Entrevista. Judeline: “No momento de subir ao palco, tenho imensa segurança”

por Bernardo Crastes,    10 Abril, 2024
Entrevista. Judeline: “No momento de subir ao palco, tenho imensa segurança”
Fotografia de Ana Arden
PUB

Não é fácil encontrar artistas com uma ascensão tão rápida à fama como aquela que Judeline tem tido desde que iniciou a sua carreira musical, há apenas 4 anos. Desde que Lara Blanco se mudou da pequena aldeia de Caños de la Meca, na Andaluzia, para Madrid, em 2020, a artista já lançou uma série de singles e um EP que se estendem por uma miríade de géneros, colaborou com Tainy em DATA (o popular álbum que o cobiçado produtor lançou em 2023), levou a sua música a grandes públicos no México e na Argentina e, mais recentemente, foi confirmada como convidada especial do próximo concerto que J Balvin dará em Portugal, a 1 de Junho. Tudo isto antes de sequer ter lançado um álbum de estreia e tendo apenas 21 anos de idade.

Antes de aparecer no concerto do astro colombiano do reggaeton, Judeline estrear-se-á ao vivo em Portugal no próximo dia 12 de Abril, com um concerto no Musicbox, em Lisboa. Não imaginamos melhor sítio para a estreia de uma das novas promessas da música espanhola e, transcendendo fronteiras, da música latina urbana, tendo em conta que o Musicbox tem apostado amiúde na vaga de artistas contemporâneos e adjacentes a Judeline, como Ralphie Choo, Bad Gyal e até, antes da fama meteórica, C. Tangana. Foi no âmbito desse concerto que a Comunidade Cultura e Arte conversou com Judeline, trazendo à tona outros temas como géneros musicais, escrita de letras e crescimento pessoal.

Sei que o teu nome artístico vem da canção “Hey Jude”, dos Beatles, porque era o desejo do teu pai chamar-te Jude se tivesses nascido rapaz. Cresceste num lar muito musical?
Sim, o meu pai é músico e a minha mãe adora música. E a Andaluzia está cheia de música por todos os lados, ou seja, basicamente sim.

Que tipo de música costumavas escutar?
Muito flamenco, muita bossa nova, música brasileira, muito… não sei, muito flamenco da parte da minha mãe, mas também muitas bandas como os Police, The Beatles, The Doors…

Em que momento começaste a cantar?
Sempre cantei, ou seja, sempre fiz coisinhas com a voz e estava sempre a tagarelar quando era pequena. É algo que nunca mudou.

E quando começaste a fazer realmente a tua própria música?
Desde pequenina que gostava muito de escrever, é algo que sempre fiz, escrever com a guitarra. Creio que aos 13, 14 anos fui a um estúdio de gravação pela primeira vez e já com 17 mudei-me para Madrid e comecei a minha carreira profissional.

Fotografia de Ana Arden

Agora algo mais metafísico: o que achas que te leva a cantar?
Não sei, é uma forma de desafogo e de expressão artística para mim. É a forma que eu escolhi. Sempre me trouxe muita calma, quando era pequena relaxava-me muito. Creio que é algo que me estimula bastante.

A tua carreira começou há uns anos, num momento muito exitoso para a música espanhola e para a música latina urbana em geral. O que há de especial na tua proposta musical? Que pensas que te distingue dos demais?
Sinto que há algo que não procurei nem tentei trabalhar muito para que se diferenciasse. Mas simplesmente sinto que tenho muita mistura de muitos géneros dentro de mim e que tenho tido a sorte de encontrar bons produtores que têm sabido compreender o meu mundo e com os quais posso fazer a música que faço agora.

No meio dessa mistura de géneros poderias perder um pouco a tua identidade. Como achas que consegues reter essa identidade ao saltar de género em género?
Porque sinto que realmente o que compõe a minha identidade são demasiados géneros juntos, sabes? [risos] E que eu realmente não os controle, nem os queira controlar. Estão todos aí e convivem todos juntos em paz.

