Em “The New Abnormal”, os The Strokes inovam sem perder a sua identidade
Findos quase 20 anos desde o lançamento de Is This It, o estatuto icónico dos The Strokes mantém-se e a verdade é que subsiste muito por causa desse álbum da banda nova-iorquina. Nos álbuns posteriores e até à reviravolta mais electrónica de Angles, Julian Casablancas e companhia esforçaram-se para capturar a abordagem simplista e sem esforço do seu primeiro longa-duração. Mas soavam apressados, não tão calmos e descontraídos como na estreia, menos naturais e mais autoritários. Quem diria que seria tão difícil replicar algo tão fácil ao ouvido?
Os The Strokes nunca precisaram de se afastar da sua fórmula para fazer música que cativasse os seus fãs (ainda que a crítica tenha pouca paciência para sequelas…): riffs sumarentos que confluem nas suas harmonias e gritam para ser gritados em concertos, o timbre vocal de Casablancas a borbulhar com emoção — pacatamente desinteressado e, ao mesmo tempo, acerrimamente focado — e malhas intemporais aguerridas que inspiraram bandas como Arctic Monkeys ou Franz Ferdinand são alguns dos trunfos que os consagram como uma das bandas seminais deste século. São doutorados numa sonoridade que, não sendo inteiramente deles, é replicada por milhares por causa do alcance que eles tiveram, têm, e certamente terão.
Mas se o seu rock jovial e refrescante servia aos rapazes que foram, os homens que são têm outras coisas em mente, e é exactamente isso que se propõem a mostrar com The New Abnormal. O novo álbum da banda é a primeira grande esperança desde há muito de que a chama dos The Strokes continua bem viva e não sucumbiu a um terrível destino, semelhante ao nome que escolheram para intitular a força musical que representam. O trabalho mostra o quinteto mais maduro e ciente da sua bagagem sonora, mas disposto a tirar as braçadeiras do familiar, sem medo de se afogarem no oceano da exploração.
O primeiro single é o mais claro exemplo dessa mudança. “At the Door” é uma belíssima e assombrosa balada com teclas que parecem chorar de forma berrante. Há qualquer coisa de fantasticamente grotesco no seu lacrimejar sónico. A atmosfera instrumental é distinta e, se não fosse o timbre reconhecível de Casablancas, talvez não atribuíssemos esta música aos seus autores. Mas a emoção que caracteriza a discografia da banda está toda aqui, especialmente vincada na honestidade crua que emana da letra e do timbre choroso (“Use me like an oar / And get yourself to shore”).
A mudança é clara, mas “The Adults Are Talking” esbate as fronteiras entre futuro, presente e passado dos The Strokes colocando percussão do século XXX ao lado de um riff de guitarra que mostra porque é que a banda encanta o século XXI. Estrofes e refrão contam uma história em momentos diferentes dos acontecimentos e o tom sedutor de Casablancas contrasta a seriedade do tema discutido, que explode no falsete apoteótico. Já “Selfless” é muito mais honesta na sintonia entre instrumental e tema, já que, ao som de uma tristonha guitarra, o vocalista clama por alguém que não quer ver partir. É claro em vários momentos do álbum que o mesmo surge após o final de uma relação, seja pela sinceridade das palavras ou pela banda sonora que as acompanha.
No entanto, há atmosferas para todos os gostos. “Brooklyn Bridge to Chorus” é uma alegre e descontraída ode aos anos 80 — que avança no tecido temporal quando chega ao seu refrão — sobre arrependimentos e amizades perdidas, e não é a única do álbum: “Bad Decisions” interpola um clássico dessa época, “Dancing with Myself” de Billy Idol, incorporada numa música típica da banda. Por sua vez, “Eternal Summer” é uma inovação na discografia. Consegue capturar simultaneamente o calor abrasador de um infernal dia de Agosto através da melodia gritada de Casablancas e a brisa agradável do final de tarde através das estrofes agudas de guitarra a tilintar. Há um arsenal de sonoridades espalhadas pelo álbum prontas a ser descobertas.
Esse jogo entre a inovação e o status quo é a grande valência deste projecto. Os The Strokes conseguem com sucesso navegar a linha entre a novidade e o familiar sem nunca se perderem. E ainda que perto do final acusem a pressão — “Ode to the Mets” perde-se na sua repetição — dá gosto acompanhar esta embarcação na sua viagem. Quase 20 anos depois de Is This It, os The Strokes mostram que continuam a ser uma potente anomalia musical.