais.

Se a democracia for entendida como a capacidade de, reciprocamente, se cuidar de todos os cidadãos por igual, só a Ciência nos possibilitará efetivá-la na sua plenitude. Cuidemos também da Ciência e, principalmente, não deixemos que se criem condições para que, em qualquer momento, alguém ceda à tentação de dela sequer desconfiar em benefício daqueles que apenas pretendem afrontar a harmonia da nossa convivência em comunidade.

Crónica de João Patrício.
O João é estudante de Engenharia Física Tecnológica no Instituto Superior Técnico.

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