Entrevista. Dave Bayley (Glass Animals): “As melhores coisas criativas acontecem quando não estás a pensar nas regras”
Com o lançamento de Dreamland ainda fresco nas nossas mentes, os Glass Animals encontraram um novo sucesso na canção “Heat Waves”, que já acumula mais de 150 milhões de reproduções no Spotify. Mas a banda de Oxford não é estranha ao sucesso, tendo em conta a prevalência dos seus dois álbuns anteriores no circuito comercial mais alternativo, assim como a nomeação de How to Be a Human Being para o cobiçado Mercury Prize, em 2017. A inusitada mistura de pop, hip hop, R&B e psicadelismo do grupo liderado por Dave Bayley é agora acompanhada pelas letras mais pessoais que a banda alguma vez lançou, conquistando novos públicos e tornando-a em mais um exemplo bem-sucedido do flirt entre comercial e alternativo. A partir do seu escritório em casa, Dave conversou com a Comunidade Cultura e Arte.
Comparado com os vossos álbuns anteriores, no Dreamland realmente abres o teu coração: partilhas todas as notas do álbum, todas as letras, todas as inspirações. Alguma vez te preocupa estar a partilhar demasiado?
Sim [risos]. Preocupa sim, sinto-me bastante inseguro com isso. As pessoas perguntam-me constantemente o que as coisas significam. Inicialmente, preocupava-me mais a minha mãe saber todos os meus segredos, mas agora já o ultrapassei. Acho que o que me preocupa agora é… as pessoas fazem sempre as suas próprias interpretações das canções. Significam certas coisas para certas pessoas e elas vêem um pouco de si nas letras. Eu não quero arruinar isso ao dizer-lhes o que elas significam para mim. Acho que a mensagem é que não importa realmente o que significa para mim, importa-me mais que alguém tenha encontrado o seu próprio significado nas canções.
O que espoletou uma mudança tão grande na maneira como compões canções? Antes não eram tão pessoais como agora.
Eu sempre tive medo disso. Sinto-me um pouco estranho a falar demasiado de mim, nunca foi algo confortável para mim. No entanto, no final do álbum anterior [How to Be a Human Being], temos uma canção chamada “Agnes”, que é muito pessoal. Eu não queria incluí-la no álbum, mas os rapazes convenceram-me a fazê-lo e a reacção a essa canção foi tão… louca. Nós nunca recebíamos cartas de fãs antes dessa canção, mas depois todas eram sobre ela e sobre como ajudou as pessoas. E eu próprio comecei a aperceber-me de que muitas das minhas canções favoritas escritas por outras pessoas são muito pessoais e faziam-me sentir menos só quando estava numa situação menos boa. Por isso, decidi que se calhar não fazia mal escrever de forma mais pessoal. Para além disso, estava a escrever e a produzir muitas coisas para outros artistas, e as coisas para as quais esses artistas gravitavam eram mais pessoais, porque são bastante honestas e significam algo.
Neste álbum [Dreamland], andaste bastante para trás. Até à adolescência, que normalmente é uma altura difícil e problemática para muitos de nós. Por que achas que regressamos tanto a ela, através da nostalgia e recordações?
Eu acho que estamos a fazer isso mais do que nunca, de momento, devido à pandemia. Porque o futuro é tão… merdoso e desconhecido. Os planos futuros de todos nós são um grande ponto de interrogação neste momento. Acho que, nestas circunstâncias, a única coisa que podes fazer é olhar para o passado. De forma mais geral, eu acho que olhamos para esse período porque é tão… formativo. Aprendemos muito durante esses anos e não há ninguém a ensinar-te muitas dessas coisas [risos]. Estás mais ou menos por tua conta, a aprender com os teus amigos, a experimentar e a delinear coisas para ti mesmo. Acho que é por isso que regressamos a esse período de tempo em específico. Mas o álbum não vai apenas até à adolescência, vai até antes disso e… não sei, acho que pretende determinar que, às vezes, pequenas coisas que aconteceram no teu passado têm um enorme impacto mais tarde, fazer paz com isso e entender que momentos foram esses.
Vocês são uma das mais bem-sucedidas bandas, digamos, indie do momento. Alguma vez esperavas esta ascensão meteórica?
