Classificação da obra de José Afonso está por concluir porque nem todos os proprietários permitem avaliação

por Lusa,    19 Dezembro, 2023
Classificação da obra de José Afonso está por concluir porque nem todos os proprietários permitem avaliação
José Afonso / DR
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O processo de classificação da obra de José Afonso, aberto em 2020, está por concluir, porque nem todos os proprietários permitem uma avaliação dos bens e materiais fonográficos, revelou a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC).

Questionada pela agência Lusa sobre se o processo de classificação da obra do compositor português já estava terminado, a DGPC admitiu que a rapidez do processo tem sido comprometida pela “não concordância dos diferentes proprietários”.
O Ministério da Cultura anunciou, em agosto de 2020, que a DGPC iria abrir um processo de classificação da obra fonográfica de José Afonso (1929-1987) como um “conjunto de bens móveis de interesse nacional”, por considerar que representa um “valor cultural de significado para a Nação”.

Na altura, foi determinada a classificação de 30 fonogramas da autoria do compositor, bem como 18 cópias digitais de ‘masters’ de produção de um conjunto de cassetes gravadas pelo autor e de uma série de entrevistas.

Mais de três anos depois da abertura do processo, a DGPC reconhece “a dificuldade na obtenção de autorização por parte da totalidade dos detentores dos bens em apreço para a prossecução do procedimento de classificação”.

Escudando-se na lei, a direção-geral não revela quem são os proprietários e explica que sem autorização dos mesmos não consegue fazer a peritagem dos bens, ou seja, não consegue perceber as suas características e o estado de conservação, por exemplo.

No entanto, para a DGPC não há qualquer impasse no processo de classificação: “Trata-se de um processo particularmente complexo, na medida que envolve vários detentores, o que acarreta a necessidade de mais tempo para a conclusão do mesmo”.

Como está em vias de classificação, a obra de José Afonso já está sob proteção no âmbito da Lei de Bases do Património Cultural, mas a DGPC sublinha que aguarda a “desejável autorização dos proprietários para a classificação dos bens”.

Este processo tem contado com apoio técnico do Arquivo Nacional do Som, liderado pelo antropólogo Pedro Félix, que, em declarações à Lusa, lembrou que este é um caso pioneiro, porque, pela primeira vez, está a tentar classificar-se uma obra fonográfica.

Das visitas técnicas em que participou, Pedro Félix disse que o estado de conservação dos bens fonográficos “é mais do que razoável”. “Aquilo que ouvimos, os bens que eu vi, estão todos em ótimo estado”, disse.

Quando foi aberto o processo, o Ministério da Cultura justificava que a classificação ajudaria a “consolidar informação relativa à obra gravada, publicada ou não, do artista”.

Sobre a decisão de classificar a obra, Pedro Félix lembrou que, no espírito da lei, não é “uma espécie de celebração”.
“Isto não é um Prémio Nobel. Ou seja, o facto de classificar um bem não é dizer que ele é mais ou menos importante. Classificar um bem é dizer: Nós, cidadãos portugueses, estamos comprometidos em todas as ações necessárias para inverter o risco ou a ameaça que recai sobre o bem”, disse.

Já com o processo em curso, a família de José Afonso anunciou, em abril de 2021, a reedição gradual, incluindo em digital, dos 11 álbuns do ‘cantautor’ lançados originalmente entre 1968 e 1981 e que estavam há vários anos indisponíveis no mercado.

O plano editorial foi concluído em outubro, com a edição de álbum “Fados de Coimbra e Outras Canções”.
Estando a obra disponível, Pedro Félix disse que “provavelmente, entretanto, ter-se-á esgotado, eventualmente, a urgência ou a perceção, de que, de facto, o bem não estaria acessível. E, entretanto, por acaso, foi estando acessível, foi sendo tornado acessível”.

Sobre a hipótese de este processo caducar, porque há prazos estipulados na lei, a DGPC explica que “não se coloca a caducidade do processo pois não foi denunciada a mora” ou atraso.

Enquanto decorre este processo de classificação, em novembro passado, a Câmara Municipal de Grândola e a Direção Regional de Cultura do Alentejo anunciaram a proposta de classificação de dois bens que incluem a música “Grândola Vila Morena”, de José Afonso, como Património Fonográfico Nacional.

Um deles é a gravação original da senha da revolução de 25 de Abril de 1974 transmitida no programa “Limite”, da Rádio Renascença, na noite da revolução, em 1974, que inclui a canção de José Afonso.

O outro é a interpretação daquela música no I Encontro da Canção Portuguesa, realizado no dia 29 de março de 1974, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa.

“Queremos transformar [estes registos] em património nacional, dada a importância que eles têm e porque um dia corríamos o risco de se perderem”, justificou em novembro o presidente da câmara de Grândola, António Figueira Mendes, à agência Lusa.

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