Carlo Rovelli desmascara a realidade

por Mário Rufino,    2 Fevereiro, 2020
Carlo Rovelli desmascara a realidade
Carlo Rovelli / Fotografia de Jamie Stoker
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“O tempo não existe. Tenho 15 minutos para vos convencer disso”. Foi assim que Carlo Rovelli (Itália, 1956) iniciou a sua “TED Talk Lake Como”. O registo escrito não difere muito das suas conferências. A simplicidade das explicações, o tom pedagógico e a importância que dá a quem recebe a sua mensagem estão nas suas intervenções, como a que fez em Dezembro de 2019 na Fundação Francisco Manuel dos Santos, e nos seus livros. “A Realidade Não É o que Parece”, editado pela Contraponto, é mais um desses exemplos.

O mais recente livro do físico italiano é um denso novelo desenrolado com paciência à frente do leitor. A pedagogia de Rovelli retira os academismos e constrói um texto o mais claro possível sobre a natureza alucinante do universo. Tal capacidade não surpreende quem já leu “A Ordem do Tempo” (ler crítica) ou “Sete Breves Lições de Física”.

Muitas das ideias de “A Realidade Não É o que Parece” já foram abordadas nos dois livros anteriores. A coerência existe e, tal como um bom pedagogo, o autor explica de forma diferente a mesma informação. Ganha o leitor no papel de aluno.
Rovelli vai desatando nós, com paciência, para o leigo entender a característica multidimensional do universo e a nossa complexidade enquanto seres vivos.

Entender o infinito que nos contextualiza é entender-nos; conhecer a expansão do universo é expandir as nossas ideias sobre a condição do ser humano.

“A Realidade Não É o que Parece” foi escrito a pensar nos colegas e nos jovens apaixonados pela ciência. O autor traça o panorama sobre “a estrutura do mundo físico, visto à dupla luz da relatividade e dos quanta”.
Dividido em quatro partes, procura ser um todo coerente e de larga abrangência, onde o pensamento sobre a natureza das coisas, dos quanta, do tempo-espaço, do Big Bang e dos buracos negros se desenrola. Figuras incontornáveis como Einstein, Anaximandro, Newton ou Galileu são angulares na construção teórica. Desde a aurora do pensamento científico em Mileto, no século VI, até aos limites deste século, a ciência é analisada sob muita luz.

É possível haver um antes e um depois da leitura deste livro, mas talvez não seja da forma pensada pelo leitor.
É com lucidez que nos é explicada a estrutura granular do tempo, como os pixeis de uma imagem. Somos marcados por acontecimentos que agregamos numa linha artificial. É através da física quântica que a investigação aponta para a aceleração do tempo quando afastados da terra e desaceleração quando próximos. O homem mais perto da terra tem um tempo diferente do tempo do homem que vive na montanha. É um conceito estranho, mas o autor explica o mais claramente possível. Nem sempre o entendemos, é verdade, mas talvez seja mais pela nossa incapacidade de assimilarmos a gramática elementar do mundo. Uma nova gramática.

“A ciência é uma exploração contínua de formas de pensamento. A sua força é a capacidade visionária de fazer derrubar ideias preconcebidas, desvendar territórios novos do real e construir novas e mais eficientes imagens do mundo. Esta aventura assenta sobre todo o conhecimento acumulado, mas a sua alma é a mudança. Ver mais longe.”

Faz todo o sentido que o prefácio tenha sido escrito pelo ficcionista Afonso Cruz. A universalidade do autor português é compatível com a frequente dança entre as teorias científicas e as ideias de Platão, Ovídio, Proust ou Lucrécio.

A ciência, tal como a ficção, amplia a leitura do mundo.
Rovelli motiva o leitor a fazer novas perguntas; é através da curiosidade, de diferentes perspectivas e renovado entusiasmo que a ciência avança. O autor italiano contribui sobremaneira para esse avanço.
Livro após livro, pedra após pedra, o físico teórico italiano vai abalando e desconstruindo as nossas crenças e intuições. Sentimos de uma maneira porque nos foi dado a interpretar assim. Rovelli aponta novos caminhos e sugere-nos que pensemos de outra forma.

Lúcido e brilhante. “A Realidade Não é o que Parece” Ilumina o pensamento do leitor.

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