Coronavírus vs moda: um duelo que veio pôr à prova o poder de reinvenção da indústria
Em março deste ano, depois de Nova Iorque, Londres, Milão e Paris terem dado a conhecer o que podíamos esperar para o outono-inverno 2020/2021, seguiu-se em Portugal a ModaLisboa. De 5 a 8 de março, ficámos a par de novas tendências, mas o que não estávamos à espera era de toda uma discussão centrada no novo inimigo da moda nacional e internacional: o coronavírus. O que pensávamos que seria uma simples gripe começou a ganhar outros contornos. No Portugal Fashion, apesar de todos os esforços, o coronavírus, já conhecido na altura como pandemia global, alterou os planos daquela que foi a edição de 25 anos. Após um primeiro dia à porta fechada e com os desfiles a serem transmitidos online, o Portugal Fashion seguiu as ordens da Direcção Geral de Saúde (DGS) e cancelou o evento.
Há males que vêm por bem
O mundo parou. A moda parou. Entrámos em confinamento e as produções foram suspensas. Com as fábricas em modo stand by, não tardou muito a chegada dos prejuízos. “O impacto da pandemia no setor da moda é imenso, como é em tantos outros sectores económicos, porque a moda é uma força económica e não só criativa. As quebras nas vendas foram enormes com a Gucci a anunciar uma quebra de 48% nas vendas e a LVMH a registar uma quebra de 68%”, diz Margarida Brito Paes, jornalista de moda e fundadora do ciclo de Webinars Pano Cru. Mas nem tudo são más notícias. Como é um negócio que possui uma grande vertente criativa, a reinvenção passou a ser crucial em tempos de pandemia a dois grandes níveis: na comunicação, aumentando, assim, a proximidade das marcas com os consumidores, e na produção. “Logo nas primeiras semanas depois da pandemia ser declarada, foram muitas as marcas que converteram as suas fábricas para a produção de equipamentos de proteção individual.” Em Portugal, designers como Susana Bettencourt, Luís Buchinho e Filipe Faísca passaram a comercializar máscaras de proteção como moda de autor.
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O aceso debate sobre as semanas de moda
É a moda de autor que dá vida às semanas de moda, o evento mais importante da indústria. À medida que os especialistas foram debatendo a sobrevivência das casas de moda, foram também questionando a continuação das semanas de moda, que ocorrem várias vezes durante o ano. “Serão as semanas de moda essenciais?”; “Qual é que é, realmente, a relevância das semanas de moda?” e “Não haverá um elevado número de desfiles por ano?” foram algumas das questões levantadas. Com zoom calls para ali e webinars para acolá, as ideias e soluções foram surgindo. No entanto, ainda não se chegou a um consenso. Algumas casas de moda, como a Jacquemus e a Dior, apresentaram as suas coleções através do modelo tradicional do desfile, mas com público reduzido e medidas de segurança apertadas. Já a Prada e Valentino optaram pelos meios de comunicação digitais para darem a conhecer as suas propostas, apostando, assim, no que o vídeo e a fotografia têm para oferecer. A Balmain levou a alta-costura a passear de barco pelo rio Sena, em Paris, aproximando a moda ao público. Com os designers a apostarem cada vez mais na liberdade de escolha de como apresentam as suas coleções, esta é também uma altura para ponderarem quando é que as apresentam. “Acredito que haja cada vez mais designers a aproveitar a oportunidade para decidir o seu próprio calendário, de acordo com os objetivos da marca e as ‘necessidades’ dos clientes”, diz Catarine Martins, copywriter de moda.
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A compra em segunda mão como alternativa
Para além de tudo isto, também os padrões dos consumidores foram alterados. O lema “o que é nacional é bom” revelou-se cada vez mais importante no momento da compra. “Acho que o que a pandemia trouxe foi um maior foco na importância de comprar local e artesanal (…)”, afirma Margarida Brito Paes. Da sustentabilidade ao vintage, a venda em segunda mão nunca esteve tão in. Quem o diz é o Vestiaire Collective, plataforma de moda vintage e em segunda mão. “Em maio, os nossos pedidos aumentaram 119% e em junho aumentaram ainda mais para 144% em comparação com o ano anterior”, afirma Fanny Moizant, presidente e cofundadora do Vestiaire Collective num relatório realizado pela plataforma. “Chegou a altura de encontrarmos (todos, marcas e consumidores), soluções para o impacto da indústria da moda no ambiente, e procurar alternativas mais sustentáveis (…) Cada vez mais, tenderemos a dar um maior ciclo de vida às peças. Ou assim espero”, diz Catarine Martins.
Para a moda, a pandemia é uma face de duas moedas. Veio fechar as portas a vários negócios, mas veio também abrir um leque de possibilidades que assentam no digital e nos ideais da sustentabilidade. Assistimos, em primeira fila, à tão aguardada reestruturação do mercado. A moda está viva e recomenda-se.