Não, de todo! Não sei quanto a meteórica, demorou bastante tempo e tem sido uma progressão lenta e constante, mas nem sequer esperávamos isso. No fim de contas, fazemos álbuns bem esquisitos! [risos] Eu gosto de música pop, gosto de coisas orelhudas, mas nunca esperei que outras pessoas nos ouvissem, para ser totalmente honesto. E o facto de [a nossa música] atravessar o oceano… às vezes metemo-nos num avião e vamos para a Austrália e tocamos um concerto. “Como é que estas pessoas ouviram a música?” É esquisito.
Qual foi o momento em que te caiu a ficha?
Eu acho que falei da Austrália por causa disso. Nós fomos lá muito no início, antes de o nosso primeiro álbum ter saído. Tínhamos lançado um dos nossos primeiros singles e fomos à Austrália, não sabíamos o que esperar e foram dos espectáculos mais loucos que fizemos, de longe. Antes disso, tínhamos tocado para cinco pessoas num pub em Manchester, dois deles eram meus amigos e os restantes eram a banda de abertura [risos]. Depois fomos para a Austrália, chegámos aos recintos e pensámos “porque é que vamos tocar nestes sítios? São tão grandes”, mas estavam esgotados! Tivemos de fazer um espectáculo extra num deles. Nós só tínhamos 30 minutos de música, por isso tínhamos de tocar algumas das canções duas vezes. Eu lembro-me de pensar nesse momento, “uau, isto é bem louco, isto é real”.
De que forma mudou a tua vida desde essa altura? Mudou muito?
Sim, imenso. Nessa altura, estava a viver com a minha mãe e o meu irmão mais novo. Quando estávamos [os Glass Animals] em tour, éramos conduzidos pelo pai do nosso baixista numa pequena Ford KA até ao pub local [risos]. Era óptimo! Talvez um dia voltemos a fazer isso mais uma vez, só pela diversão! Nós sentávamo-nos todos no banco de trás, o carro praticamente não aguentava com o equipamento todo, as rodas roçavam nas cavas sempre que passávamos numa lomba. Sim, mudou muito, sinto-me muito afortunado.
À medida que conquistam uma plataforma maior, sentes um impulso para partilhar mensagens importantes ou ‘educar’ os teus ouvintes?
Eu não quero passar uma imagem de pregador, até porque aprecio o facto de que as pessoas tenham opiniões diferentes e acho isso importante. No entanto, sou vocal relativamente a certas coisas e tento, especialmente quando estamos em tour, realmente educar as pessoas. Uma libra de cada bilhete que vendemos vai sempre para alguma caridade, à qual nos associamos durante toda a tour e que frequentemente vêm aos espectáculos e afixam cartazes. Tenho muitos amigos que sofrem com problemas de saúde mental e é um assunto particularmente importante para mim, por esse motivo.
Tendes a partilhar muitas mensagens importantes — sobre saúde mental, abuso e outros temas, principalmente neste último álbum. Achas que as mensagens mais sérias passam para quem ouve, por baixo da produção de hip hop ou mais dançável?
Acho que as pessoas que querem ouvir essas coisas, conseguem ouvi-las. Há várias camadas nas canções, não quero que as pessoas fiquem totalmente miseráveis ou…
Assoberbadas, talvez.
Sim. Acho que consegues ter uma canção pop à superfície, mas que tenha uma mensagem lá no meio. Idealmente, as pessoas para quem a mensagem significa algo ouvi-la-ão.
A música da banda tem uma grande fluidez em termos de género, que é o que caracteriza a paisagem musical hoje em dia. No entanto, vocês já o fazem desde 2014. Sentem que foram pioneiros para outros artistas actuais?
Não sei, acho que não. Tipo, olha para os Radiohead. Eles já fizeram tudo, especialmente quando olhas para os seus projectos a solo. [pausa] Na verdade, já praticamente tudo foi feito, por esta altura, não? É só uma questão de encontrar novos toques ou novas maneiras de apresentar essas coisas.
Sei que os espectáculos ao vivo são muito importantes para vocês. Como têm lidado com não poder apresentar as vossas canções ao vivo?