Em “CANIJO”, utilizas o ritmo do funk brasileiro. Queria saber como chegaste a esse ritmo e se gostarias de explorar mais essa ligação com o Brasil. Estavas a dizer que escutas bossa nova, não é verdade?
Sim, desde muito nova! Penso que, apesar de não falar português, é um idioma agradável de se escutar. Ou seja, dá-me muito gosto escutá-lo. E na música ainda mais, porque se torna familiar, mas sem ter de estar concentrada no que estão a dizer. Desde muito pequena que ouço Gal Costa, [Tom] Jobim, Djavan, Caetano Veloso… sempre foram muito importantes para mim. A Gal Costa é a minha cantora favorita desde que nasci.
Depois, quando já era mais velha, o funk brasileiro fascinou-me. Ou seja, quando era adolescente escutava-o muito, desde que o descobri pela primeira vez. Penso que tinha uns 15 ou 16 anos. A verdade é que não tenho um artista em concreto, mas sim canções que ia adicionando à minha playlist e que escutava repetidamente. Agora também gosto muito do trap do Brasil, como o Brocasito ou o Caio Luccas. Também adoro a Mc Morena! Aliás, falo muito com ela, adoraria colaborar com ela. Não sei, há muitas pessoas lá. Tenho muita vontade de ir ao Brasil, é a minha viagem de sonho desde sempre. Adoraria ir lá e trabalhar com artistas, de verdade.

Videoclipe de “CANIJO”

Há algum género musical que ainda gostarias de explorar?
Gostaria de fazer algo mais de funk, na verdade. Gostaria de fazer alguma bossa, já que estamos aqui. Mas também gostaria de fazer drill ou algo mais urbano. Ou quiçá uma canção puramente instrumental e sem autotune. Quero experimentar, não sei.

E em termos de colaborações, com quem gostarias de trabalhar?
Quem te poderia dizer?… Adoraria a Caroline Polachek. Adoraria trabalhar com o Future, é uma das minhas colaborações de sonho. Também adoro o Yeat. Não sei, há muita gente que me entusiasma. Mas espero que aconteça naturalmente.

Sinto que não utilizavas tanto o autotune no início da tua carreira, mas agora sim. Qual é o papel que sentes que o autotune desempenha na tua música?
É um papel criativo. Eu sinto que se envolve e se camufla muito melhor no resto dos sons que há na produção. Para mim, é um instrumento juntamente com a voz e é algo de que gosto muito quando é hora de o usar. Utilizo-o no sentido criativo. Há vezes em que escuto as minhas gravações sem autotune e digo “que horror, canto tão mal”. Mas poderia não utilizá-lo porque, se me concentro, consigo afinar e ficar contente com o resultado. Mas realmente apetece-me usá-lo e sinto que sou uma artista que, neste momento da minha vida, utiliza autotune. Talvez no futuro me dê para tirá-lo.

Pelo que entendi, desde muito pequena que sonhavas com uma carreira de sucesso na música. Está a ir como esperavas?
Eu penso que sim, na verdade. Não sei se esperava algo em concreto, mas sinto que está a seguir o caminho que tem de seguir. E estou muito grata, de verdade.

Quais foram as maiores dificuldades que sentiste?
Penso que foi compreender o mundo, na verdade. [risos] Mudei-me com 17 anos para Madrid, ainda era uma adolescente. Compreender o mundo adulto, as primeiras tareias que a vida te dá, os choques de realidade, entender que a vida adulta não é tão fácil como se pensava — ou que a vida em geral não é tão fácil como se pensava. Dentro desse processo do trabalho e de fazer música, tive muitas crises existenciais. Acho que estes anos tão importantes na vida de uma pessoa, em que tens todas estas crises, se cruzaram com esse processo musical. Tornei-me adulta e penso que isso foi bastante duro, algumas vezes.

Fotografia de Diego Lillo

Achas que perdeste alguma coisa nesse processo? Algumas fases ou partes da tua vida?
Pois, não sei, suponho que tenha perdido. Não sei se perdi, mas bom, algo mudou. Pode ser que tenha perdido alguma inocência ou algo, não sei se pureza, mas que simplesmente se tenha transformado. Antes era muito mais confiante, abria-me a toda a gente, toda a gente era minha amiga e “vamos!” e tal. Pouco a pouco, comecei a proteger-me mais e isso mudou um pouco. Mas bom, quero pensar que continuo a ser a mesma pessoa, simplesmente é inevitável evoluir. Ou seja, se continuasse a ser a mesma pessoa que quando me mudei para Madrid, seria algo horrível. Significaria que a vida não me tinha ensinado nada, que não tinha evoluído.

