Branko e Rastronaut a “dançar a diversidade”

por Samuel Pinho,    26 Setembro, 2017
Branko e Rastronaut a “dançar a diversidade”
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A cultura portuguesa, dentro e fora de portas, vem sendo mais consumida e disseminada a cada dia que passa. Seja por intermédio do turista que vem cá dentro senti-la ele próprio ou por culpa de instituições e festivais estrangeiros “forçados” a reconhecer-lhe o mérito, a verdade é que vamos sendo celebrados um pouco por todo o Mundo.

No panorama musical, a editora Enchufada e os seus Buraka Som Sistema surgiram precocemente – num tempo em que dificilmente um americano saberia da existência de Portugal, quanto mais da música made in Lx – e rapidamente se transformaram num posto avançado de cultura, comprometidos com a partilha dessa diversidade, figurando nos lugares cimeiros da lista de responsabilidades por colocar a cena musical de Lisboa (e de Angola) no mapa.

Se o término dos Buraka deixou saudade, o vazio foi prontamente capitalizado pela editora: mais lançamentos, mais artistas, mais formatos. Em suma, mais música num cardápio já de si variado e a vontade nata de aniquilar ainda mais as barreiras de género.

Dia 6 de Outubro festejam-se essas conquistas e outras tantas, no Estúdio Time Out do Mercado da Ribeira. Estivemos à conversa com Branko e Rastronaut sobre essa celebração e outros tópicos.

Como surge a Enchufada e como se consolida a existência da mesma?

Rastronaut – Queres pegar tu nessa ou…

BrankoNão sei (risos), vamos falando os dois… Então vá: a Enchufada surge um pouco como uma junção de músicos, pessoas like-minded, indivíduos que queriam fazer música; os primeiros lançamentos foram, inclusive, quase todos trabalhados em parceria com outras editoras, entre 2004 e 2006. Em 2006, com o lançamento do primeiro EP de Buraka Som Sistema, acabamos por criar mesmo a empresa e a estrutura que, mais tarde, estaria por trás de Buraka desde agenciamento, management, editora, etc.

Tudo muito orgânico, natural…

BrankoÉ, no meio disso tudo acabou por virar um instrumento de lançamentos e ficou, obviamente, muito focada no grupo durante muitos anos. Até que chegou uma altura em que se decidiu “pronto, ok, isto ’tá a correr, agora vamos agarrar nisto e continuar a focar na edição de música”. Daí se explica este desejo de ir buscar outros artistas que continuem a pensar da mesma maneira, que continuem a ver o Mundo da mesma maneira que nós vivemos em termos de música e a partilhar da mesma perspectiva musical que nós procuramos viver: esta ideia de música electrónica global. Nesse sentido, começamos por fazer lançamentos e o mais marcante, tendo em conta o formato da editora, foi provavelmente uma série de EPs intitulados Hard Ass Sessions, onde convidávamos produtores de todo o Mundo a fazerem a sua própria interpretação do que era um beat de kuduro. Tivemos desde pessoas como o Bok Bok (Londres)…

RastronautMartelo (Londres) …

Branko Nik Sarno (Itália). Isto é, produtores de vários pontos do planeta a interpretar o que, na altura, estava a passar como o som de Lisboa – por estar a ser criado aqui – mas obviamente sempre com base no que já acontecia em Angola. E, no fundo, talvez isso tenha sido o que mais marcou a nossa identidade e a própria personalidade das coisas. A partir daí… artistas, produtores, músicos, DJs, coisas do género; obviamente existiram alguns projetos de peso, por exemplo, Orelha Negra e PAUS. O primeiro EP de PAUS é um EP Enchufada, o primeiro single de Orelha Negra também é um lançamento Enchufada; portanto, houve vários caminhos, vários formatos e, no fundo, hoje em dia vai sendo uma voz mundial daquilo que é a música electrónica global.

Ou seja, não é só uma label, não é só uma crew; também organiza as festas “Hard Ass Sessions”…

Branko – Residência no Lux

E no Porto…

Branko – Precisamente, no Maus Hábitos. Lá está, sempre fizemos um bocadinho de tudo. Hoje em dia, se calhar, focamo-nos mais no lado label que vem prevalecendo nos últimos 2/3 anos. Quando eu digo label não é (só) no sentido de fazer lançamentos e EP’s, é (também) no sentido de criar conteúdo – seja ele um programa de televisão, um disco, o que quer que seja – que passe a nossa visão.

Rastronaut – Um carimbo, vincar uma identidade no mais variado conjunto de produtos culturais e de entretenimento. E muito focado na música, claro, como ponto de partida.

Branko – Com epicentro na música, sim.

Se vos obrigassem a catalogar a música que fazem, e que vão veiculando, quais eram os géneros de que se socorreriam?

Rastronaut – É sempre um bocado complicado falar de géneros específicos, nós meio que fomos obrigados a criar um rótulo para, de certa forma, agrupar todas estas coisas que fazemos. Começamos a chamar-lhe Global Club Music ou Electrónica Global. Seja como for, acaba por ser tudo o que achamos que encaixa numa visão que combina um bocado a herança musical e cultural – de diversos sítios, desde África à América do Sul – com uma eletrónica de clube moderna. Um pouco à semelhança do que Buraka começou, tendo marcado toda a identidade da editora através dessa matriz, sendo que tudo o que vem a seguir levará a cabo essa “continuação”…

Essa diversidade, esse choque de culturas é algo que perseguem…

Branko – Dançar a diversidade! Algo assim…

Rastronaut – De certa forma, sim.