Tem sido um pouco triste. Especialmente para a nossa equipa; é bem difícil fazer parte da indústria musical neste momento. Muito difícil, mesmo. Estamos a fazer o que podemos e voltaremos à acção assim que fisicamente possível, mas, para já, trata-se apenas de arranjar maneiras de substituir isso. No final de contas, os espectáculos ao vivo eram algo que dava contexto à música e uma maneira de as pessoas interagirem, de nós interagirmos com as pessoas que nos permitem continuar a fazer música. Basicamente, estamos a encontrar novas maneiras de fazer isso: desenvolvemos um website onde colocamos todos os nossos stems, sons e ilustrações, para que as pessoas possam transformá-los numa conversa. Temos gente a enviar-nos trabalhos feitos por eles, o que é fantástico; temos tentado recriar essa atmosfera [de música ao vivo] em videoclipes, como no vídeo da “Heat Waves”; formas interessantes de lançar músicas; tenho feito chamadas de Zoom com fãs — se me sinto aborrecido alguma noite, ponho um link do Zoom no Instagram e vejo quem aparece —; tenho jogado videojogos com pessoas, tem sido divertido.
Ia precisamente falar do vosso website, já passei bastante tempo a divertir-me com ele. Gostei especialmente da Dream Machine, acho que é bastante fixe.
[entusiasmado] Ah, usaste-a?
Sim! Queria perguntar-te de que forma os sonhos influenciam a tua arte, se a influenciam muito ou não.
Eu acho que sim, bastante. Eu escrevo muito durante a noite. Talvez os sonhos não influenciem directamente a música, mas eu tento mais ou menos entrar numa mentalidade de sonho, em que paras de pensar… aquela parte consciente do teu cérebro, que te mantém vivo — impede-te de atravessar a estrada quando não deves — e é sensível; quando essa parte sensível começa a desligar-se e permites que o teu cérebro chegue a sítios estranhos, é mais ou menos o que acontece quando dormes. Acho que é então que as melhores coisas criativas acontecem, quando não estás a pensar nas regras. Isso normalmente acontece durante a noite, quando estás demasiado cansado para realmente pensar nas regras. Eu acordo a meio da noite e felizmente tenho este espaço aqui [aponta para a sala à sua volta]. O meu quarto fica precisamente por cima de nós, por isso posso simplesmente descer em roupa interior, fazer uma canção e voltar para a cama duas horas depois. Sinto-me sempre como se fosse um sonho, às vezes acordo e penso “eu fiz algo ontem à noite, o que terá sido?”
No decurso deste último ano atípico, tiveste alguma epifania? Algum pedaço de sabedoria ou realizações que gostasses de partilhar connosco?
Uh… só me apercebi disto a dois terços do período de confinamento, mas eu apercebi-me que tens de te poupar. Foi muito fácil durante os primeiros dois terços do confinamento manter-me a trabalhar, porque o meu trabalho está na minha casa e não havia nenhum limite. Isso fez-me perder um pouco a cabeça, por isso — novamente, sinto-me afortunado por ter este espaço separado do meu quarto, muitas pessoas não o têm — simplesmente tenho-me dado um dia por semana em que não trabalho, nem sequer entro aqui. Isso é importante, encontrar esses momentos para ti mesmo e não cair nessa armadilha de estar constantemente a trabalhar. Isso e manter-te em contacto com as pessoas de quem gostas.
Recordas algumas experiências particularmente boas de Portugal?
Bastantes, sim! Na verdade, eu já fui para Portugal de férias, gostei tanto quando fomos aí tocar. Os espectáculos que tocámos aí foram sempre tão tarde e eu adoro isso! Eu pensava “ah, vamos tocar às 3 da manhã, ninguém vai aparecer”… não não não [risos]. Foi mesmo louco, foi óptimo! Por isso sim, essas são as minhas memórias queridas. Depois voltei de férias porque achei a comida deliciosa, as pessoas simpáticas e é um bom sítio para nos divertirmos. Há boa música em todo o lado. Muitos dos meus amigos que são produtores mudaram-se para Lisboa, porque acho que a adoram mesmo e realmente há aí uma boa cena musical.