Berlinale. Radu Jude provoca no Festival de Berlim com a pornopandemia “Bad luck banging”
O título apimentado prometia alguma polémica, mas o romeno endiabrado não fez a coisa por menos. Bad Luck Banging or Loony Porn é a sua corrosiva tirada contra os podres da sociedade romena, que dificilmente se desliga do seu passado de ajuda aos nazis, como não resiste a usar a corrupção ou tráfego de influência para atingir os seus fins. Aliás, um dos seus últimos filmes, usou orgulhosamente o título infame I do not care if I go down in History as barbarians, de 2018, mas saiu vencedor do festival de Karlovy Vary ao retratar como a barbárie anti-semita conseguiu alastrar-se para fora do regime nazi.
Talvez tudo isso tenha alimentado um pouco a tremenda verve do cinema romeno, de que o experiente Radu Jude parece tirar o maior partido nos últimos anos. No caso do filme que irá fazer furor nos próximos festivais por onde passar, mostra-nos uma sex tape doméstica que chega à net e que acaba por virar do avesso a vida de uma professora que tem uma reputação a manter. E se a gravação ao som de Lilly Marlene, por Marlene Dietrich, ou a pornografia for apenas uma forma de Jude captar a atenção do povo para aquilo que se passa na vida dos nossos conterrâneos europeus romenos?
É que Bad luck banging (mas que título!) é uma expressiva colagem de tudo aquilo que Jude foi observando bruscamente no verão passado, em plena pandemia. E, bruscamente, porque percebe-se aqui uma certa urgência de filmar. Aliás, o filme, dividido em três partes (com três finais alternativos) parece mesmo empenhado em encenar cenas do quotidiano popular. Depois da tal sequência, e da autora se aperceber que a sua performance já circulava na net, a câmara acompanha a professora nas ruas de Bucareste, em longos planos-sequência, aparentemente descritivos que preenche a primeira parte com um plano rosa-choque a intitular “via de sentido único”. Por essa via vamos nos apercebendo de alguns dados antropológicos e sociológicos dos romenos (que serão até, de certa forma, comuns a outros povos latinos), seja a usar o seu comodismo em proveito próprio: seja como peões, automobilistas, em filas de supermercados.
No entanto, assim que chegamos à Parte II, Radu parece servir-se do caixote do lixo das misérias romenas, usando imagens de época, factos históricos, provérbios da época, anedotas de loiras, deboche muito kitsch que não repugnaria o estilo popular muito usado pelo artista plástico Jeff Koons — muito menos à sua mulher, Ilona Staller, também conhecida por Cicciolina. Uma das frases não resistimos em reproduzir (aliás, é essa uma das vantagens de dispormos do acesso ao filme durante 24 horas, podendo analisá-lo com mais detalhe): Então, aparentemente, no dia 23 de Agosto de 1944, diante da entrada das tropas russas no território, um jornal preparou duas manchetes: uma dizia “Viva Stalin!”, no caso das tropas russas avançarem; a outra, dizia “Viva Hitler!”, no caso dos até ali aliados manterem o controlo.
Radu Jude funde assim o enlevo histórico com uma profunda acutilância e humor negro diante o cinismo anti-semita do seu povo. No fundo, algo que percebemos que é, isso sim, de um conteúdo pornográfico. Tal como o regime de Ceaucescu, que passou de líder herói comunista, em 1964, a ditador executado pelo povo, em 1989. Aliás, uma personagem visada por Radu Jude no seu filme anterior, Upercase Print (exibido o ano passado no Fórum da Berlinale), sobre um jovem de 16 anos que escreveu, em 1981, o singelo grafite a giz, ”estamos fartos de esperar em filas intermináveis”. Acabaria perseguido e torturado pela polícia. Isto num país em que recentemente a palavra mais procurada da net foi “blow job” e a segunda foi “empatia”. É, portanto, a pornografia de que se serve para explicações de foro mais sociológico, como para explicar que 55% da população concordava com a violação. Desde que fosse motivada por consumo de álcool ou drogas, ou que fosse justificada pelo traje ousado da vítima.
Por isso, quando chegamos à Parte III, e aos seus três finais alternativos, já temos algum conhecimento para apreciar o julgamento da Professora depois de ser chamada à escola para ouvir os pais. É num registo de teatro kitsch, mas com direito a máscara, que Jude motiva o confronto de uma mulher exposta na mais profunda intimidade em que reúne alguns estereótipos da sociedade local — como o misógno, o militar, o padre, o emigrante silencioso, o gay, a oportunista, etc — por forma a proceder a um derradeiro exorcismo. Ou apenas uma brincadeira. Uma coisa e certa, em tempos de pandemia, vai ser difícil esquecer a pornopandemia de Jadu Jude. Um filme que ficará por certo da short list para os candidatos a prémios. Mas há outros.