Diálogos sobre a memória familiar em “Walchensee Forever”
Filme visto na plataforma Filmin, a convite do Goethe-Institut Portugal, no âmbito do KINO – Mostra de Cinema de Expressão Alemã
“Walchensee Forever” é a primeira longa da alemã/estadunidense Janna Ji Wonders. Foi lançado em 2020, tendo feito a sua apresentão na Berlinale desse ano, e chega agora à estreia portuguesa através do KINO – Mostra de Cinema de Expressão Alemã, que decorre em Lisboa com projecção virtual apoiada na plataforma Filmin.
No seu âmago, “Walchensee Forever” constitui uma retrospectiva exposição da linha familiar da autora, que faz uso de um extenso arquivo de fotografias e gravações vídeo amadoras; são meios de perpetuação de memórias, de funcionamento verdadeiramente analógico, aos quais notamos evolução à medida que o tempo perpassa as quatro gerações da família visada. Acompanhando as imagens, existe uma narração omnipresente que resulta da conversa entre mãe, Anna Werner (entrevistada) e filha (que entrevista), que decorre num presente partilhado ainda com a avó, já com 104 anos.
O truque de montagem que sobrepõe a narração de memórias às imagens de arquivo ilustra o relato dessas vidas — vemos fotografias do cabelo em coroa da avó quando Anna o recorda — mas oculta o que supomos ter sido um longo processo de recuperação e edição dessas imagens; quando Anna fala da infância, ou da sua irmã, não vê no imediato a materialização desse passado, não da mesma forma que nós o vemos por meio dessa magia que é a fotografia e o cinema. Essas conversas, uma longuíssima entrevista que recorda uma vida inteira, explicam o seu amor pela fotografia — donde resulta grande parte do material que possibilita o filme —, explicam o nascimento da sua filha, e explicam, de certa forma, como se vivia na América em meados dos anos 60 e 70. No entanto, nunca será explicado ao espectador como dessa memória privada se dá a sublimação em arte.
Há um outro filme, não muito mais antigo que este, que assoma sempre que vejo memórias no ecrã: é de 2012, realizado por Sarah Polley, e dá pelo nome de “Stories We Tell”. Vi-o há muitos anos e tenho apenas uma ténue impressão do que tratou e de que forma o fez; levantaram-se na altura as mesmas questões que reconheço aqui (e também as há, de forma mais ténue, no magnífico “A Metamorfose dos Pássaros“, de Catarina Vasconcelos). No filme de Polley havia uma manifesta intenção de manipulação narrativa, que em “Walchensee Forever” não sobrevém de forma alguma: é um documento mais calmo, quase terapêutico, memórias recordadas com serenidade equiparável ao imponente Lago Walchensee, que esteve presente na vida das quatro gerações desta família.