‘Cafe Society’, uma bela e nostálgica obra de Woody Allen
É injusto que se peça a um realizador que aos 80 anos se reinvente totalmente (ou mesmo só em parte) criando uma nova marca criativa no seu legado que chega agora aos 47 filmes realizados (!). As suas últimas obras têm alternado entre a nostalgia e o romance que aqui se conjugam num muito agradável resultado final, ao som do habitual jazz na banda sonora.
Bobby (Jesse Eisenberg) é um jovem idealista originário de Nova Iorque que procura a sorte em Hollywood ao ir trabalhar com o seu tio Phil Stern (Steve Carell), um big shot, agente de estrelas de cinema. Phil, sem tempo para mostrar a nova realidade ao seu sobrinho, apresenta-lhe Vonnie (Kristen Stewart), uma jovem pela qual prontamente se apaixona, pela sua beleza incomum, e pela forma como esta partilha dos seus ideais.
Sem se habituar na plenitude à vida hollywoodesca, Bobby volta para Nova Iorque onde abre um bar direcionado para a alta sociedade, fazendo uso dos conhecimentos que fez em Los Angeles e aproveitando um negócio já começado pelo seu irmão.
A glamorosa Hollywood (Los Angeles), repleta de estrelas de cinema, de mansões era considerada “meio fascinante, meio aborrecida”, como refere Bobby a certa altura. Um ventriloquismo da opinião do próprio realizador sobre a cidade, como tantas vezes ele nos referiu ao longo dos anos em trabalhos anteriores. Curioso ou não, em filmes que se situam numa época posterior à retratada em Cafe Society, o realizador era ainda mais descrente por Hollywood, parodiando-a pela forma como esta tentava criar conteúdos de forma compulsiva e sem qualquer essência (como em Annie Hall, por exemplo) ou pela maneira como a “alta sociedade” se comportava.
Jesse Eisenberg interpreta aqui de certa forma um alter-ego jovem de Woody Allen. Os tiques nervosos, o monólogo compulsivo e a postura corporal geralmente associados ao realizador (em tempos idos) são aqui quase mimetizados num estilo que, não deixando de ser já usualmente associado ao próprio Eisenberg. o tornam num fiel e excepcionalmente conseguido retrato ao realizador.
Tanto o actor como Kristen Stewart beneficiam da presença um do outro no ecrã (aproveitando o facto de já terem contracenado em Adventureland e American Ultra), ressentindo-se o filme nos minutos em que a bela (a não confundir com “Bella”) actriz fica sem aparecer. Blake Lively ilumina o ecrã com a sua figura, sem que, no entanto, o contributo que poderia dar na vertente narrativa, seja devidamente explorado.
Kristen Stewart floresce e ilumina o ecrã como Vonnie. A actriz tem aqui um papel que a afirma – para os mais cépticos e críticos que não se esquecem do seu papel nos “vampirescos” filmes – ainda mais como uma das melhores actrizes da sua geração, dando assim continuação aos bons trabalhos depois de Clouds of Sils Maria ou Still Alice.
Entretido e charmoso, o filme evoca um fascínio tantas vezes demonstrado nas obras de Woody Allen pela sua cidade de Nova Iorque (sendo Manhattan o mais icónico, porventura). Captada pela excelente fotografia de Vittorio Storaro, Nova Iorque (mais recorrente no último terço de filme), assim como Hollywood, são chamativas, possuidoras de uma luz imanente e atractiva, próprias de um glamour associado à época retratada (anos 30) e da qual Storaro retira o máximo proveito para esta recriação.
O galardoado director de Fotografia, vencedor de três Óscares (Apocalypse Now, Reds e The Last Emperaror), junta-se pela primeira vez com o realizador nova-iorquino, proporcionando uma verdadeira ode visual de beleza assinalável, como já não se via nos filmes de Allen há algum tempo.
A esse lado mais “sério” do filme, Woody Allen contrabalança com um estilo de humor familiar, usado no seu Radio Days. As raízes judaicas e uma família na qual o pai de Bobby é um verdadeiro chefe de família “à antiga”, pouco impressionável e de afirmações mordazes. Já o cunhado, um pacifista, faz o contraponto com o irmão de Bobby, Ben Dorfman (Corey Stoll), um gangster (à la Bullets Over Broadway) que faz jus a esse “título” através de “sketches” com as suas acções menos “pacifistas”, ao longo do filme. A típica família à Woody Allen, que tanto sumo dá para material humorístico.
Comovente e com um final agridoce (não se passasse o mesmo numa passagem de ano), o filme é também por isso sintomático de uma visão mais “ponderada” sobre a vida por parte do realizador que, ao contrário de outras obras, tem aqui uma preocupação de não se perder no seu próprio imaginário. Uma ponderação que torna Cafe Society num dos filmes mais bem escritos e realizados por Woody Allen nos últimos anos, a par de Blue Jasmine e Midnight in Paris.