Mais concretamente e em relação à Enchufada Na Zona (compilação): teve alguns destaques a nível internacional, como na MixMag e na Highsnobiety, tem um programa de rádio no Reino Unido (NTS) e contou com algumas apresentações ao vivo, como foi caso do NOS Alive e do Lisbon Dance Fest. O que é afinal a Enchufada Na Zona?

Branko – No fundo, a ideia da expressão “Na Zona” acaba por ser uma apropriação do célebre “estamos na zona”; a Enchufada Na Zona pode ser tudo e mais alguma coisa, isto é, as pessoas que fazem parte da Enchufada a ocupar um espaço cultural; seja uma hora mensal na NTS, um venue como o Estúdio Time Out ou uma compilação como a que aí está. Neste caso, (a compilação) foi apresentada – ou curada – por mim, mas a ideia é – eventualmente – dar continuidade, pela mão de outras pessoas.

Fundamentalmente, aplicado à linguagem da internet de hoje em dia, diria que a Enchufada Na Zona é uma hashtag e sem querer socorrer-me do chavão da “curadoria”, é exactamente isso que sucede: curar uma hora de música, sendo ela aplicada onde quer que seja, onde vamos celebrar aquilo que sempre celebramos com a editora: a diversidade.

Quais foram, e são, os pontos de contacto entre o Branko e o Rastronaut, o KKing Kong e o Dotorado Pro, como se deu essa sinergia que levou à formação deste colectivo?

Branko – É mesmo o contacto físico! Eu, pelo menos, trabalho imenso com colaborações que funcionam muito à distância: estou com as pessoas uma tarde a gravar e depois nunca mais as vejo…

Rastronaut – 6 meses a trocar emails…

Branko – Exacto, 6 meses a trocar emails! Neste caso, é mesmo um contacto específico, em que existe um ponto de trabalho, um estúdio, um escritório. Na prática, são esses os headquarters da Enchufada e essas pessoas que passam aí algum tempo – de forma relativamente orgânica e natural – acabam por fazer parte disto, não é?

Eu e o João (Rastronaut) asseguramos a parte toda de estrutura da editora, de lançamentos, de eventos e de tudo isso; o Kking Kong é uma pessoa que está sempre no estúdio a trabalhar, a fazer as suas coisas; o Dotorado (Pro) vive em Setúbal, portanto vem visitar-nos de vez em quando. Mas, em termos práticos, são pessoas que pensam da mesma forma e têm a mesma perspectiva…

Rastronaut – Sim, e, de certa forma, partilhamos todos desta visão de que falávamos antes, da electrónica como uma coisa global, mas uma visão muito lisboeta também, com as nossas influências características.

Branko – Mas que se aplica a todas as cidades! Por exemplo, a Mina é uma artista que nós temos apoiado imenso, e também vai estar aqui no dia 6. É uma pessoa que tem exactamente a mesma perspectiva, mas via Londres; ou seja, esta é uma perspectiva mundial que vais só recontextualizando nas várias cidades pelas quais vais passando.

Rastronaut – O fenómeno é o mesmo! Quando sucede em cidades diferentes, obténs um resultado ligeiramente diferente, embora, no fundo, faça tudo parte de um movimento que é global. E criamos assim a nossa rede de colaboradores, de contactos e de artistas. Vamos tendo ocasiões como esta para juntar toda a gente num espaço físico.

Como é que esta compilação, que nos serve de pretexto à celebração, ganhou vida?

Branko – Em termos muito práticos, foi um resultado muito directo do programa de rádio que (já) estávamos a fazer. A partir do momento em que começas a mandar emails para meter músicas em programas de rádio, a resposta acabou por ser um bocado mais avassaladora do que aquilo que estávamos à espera e acabamos por tropeçar numa compilação que quase se fez sozinha, com vários artistas novos, de várias frentes, a enviarem-nos música que fazia todo o sentido juntar, com base nesse rótulo.

Rastronaut – E fez todo o sentido dar-lhe precisamente o mesmo nome, porque é uma continuação desse trabalho de pesquisa e de contacto com artistas e músicos por todo o Mundo.

Em jeito de antevisão ao show de 6 de Outubro, e menos para os fãs mais empedernidos e mais para quem não sabe tão bem ao que vem, o que podemos esperar?

Branko – Eu cresci com um estigma – e talvez isto dependa das idades – de que os eventos que existiam aqui em Lisboa, entre finais dos anos 90 e início de 2000, assentavam quase sempre num convidado estrangeiro. “Aí vem alguém de Londres tocar, que é rei do drum’n’bass”, havia uma necessidade de ter uma âncora: não valia a pena abrires a porta de espaço algum se não a tivesses, pois ninguém acreditava realmente que aqui se pudesse fazer uma merda qualquer de jeito… Ninguém pagava para ver algo daqui. E no fundo, acima de tudo – sem estar a dizer se vai haver confettis, se vai haver bolo de anos – o que há é uma vontade de celebrar o momento; porque hoje em dia já é fixe cagar, precisamente, no gajo que vem de fora.

Vamos falar de ter ambição suficiente e de acreditar suficientemente naquilo que é o ponto geográfico único – e naquilo que é a criatividade geográfica única da cidade, do país, de tudo isto – para o amplificarmos ao ponto de termos a estupidez de dizer “olha, e se fizéssemos uma festa para não sei quantas pessoas em que somos só nós?”. É algo que acontece em todos os lados do Mundo, mas sempre houve um bocadinho essa resistência por cá, que cada vez mais vai deixando de haver. Neste caso, é um bocadinho mais significativo ainda, porque é mais um passo à frente. Vejamos: já tens festas de techno em que só tens DJs de cá a tocar, mas continuamos a celebrar a música alemã. Então e se formos ainda mais longe, aprofundar ainda mais, celebrando uma coisa que só existe aqui?     

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