Sentes uma separação cada vez maior entre pessoa e artista?
Sim, às vezes sim, na verdade. Com a minha psicóloga falo muito disso, de como às vezes sinto que, como Lara, sou uma pessoa mais insegura, mais sensível ou que sofro mais com as coisas. Mas, no momento de subir ao palco, tenho imensa segurança. Tudo o que toca ao meu trabalho é pura segurança, não sinto nada de síndrome de impostor, mas como Lara sinto-o. Então a minha psicóloga disse-me que isso é porque a Judeline não tem passado. É algo que eu criei e inventei. Então aí não há passado nem problemas antigos, é como se tivesse começado desde outro ponto. Não sei, mete-me graça, mas sim, penso que obviamente sou Judeline e sou Lara — sou a mesma pessoa.

Quais são as mudanças mais tangíveis que tens sentido nestes tempos recentes de… ascensão, digamos?
Não sei, às vezes volto a casa e noto que pessoas que foram próximas de mim toda a minha vida, é como se houvesse uma pequena distância entre os dois. Como quando não sabes muito bem como tratar a pessoa porque passaste tempo fora e desconectada, e tudo o que viram de ti foi nas redes sociais e não o entendem muito bem. É como uma espécie de admiração, mas de não saber bem como tratar ou estar, ficam nervosos e tal. Mas tipo, caraças, sou a Lara, sabes? [risos] Em teoria, vamos voltar a conectar-nos. As vezes é uma sensação estranha, mas sim, não sei, noto-o em muitas expectativas, muitos olhos em cima de mim, muitos conselhos, muita gente a querer colocar o seu grãozinho de areia na minha vida de alguma forma, e às vezes pode ser que isso me sature um pouco.

No teu primeiro EP e nos primeiros singles, sente-se uma conexão muito forte às tuas origens e ao teu percurso pessoal. Agora que és cada vez mais do mundo, de certa forma, pensas que as tuas letras e canções reflectirão mais isso?
Sim, penso que sim. Com certeza utilizo-o como inspiração e de certeza que em algo as influenciará.

Videoclipe de “otro lugar • despertar”

Mas provavelmente já estás a trabalhar em coisas novas neste momento. Já sentes alguma mudança nas inspirações da tua música mais recente?
Sim, noto mudanças. Noto um pouco mais a miúda pequena de De La Luz — ainda que não tenha passado tempo nenhum [risos] — mas noto cada vez mais uma certa maturidade nas letras e, não sei, gosto disso, na verdade. É algo que vai evoluindo, mas também não o controlo realmente. Gosto de o ir observando, como vai acontecendo naturalmente e como fui afinando um pouco as letras.

Pelo que entendi, as tuas letras não são apenas relativas à tua experiência pessoal, mas também apanhas um pouco o que vês em outras pessoas. Costumas fazer muito isso? Que tipo de conexões e interações te inspiram a escrever?
Penso que me estimula muito imaginar e idealizar. É algo que faço e que eventualmente me traz muitos problemas na minha vida [risos], porque quase sempre me adianto na minha cabeça, depois não acontece e é sempre uma decepção. Mas gosto muitíssimo de, a partir de uma conversa que me tenha estimulado ou uma pessoa que tenha conhecido rapidamente, imaginar uma história com ela e usá-la como referência na minha cabeça para escrever uma história que não tenha acontecido. Mas há sempre uma pequena coisa que serviu para me arrancar essa história. Isto também me dá mais liberdade, porque se o fizesse sobre uma história real, teria de me cingir à realidade e custar-me-ia mais sair daí. Então gosto de inventar um pouco e assim ter mais liberdade criativa.

O que pode esperar o público português do teu primeiro concerto cá?
Vou levar o meu espectáculo deste ano e entusiasma-me muito tocar em Portugal, na verdade. Lisboa parece-me uma cidade encantadora. Fui bastantes vezes quando era pequena com o meu pai porque não fica muito longe. E é isso, espero que gostem e que vibrem com as canções.

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados