O enciclopédico ‘No Outono’, de Karl Ove Knausgård

por Miguel Fernandes Duarte,    2 Janeiro, 2017
O enciclopédico ‘No Outono’, de Karl Ove Knausgård
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Karl Ove Knausgård alcançou fama mundial quando se dispôs a narrar a sua vida, num formato híbrido entre memória e ficção, num conjunto de livros ao qual deu o nome de A Minha Luta. Com uma totalidade de seis volumes e cerca de três mil páginas – quatro estão já publicados em português, pela Relógio d’Água – este projecto chocou o mundo, ou parte dele, pelo menos, pela forma como o norueguês não poupou ninguém aos seus retratos. Praticamente todos os seus familiares são englobados nessa obra, e quase nenhum sai de lá com uma imagem propriamente positiva. No entanto, se a atenção começou devido a isso, o mérito reconhecido foi o da forma meticulosa como o autor descreve episódios do seu quotidiano e da sua vida, uma exploração descritiva ao máximo.

No Outono é o primeiro livro englobado no projecto que o escritor decidiu começar após ter acabado a odisseia de escrever A Minha Luta. A sua premissa é simples e, ao mesmo tempo, quase até mais ambiciosa que a anterior, sobretudo pela dificuldade que é manter um texto deste género interessante. Karl Ove Knausgård, enquanto a sua recém concebida filha gesta no ventre da sua mulher Linda, propõe-se a, entre cartas a esta sua filha, escrever uma espécie de enciclopédia, dividida num livro para cada estação do ano, sobre diferentes objectos e conceitos; e é aí que vem o interesse e a dificuldade deste projecto, porque, mais do que descrições destes mesmos objectos e conceitos, o que acrescenta são as pequenas histórias e reflexões que partem destes. Em duas ou três páginas, no máximo, Knausgård começa por descrever o que é a certa coisa que dá nome ao texto para depois extrapolar. É o que faz no início com um texto chamado ‘Maçãs’, no qual, depois de falar da prontidão com que se pode comer uma maçã, bastando dar uma dentada assim que se agarra uma, conclui que prefere frutos de casca não-comestível, pois precisa de ter um certo trabalho – neste caso descascá-lo – para apreciar a recompensa, daí generalizando para outros casos da sua vida onde só consegue apreciar algo após esforço para o obter.

Noutro caso, reflecte acerca da forma como os botões, mesmo já existindo tantas outras tecnologias mais avançadas para “fechar” roupa, casos do fecho-éclair e do fecho de velcro, resistem; parte com isso para a memória da caixa de botões da sua mãe, que, quando um botão caía, o substituía por um dos botões da caixa, para depois se perguntar o que perderão os seus filhos por, na mesma situação, simplesmente mudarem de roupa.

Num autor cujo principal trabalho é uma exploração autobiográfica, é sempre difícil deixar isso para trás mas, apesar de por vezes sem referidas questões da sua vida pessoal, nomeadamente acções que estaria a fazer que tenham levado às ditas reflexões, é refrescante ver o autor distanciar-se do seu anterior projecto, tentando fazer algo diferente.

Aquilo que não se entende particularmente bem é a relação com a estação do ano. Pinturas e imagens povoam o livro, algumas alusivas à estação do ano, mas, mais do que o facto de, segundo se percebe, os textos terem sido escritos em determinado mês do ano e, portanto, em determinada estação, não há muito mais que os ligue à época.

Tanto para aqueles que se embrenharam já por A Minha Luta, como para os que não tiveram ainda contacto com uma das maiores superstars norueguesas da actualidade, No Outono é, sem dúvida, recomendado. É, aliás, especialmente agradável vê-lo a chegar, como uma das primeiras traduções mundiais, às livrarias portuguesas, antes até de ser publicado em língua inglesa; e para isso é preciso louvar a vontade da editora, Relógio d’Água.

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