Blackout
Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.
Juro! Juro por tudo o que quiserem, pelo meu gato, pelos meus pais, pelo poster de HIM oficial que comprei no concerto, juro que hoje tinha planeado escrever sobre uma coisa completamente diferente, ligada às artes e tudo, mas acontece que o meu computador morreu.
“Ah, mas isso não é desculpa, Cruz. As melhores obras literárias foram escritas à mão e muitas à luz de velas”, diz o jactancioso leitor ajeitando a gola alta cheia de caspa. E é verdade, não o nego. A diferença é que a maioria desse pessoal nunca teve vacinas para a tuberculose, quanto mais computadores! Estavam habituados a escrever sempre à mão, era normal para eles. Já eu, percebi hoje com muita tristeza, não pegava numa caneta para escrever mais do que duas linhas há um bom par de anos, o que faz com que neste momento possua a destreza típica de vítima de trombose. Resumindo, a minha caligrafia está tão má que eu não consigo ler o que escrevo.
E isto aqui levou-me a pensar no quão dependente estou da tecnologia sem dar conta. Hoje a tecnologia está tão presente nas nossas vidas, de maneira tão natural, que só percebemos o nosso grau de dependência dela quando ela nos falha. Eu tenho-me como um tipo muito pouco tecnológico, não ligo a gadgets e os meus conhecimentos informáticos resumem-se a conseguir recortar uma cara no Paint e descobrir porno esquisito com alguma facilidade para chocar os meus amigos no WhatsApp, por isso como é que um tipo como eu fica tão habituado a martelar em teclas ao ponto de já quase não conseguir escrever sem elas?
Mas o pior foi perceber que o computador não é a minha única dependência, há toda uma catrefada de outras coisas que quando falham me deixam em stress e que não são assim tão essenciais. Por exemplo, há dias fiquei sem net em casa derivado de a partilhar com o idiota do Diogo Batáguas. Atenção, não estou a dizer que culpa foi dele. Mas estou. Idiota. E percebo agora que nesses dois dias eu transformei-me num junkie do Wi-Fi. “Ya… Mano… Orientas aí a pass da loja_da_manu? Tenho um tweet genial sobre Borba. Será que as lápides das vítimas de Borba… espera…não te vás já embora… será que as lápides das vítimas de Borba vêm daquela pedreira? Anda lá, estou mesmo a ressacar… posso ser bom para ti se fores bom para mim…” E isto é inconcebível para mim, um gajo que compra vinis e tem uma fisga!
Não tinha mesmo percebido o quão agarrado estou a estas coisas e o quão inútil me tornei em algumas coisas por causa dessas outras coisas. Afinar a guitarra de ouvido? Esquece. Tentei e 20 minutos depois ainda andava ali às aranhas. Tudo bem que tinha o gato a berrar-me aos ouvidos e a tentar arrancar-me os olhos porque aparentemente o mi lá ré é um insulto na língua deles, mas mesmo assim não se justifica. Masturbação? Dificílimo! A imaginação já não é o que era, já escrevi muita coisa, já gastei muito… sem ajuda de um vídeo mais maroto dou por mim distraído a rever falas de “Liberdade 21” para dentro. Escrever este texto? É o que é. Estou a escrevê-lo diretamente no telemóvel, como mensagem, porque é preferível àquele electrocardiograma que meti em papel e que se dispuseram a passar a escrito ditado por, lá está a tecnologia, telemóvel. E é por isso que não vou escrever mais, porque isto já está uma sms daquelas de fim de namoro à distância e nós ainda agora começámos. Mas antes de ir prometo, a partir de agora, deixar de estar tão dependente das tecnologias e não deixar que me façam esquecer saberes que são empíricos. Prometo!
Enviado do meu iPhone