“Como Surgiu o Universo”, de Peter Atkins, é uma viagem pelas origens das leis naturais
Como Surgiu o Universo: A Origem das Leis Naturais é o segundo livro de divulgação cientifica de Peter Atkins publicado pela editora Gradiva no âmbito da colecção Ciência Aberta.
Professor de química na Universidade de Oxford sendo considerado um dos maiores divulgadores de ciência de todo o mundo, Peter Atkins é conhecido por ser autor de vários livros didáticos na área da química, nomeadamente em vertentes como química-física (a área na qual se doutorou), química inorgânica e química quântica. Os estudantes das licenciaturas e dos cursos de química, e até mesmo os estudantes de engenharia, de física ou de biologia que se deparam com cadeiras de química geral ao longo do seu plano de estudos, vêm em Atkins mais do que um simples professor de química, uma figura mítica que, através de uma linguagem fácil e bastante explícita, consegue dar a conhecer os conceitos e os fundamentos por detrás da química em si. Daí que Peter Atkins seja bastante receptivo ao convite de estudantes para a sua participação em congressos, ou até em lições plenárias, tendo vindo por esta via várias vezes a Portugal conversar com estudantes portugueses, numa postura enérgica que permite mostrar ao público as suas ideias enquanto cientista e enquanto ser humano.
Químico de formação, professor e divulgador de profissão, ateu convicto, Peter Atkins pode ser definido como ser humano através de inúmeras vertentes que o tornam único. Contudo, apenas conseguimos chegar à sua linha de pensamento através dos seus livros e das suas palestras que conseguem também interagir com o nosso modo de pensar, permitindo abrir novos horizontes em relação às questões cujas respostas são desconhecidas.
Peter Atkins já tinha mostrado as suas qualidades enquanto divulgador científico no livro “O Dedo de Galileu: Dez grandes ideias da Ciência”, publicado pela Gradiva em 2007, onde revela que, para além de químico, é também um “todo-o-terreno” científico. Isto é, consegue com grande facilidade abordar outras vertentes da ciência, como a física, a matemática, a biologia, a medicina e até a informática, ao falar de uma série de ideias que mudaram para sempre o nosso modo de interpretar os fenómenos que nos rodeiam. Na última passagem por Portugal, em Novembro deste mesmo ano, o próprio admitiu que os interesses na física surgiram com a idade, ramo científico que explora intensivamente neste seu novo livro. Em Como Surgiu o Universo: A Origem das Leis Naturais, Atkins volta a fazer o mesmo ao abordar diversos temas, mas de um modo mais profundo procurando mostrar as suas ideias ao leitor, interagindo também de um modo muito mais directo para que possamos acompanhar a sua linha de raciocínio. Ao longo do livro muitas vezes somos obrigados a utilizar exercícios de abstração não propriamente empíricos mas que Peter Atkins, através do modo como consegue interagir com o leitor, consegue tornar tudo muito mais simples. Segundo o próprio, o objectivo deste livro é o de dar a conhecer alguns tópicos que podem dar respostas a uma série de questões para as quais ainda não tenhamos obtido resposta, onde as suas palavras “revelem alguns aspectos da simplicidade espantosa deste nosso mundo gloriosamente complexo.”. Atkins procura fazer uma viagem aos fundamentos científicos através de analogias simples no seu estilo próprio ao longo de nove capítulos interligados uns com os outros. Para os entendedores de ciência mais avançados existem umas breves notas no final que proporcionam uma compreensão científica e matemática mais robustas sobre os temas que o autor vai abordando ao longo desta obra.
Desde logo no primeiro capítulo, “Regresso à Eternidade”, Peter Atkins começa por explicar algumas das grandes ideias acerca das leis da física e pelo modo como estas se subdividem. Segundo o autor, “As leis são estabelecidas em laboratórios que ocupam poucos metros cúbicos do Universo, mas acredita-se que se apliquem a todo o Universo. São formuladas num período comparável ao de uma vida humana, mas acredita-se que se apliquem a um tempo semelhante à da eternidade. Há razões para acreditarmos nisso, mas devemos usar de alguma cautela ao aceitá-lo sem reservas.”, o que faz com que o leitor fique desde logo convicto de que as leis são componentes fundamentais para descrever os fenómenos que nos rodeiam. No segundo capítulo, “Muito Barulho Por Nada”, é descrito o modo como as ideias podem surgir do nada, ao introduzir-se o conceito de “Ur-Universo”, incentivando o leitor reflectir sobre o “nada” ao abordar temas como a simetria e a conservação de energia na origem de teorias e postulados que se mantém ainda actuais. No capítulo seguinte, “As Regras da Anarquia”, o autor aborda vários temas como a dispersão da luz em diferentes meios e como a anarquia consegue ajudar e muito o progresso científico. No quarto capítulo, “No Calor do Momento”, Atkins faz uma abordagem geral à termodinâmica explicando o modo como conseguimos definir aquilo que designamos por “temperatura”, fazendo uma revisão geral às leis da termodinâmica em si. Regressa à anarquia e ao caos no capítulo seguinte falando daquilo que se encontra “Para além da Anarquia” onde aborda a entropia, uma das leis mais fascinantes com base na desordem dos sistemas, falando em particular por exemplo neste tipo de fenómenos em organismos vivos. No capítulo “O Poder Imaginativo da Ignorância”, Atkins fala-nos da ignorância e como esta foi (e ainda é) um utensílio fantástico na formulação de ideias, dando-nos exemplos mais relacionados com a sua área, nomeadamente com a teoria dos gases perfeitos, recorrendo a analogias simples que nos oferecem um maior conforto na sua compreensão. O electromagnetismo e a radiação surgem em “A Carga da Brigada Luminosa” após uma breve explicação sobre o modo como as componentes eléctrica e magnética se podem unificar, havendo também uma reflexão sobre as célebres equações de Maxwell. No oitavo capítulo, “Medida Por Medida” surge a definição das constantes que hoje conhecemos, com alguma enfâse no funcionamento da mecânica quântica, sendo este o capítulo mais extenso e denso de um livro que termina com “Um grito nas profundezas”, capítulo que aborda as razões pelas quais a matemática funciona e será sempre um utensílio fundamental na ciência, confrontando-a com a (possível) existência de entidades divinas, explorando também outros temas fascinantes como a descoberta do DNA e deixando uma mensagem para o que o futuro nos reserva no âmbito das inúmeras questões cujas respostas são ainda incertas ou desconhecidas.
Com este livro Peter Atkins consegue dar a conhecer alguns das suas interpretações de um mundo onde ainda existem muitas perguntas sem resposta ou cujas respostas não são completamente exactas e exigem uma maior reflexão que só consegue ser exequível com mais dados obtidos pelo progresso científico que exigiu o esforço hercúleo por parte dos cientistas ao longo de séculos. Peter Atkins prova uma vez mais que, mais de que um professor de química, é de facto um “todo-o-terreno” científico que vai ganhando energia e paixão pela busca de novas ideias, sendo esta provavelmente a vertente que melhor define aquilo que é o espírito de um cientista.