Entrevista. Erik Poppe: “‘Utoya, 22 de Julho’ faz parte de um processo de evolução e terapia”
O realizador norueguês explica como decidiu fazer ‘Utoya, 22 de Julho’ num único take
Era para ser um filme, mas acabaram por ser dois. Erik Poppe filmou a visão de dentro do ataque, sobre aquilo que os jovens em pânico viram e sentiram ao longo desses intermináveis 72 minutos. Foi rigoroso na aproximação, por isso optou por não dar grande espaço ao atacante, que só foi visto ao longe e apenas por escassos momentos. Mas foi mais rigoroso ao incluir o número exato de disparos, tal como a movimentação que o terrorista fez na ilha de Utoya durante aquele fatídico acampamento de verão de jovens do Partido Trabalhista, a maior força política na Noruega. Só o barulho dos disparos foi diminuído para evitar traumas.
Será possível fazer um retrato honesto do que aconteceu realmente naquele dia na ilha de Utoya?
Não sei, mas é uma lição para aprendermos. Pelo menos para o público norueguês é importante perceber o que aconteceu. Ver o filme e aceitar que o filme está aí faz parte de um processo de evolução e terapia. Durante um ano tivemos uma longa discussão sobre o projeto. Seria cedo demais? Deveríamos fazê-lo? Seria justo transformá-lo num filme? Eu sou o primeiro a compreender essas reações e não queria debatê-las. Queria concentrar-me em fazer o filme.
Contou com a colaboração dos sobreviventes?
Sim, desde muito cedo que convoquei muitos dos sobreviventes para me acompanharem no projeto, para serem meus conselheiros próximos durante todo o processo. Nesse sentido, quis fazer o filme com eles para que fosse o mais justo possível. Depois, será a vez de outros avaliarem o que podem tirar deste filme. Eu gostava que existisse um maior esclarecimento coletivo.
Imagino que tenha estabelecido diversas regras para tratar um tema como este. Uma delas, presumo, terá sido não mostrar o Breivik, nem mesmo o nome dele…
Não criei qualquer regra em apresentar ou não o terrorista. Ele deveria aparecer diante dos jovens exatamente como o viram. Eu não quis evitá-lo, pois ele foi a razão de tudo o que aconteceu. Mas a forma como muitos jovens o viram foi como se vê no filme, ou seja, viram-no uma ou duas vezes ao longe, enquanto se tentavam esconder. Talvez a minha regra tenha sido que esta era uma história inteiramente contada pela perspetiva dos jovens. Não pela perspetiva dele. Por outro lado, achei que a aparência dele também podia ser dada unicamente pelo som.
Depois há também esse elemento de tempo… E a ideia de filmar tudo num único plano. Uma ideia de partida também?
Durante as entrevistas apercebi-me também que os jovens mencionaram a noção do tempo, esses 72 minutos, que lhes pareceu uma eternidade. Portanto, quis trazer o elemento de tempo para a história, quase como uma personagem. No fundo, essa intenção de descrever o tempo no cinema. O Sokurov tentou fazer isso (Russian Arc). E outros também. Depois, claro, há essa ideia de fazer tudo num único take. Para mim, foi apenas uma maneira de perceber se funcionaria neste filme. Essa era a única forma de tentar captar esse momento no tempo, ao depurar a história toda a esse momento. E centrar-me apenas naquilo que aconteceu, extraindo música, montagem. Essa foi a ideia. Aos meus atores dizia-lhes apenas em cada take: “Vemo-nos no outro lado. Boa sorte!” Depois, tudo começava. Claro que o som dos disparos marcava todos esses minutos. No final de cada take estávamos todos exaustos.
Segundo julgo saber, filmou cinco takes em cinco dias, certo?
Exatamente. A ideia foi encenar tudo como se tratasse de uma peça de teatro. Ia trabalhando cena por cena e lentamente juntávamos tudo. Depois fazer tudo num estúdio em Oslo em que tentávamos fazer os movimentos e preparar os atores psicologicamente. Cronometrei a história e medi as distâncias na ilha. Foi assim que preparámos esta longa sequência.
Qual foi o maior desafio?
Um enorme desafio foi tentar encontrar os doze atores que vamos seguir nesta jornada. E que fossem suficientemente fortes para fazerem isto sozinhos e neste estado de pressão emocional. E depois com todos os figurantes que não estavam preparados para aquilo. Isto é uma ficção, embora baseada em várias das histórias reais.
Apesar deste ser um filme sobre os perigos do extremismo de direita, não acha que existem poucas referências ao tema?
É uma boa pergunta, pertinente. Na verdade foi algo em que pensei bastante enquanto trabalhei a história. Mas tinha de fazer escolhas. Eu queria mostrar o ataque de terror e mostrar também o que acontecera antes, aquele momento de paz e camaradagem, pois o ataque foi também contra isso. Tal como o ataque ao edifício do governo. Deixo apenas essa mensagem nos créditos finais. Parecia-me que essa seria uma outra história.
De que forma a sua experiência como fotógrafo em zonas de combate o preparou para este filme?
Para explicar como faria este filme num único take trouxe material que filmei no Congo e no Afeganistão. Dois segmentos de 20-25 minutos que estudámos para perceber qual seria a qualidade neste material bruto. E o que era realmente autêntico nesse material.
Mostrou o filme aos sobreviventes?
Sim, mostrei.
Acha que é uma forma de lidarem melhor com o que aconteceu?
Decidi fazer uma série de projeções ao longo do país para quem quis ver. Juntamente com equipas de psicólogos para ajudar. Algumas pessoas nunca vão conseguir ver o filme, mas a maioria das pessoas com quem falei acharam que todos os noruegueses deveriam ver.
Entrevista de Paulo Portugal durante o festival de Berlim de 2017, em parceria com Insider.pt.