Baiuca ao vivo: o intenso cruzamento entre a música tradicional galega e a electrónica

por Bernardo Crastes,    21 Fevereiro, 2022
Baiuca ao vivo: o intenso cruzamento entre a música tradicional galega e a electrónica
Fotografia de Filipa Aurélio / Musicbox
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Ainda que a pandemia não se encontre oficialmente dada por vencida, no passado dia 19 viveu-se o concerto de Baiuca no Musicbox, em Lisboa, como se estivéssemos em 2019. A diferença? É que Alejandro Guillán, líder do projecto, tem agora mais uma excelente adição à sua discografia: Embruxo foi um dos discos do ano para a nossa redacção e deu azo a uma entrevista com o músico galego, que se tem dedicado a uma revisão da música dessa região espanhola, com direito a produção moderna e electrónica pujante. A celebração fez-se de casa cheia e com um público diverso, no qual se contava uma chusma de galegos extáticos por apoiar o compatriota na capital de Portugal, país que partilha uma ligação especial com a Galiza.

O arranque fez-se de forma ponderada, com batidas compassadas que, ritmicamente, lembram o também revisionista movimento do step andino, patente na música electrónica do outro lado do Atlântico e com o qual o próprio Baiuca já se envolveu. Versões das canções típicas “A Miña Fraga” e “Verde Gaio” puxaram pelo acervo lírico da Galiza e apelaram à memória popular do público que as reconhecia, cantando como se numa romaria estivesse, mas abanando o corpo como se faz nas metrópoles. A partir daí, seguimos pelo espólio de Baiuca e, a cada canção, a música parecia encher-se cada vez mais. Foi “Lavandeira” que fez a ponte entre os BPMs menos elevados e a aceleração de ritmo de forma perfeita, com a sua batida sinuosa e carregada de negrume.

Fotografia de Filipa Aurélio / Musicbox

À semelhança da música tradicional galega, a base das canções que ouvimos ao vivo é a percussão, as vozes e os instrumentos de sopro, que se vão somando até chegar a alturas estonteantes. Para esse efeito, ao artista juntaram-se em palco Xosé Lois Romero, conceituado percussionista e líder do projecto Aliboria, e Andrea e Alejandra Montero, cantoras e pandeireteiras também no projecto Aliboria e ainda nas Lilaina.

Para além disso, como não só de música se faz a cultura galega, o artista visual Adrián Canoura forneceu o pano de fundo para o espectáculo com imagens reminescentes do noroeste da nossa partilhada península. Completando o bouquet, Andrea e Alejandra ainda nos presentearam com uma demonstração de danças típicas, durante a instrumental e soturna “Muíño”. Foi um espectáculo extremamente completo, algo surpreendente tendo em conta a dimensão do Musicbox, que esteve à altura do espectáculo que Baiuca quis partilhar connosco na sua estreia lisboeta.

Fotografia de Filipa Aurélio / Musicbox

No que toca à percussão, as possibilidades não se esgotavam. Não faltaram os tradicionais adufes, pandeiretas e tambores, aos quais se somaram também frigideiras de ferro tocadas com uma grande chave, conchas de vieiras, enxadas e até uma caixa de pimentón vazia, instrumento conhecido como lato. Estes instrumentos protagonizaram alguns dos momentos mais celebrados, como o clímax de “Caroi”, com um drop electrónico digno do breakbeat, enriquecido pelas pandeiretas. Mais perto do fim, “Diaño” contou ainda com um charrasco, massivo instrumento tocado de forma arrebatadora por Romero.

Para além de controlar os sintetizadores e batidas electrónicas, Alejandro encarregava-se ainda de enriquecer algumas canções com flautas, evocando o seu passado de tocador em procissões. “Conxuro”, uma das músicas mais épicas de Embruxo, foi um óptimo exemplo. O seu ritmo alucinante e flauta trovadora faziam-nos imaginar a feira medieval mais cativante de sempre. “Solpor” permitiu uma revisitação da carreira inicial de Baiuca e do álbum de mesmo nome, com a sua melodia doce a lembrar um inocente final de Verão.

Fotografia de Filipa Aurélio / Musicbox

Com a voz afogada pelos aplausos e clamores do público, Baiuca agradecia-nos a mui calorosa recepção. Depois do final de “Diaño”, pediu-se um encore fervorosamente, ao qual a banda acedeu com redobrada energia. “Morriña” e “Muiñeira” foram os veículos ideais para isso, com a banda a juntar-se para umas versões de elevadas octanas e muita intensidade. No entanto, o final fez-se ao som de “Veleno”, o novo hit do artista, para o qual pudemos encarnar o nosso Rodrigo Cuevas interior e dançar ao ritmo de uma das batidas mais sofisticadas de Baiuca.

Foram 22 as canções partilhadas com o público lisboeta e, se mais houvessem, mais celebração haveria. A promessa final foi a de um regresso rápido. Depois desta experiência, nós certamente esperamos que sim.

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