Chico Bernardes, é assim tão vago?
O ambiente estava disperso, as pessoas desencontravam-se no suposto encontro. A dúvida pairava no ar, caras repletas de reticências e olhares prontos, tanto para criticar como para comparar ao seu irmão, que indubitavelmente já ocupara um lugar no nosso coração. A tensão foi-se elevando. Minutos cada vez mais inquietos. As luzes que ferviam sangue lá foram parar ao canto do palco e, discretamente, uma figura elegante surgiu. Contornos físicos delineados, trazendo uma vulnerabilidade física cativante. Centrou-se na nossa periferia, pegou na guitarra, relançou um olhar ao público e desde então soube que vinha com uma missão por cumprir.
Palmas e mais palmas. Umas com genuína excitação, outras por mera tradição. Afinal, o início de um concerto tinha que ser demarcado. Os olhares inicialmente confusos continuavam numa procura incessante. Decifravam expressões no escuro como para saber que reação deviam ter. E sim, a afro do Chico foi muitas vezes suspirada e aclamada, escondia-lhe as orelhas e causava uma desproporcionalidade quase mística, mas não demorou muito até ser aceite um simples facto: o que tanto se procurava estava bem mais presente do que o olhar sabia fixar.
Foi quando ouvi “a discordância está causando um estrago”, refrão da música intitulada “Vago”, em que se referia às injustiças e anomalias do mundo em geral, que o fitei esperando ansiosamente o resto da letra. Era uma crítica já interiorizada no senso-comum dos demais, mas que ninguém se importava de ouvir da boca de um jovem músico a começar. No entanto, a letra continuou e a fasquia em relação à sua maturidade elevou-se. “Deixa para lá que está ficando meio vago”, demonstrando que quem se importa de fazer uma crítica batida é ele.
No espelho lida com as adversidades da identidade, descreve um espelho delicadamente e só depois se apercebe não ser ele refletido, mas outro alguém que se aparenta diferente todos os dias. Transpondo não só o sentimento do que é ser um jovem procurando a sua identidade, como também um ser humano universal na eterna busca da auto-aceitação e do progresso.
Identifiquei-me muito com o estilo dele, partilhávamos um grande afeto pelo folk americano e pela virtuosa Joni Mitchell. Guiava-nos por progressões de acordes simples e bonitos, com alterações de baixos perspicazes, acentuando a fluidez da narrativa. Preenchido, depositei ainda mais confiança nele e deixei-me levar. Ele, que deixava de ser o filho do grande Maurício Pereira e o irmãozinho mais novo do proclamado Tim Bernardes para apenas ser o Chico. Um rapaz da minha idade, um futuro alicerce desta geração. Uma geração que não era só dele. Era também minha.
Crónica de Tomé Palla