As várias perspectivas da dor, em ‘A Associação das Pequenas Bombas’
Quando uma bomba detona algures no mundo só ouvimos falar dela caso cause um elevado número de vítimas ou rebente num local no globo pouco habituado a conviver com isso, caso das detonações na Europa, em locais que nos são próximos geográfica e culturalmente. Nem mesmo num mundo onde a informação nos aparece à frente em torrente, a repercussão de atentados de pequena dimensão se sente. Não tendo qualquer relação pessoal, familiar ou de proximidade com estes casos de pequenas bombas, ignoramos ou, por muito que nos cause pena, esquecemos. A atenção fica apenas com aqueles que perderam alguma coisa com ele, para os quais não interessa minimamente se o atentado foi de pequena ou grande dimensão, já que alguém que lhes era querido pereceu ou esteve envolvido no mesmo.
A Associação das Pequnas Bombas, de Karan Mahajan, publicado agora pela Relógio d’Água, é um livro acerca da dor. O livro começa com uma dessas pequenas bombas que dão título ao livro, um pequeno atentado num mercado em Deli, Índia, que, apesar de ser pequeno, acaba por fazer umas poucas vítimas, de entre as quais Mansoor, jovem rapaz que escapa ainda assim com vida, e os dois filhos pequenos do casal Khurana, os quais Mansoor acompanhava, e que sucumbiram no momento. A partir deste acontecimento somos levados pelas reações das vítimas à tragédia, de Mansoor que, sobrevivendo, comporta sequelas no seu braço que o perseguirão enquanto cresce, ao casal Khurana, que tem agora de reagir àquela que é provavelmente a pior perda que algum ser humano pode sentir. O período temporal não se limita ao imediatamente a seguir ao incidente, mas sim, à medida que o livro prossegue, a um período relativamente alargado, até aos tempos em que Mansoor é já um estudante universitário.
Fotografia do autor por Lucky Malhotra
O livro cresce e acrescenta, no entanto, por não se debruçar somente sobre a dor e a psique dos que são vítimas destes ataques, mas por também se focar naqueles que os levam a cabo. Somos conduzidos pelos actos e pensamentos de Shockie enquanto este prepara e faz explodir a bomba que, para a sua expectativa, mata demasiado poucas pessoas, ao mesmo tempo que seguimos a forma como, para Vikas e Deepa Khurana, esse número de vítimas é irrelevante porque entre elas se encontram os seus dois filhos. O livro consegue deixar-nos com sentimentos paradoxais, às tantas já nem sabemos se na realidade existe, afinal, algum fundamento para que alguém siga com estes ataques, ou se os Khurana não têm, afinal culpa própria pela morte dos filhos, precisamente pela situação que os levou a estar no mercado naquele momento, uma preocupação material em relação a uma televisão velha que estava para arranjar, motivo que os leva, até, a mentir aos amigos, dizendo que os filhos tinham ido buscar um relógio, porque a verdade “soava a pobreza”. O livro está no seu melhor precisamente nestes momentos em que o autor nos leva pelos pensamentos e pela consciência das personagens que povoam a sua história, mas são demasiadas as vezes em que a escrita se limita demasiado a uma narração das acções que vão acontecendo, diálogo atrás de diálogo, com pouca daquela contextualização e consciência que marcam os seus melhores momentos.
Mahajan acaba por diversas vezes não conseguir distinguir assim tão bem as vozes das diversas personagens, algumas acções a parecerem não coadunar especialmente bem com outras das suas acções. Em parte, é daqui que sai a exploração das motivações dos terroristas, essa dita contradição a ser necessária. Mas noutros casos parece só desajustada, parece mais a voz do próprio autor a se sobrepor à das suas personagens. Além disso, Karan Mahajan sucumbe também ao problema de tomar o leitor como pouco perspicaz, querendo ilustrar todos os pontos que quer passar com o livro que escreve, demasiadas as vezes em que é explícito e traz o paradoxo ou a moral do que conta para o primeiro plano e o afirma. É preciso saber deixar os outros unir os pontos por si.
Por aspectos como este, a sua leitura acaba por ser agridoce. A exploração das motivações, dos volte-faces, da forma como os variados tipos de dor interferem nas nossas decisões, é tremendamente bem pensada, mas a forma como é executada acaba por ficar aquém do proposto inicialmente. Apesar disso, Karan Mahajan, 32 anos, americano crescido em Nova Deli, é, para os padrões da indústria literária, um jovem autor, um daqueles cujo potencial está lá latente, as ideias a explorar no livro a serem mais que pertinentes, os acontecimentos narrativos existentes ao longo do livro belas soluções para ajudar na exploração dessas mesmas ideias. O problema acaba mesmo por ser a forma como a escrita do autor as conduz. São, no entanto, problemas que são passíveis de ser trabalhados e melhorados e, se num futuro não muito distante, Mahajan for capaz de nos trazer novos romances com ideias igualmente boas e uma escrita melhorada, há aqui um autor a seguir.