Barragem de Fridão não vai avançar. Associação de defesa do ambiente denuncia pressão da EDP sobre o Estado
Após decisão governamental de cancelar a barragem de Fridão sem devolver o valor pago pelo direito de implementação, a EDP lançou um ultimato, ameaçando avançar com a construção. O GEOTA afirma que isso seria crime de desobediência civil.
Ana Brazão, da associação de defesa do ambiente GEOTA, assegura que “as supostas dúvidas da EDP quanto a uma indefinição do Governo não fazem sentido, pois a decisão de cancelamento é clara e foi anunciada pelo Ministro do Ambiente e Transição Energética num órgão de soberania, a Assembleia da República, em sede de comissão parlamentar, da qual existe ata e registo de vídeo”.
Matos Fernandes afirmou no Parlamento, a 16 de abril, que “a decisão relativamente à barragem do Fridão está tomada. Ela não irá ser construída”.
A associação afirma que qualquer avanço da EDP no sentido de construir poderia constituir crime de desobediência civil, porque a obra não tem contrato de concessão de utilização do domínio público hídrico. Ana Brazão usa a analogia entre o valor pago pela elétrica e o sinal de compra de uma casa, feita por António Mexia em entrevista à RTP, para explicar que “avançar agora com as obras em Fridão seria como fazer uma casa sem obter as licenças.”
O GEOTA está certo de que os advogados da EDP também o sabem, acusando a elétrica de ter “um comportamento semelhante a um rufia, que assusta e confunde as pessoas que seriam afetadas pela barragem, não olhando a meios para que lhe seja pago o montante que exige. Esta é uma forma de bullying ao Estado, mas, acima de tudo, às populações locais, colocando em causa uma decisão muito desejada em todo o país e que a própria EDP sabe ser definitiva, usando-o como arma negocial”.
“Além disso, em nenhum momento a EDP continua a demonstrar real vontade de construir Fridão. Apenas afirma eventual interesse numa barragem de menor dimensão, algo que o ministro já explicou não ser viável, porque contraria o código da contratação pública”.
De facto, foi a própria empresa que, em 2013, solicitou a suspensão do contrato, “pelo que é legítimo concluir que foi no exclusivo interesse da elétrica que o projeto chegou à situação de incerteza em que esteve até 16 de abril deste ano. E, na entrevista à RTP, o presidente da EDP confirmou a nossa suspeita. Fugiu às perguntas sobre o interesse na construção, apenas referindo não estar disponível para desistir sem receber o valor adiantado”, insiste Ana Brazão.
“Também nesta entrevista, Mexia utiliza uma simplificação falaciosa, comparando o pagamento do direito de implementação de uma barragem ao sinal de uma casa”. A coordenadora do Rios Livres GEOTA acrescenta que, no caso dos contratos públicos, “tudo é mais complexo. Por exemplo, a não construção no prazo a que se tinha comprometido, com os adiamentos provocados pela própria EDP, é razão de sobra para que o Estado negoceie o desfecho sem ressarcir a empresa.”
E argumenta que “existem várias razões, contratualizadas ou por jurisprudência doutros contratos, que permitem a não devolução. A maior de todas, quando o próprio contraente perde o interesse. Todos sabemos que, mesmo no sinal de uma casa, se desistirmos dela, perdemos o dinheiro. Foi isso que aconteceu com a barragem do Alvito, também da EDP, e com a de Girabolhos, da Endesa, onde não houve lugar a devolução.”
A 31 de março, o GEOTA já tinha enviado ao ministro uma carta com diversas razões para não devolver qualquer valor à EDP, juntamente com um parecer jurídico do CEDOUA, centro de investigação da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, que corrobora a possibilidade do Estado usar vários argumentos, como o de que a EDP não está a cumprir as suas obrigações na barragem de Foz Tua, onde a substituição da Linha do Tua, principal contrapartida à autorização para construir, não foi até hoje cumprida.