Entrevista. José González: “Os países nórdicos são interessantes de um ponto de vista global, em termos de segurança social, do equilíbrio entre tradições e religiões”
O músico sueco José González editou no final do ano passado o seu novo álbum de originais, Local Valley. É apenas o seu quarto disco a solo, apesar de se terem passado 18 anos desde a sua muito celebrada estreia, Veneer. A cada lançamento, o artista não foge da sua folk perenemente tranquila mas pejada de temas pesados, se bem que este Local Valley levanta o véu de uma experimentação descontraída e mais ritmada. Conversámos um pouco com o artista antes da apresentação do disco em Portugal, nos dias 8 e 9 de Fevereiro, sobre o novo álbum, família, sociedade e outros temas recentes.
O título do teu novo disco é Local Valley. Pelo que vi, funciona como uma metáfora para uma sociedade em que as pessoas não têm outras perspectivas ou não vêem além daquilo que experienciam ou pensam. Como pensas que, como sociedade, poderemos evoluir para lá disso?
Significa um par de coisas. Um é da canção “Valle Local”, em que eu canto “tu dizes sim, eu digo não”. Portanto, basicamente são duas tribos presas num vale sem que possam comunicar devidamente e sem ver as possibilidades se simplesmente colaborassem. Esse é um dos significados. Eu tenho mais alguns significados, que se referem à Terra como o nosso vale local, em que cada pessoa tem o seu próprio vale local na sua consciência ou persona…
Mas voltando à tua pergunta, acho que temos todas as possibilidades de evoluir para alturas nunca antes vistas. Claro que podemos inspirar-nos em culturas antigas, mas acho que temos de tirar as passas do bolo — como dizemos em sueco — podemos escolher as melhores partes de cada cultura e tentar descortinar ainda melhores maneiras de coabitar nesta Terra.
Estes são assuntos pesados e normalmente aborda-los nas tuas letras. No entanto, o teu estilo musical é mais tranquilo. Achas que estas abordagens combinam ou a música abafa o impacto da música?
Começo sempre com a música. Tento fazer letras que encaixem musicalmente na canção, por isso começo sempre aí, mas acho que, a cada álbum, os meus pensamentos imiscuem-se mais e mais nas letras. Nesta altura, é divertido tentar fazer poesia sobre tópicos a partir dos quais possa ser difícil fazer poesia, como o humanismo, ecologia, economia… [risos] Mas sim, acho que uma maneira simples é só ter algumas palavras que apontem na direcção de tópicos ou ideias interessantes e não tanto sobre ter uma letra que explique um tópico, é mais como name-dropping.
Começaste a experimentar mais com drum machines e a incorporar esse tipo de ritmos na tua música. O que te levou a fazê-lo?
Foi divertido. Já tinha o álbum pronto, só com voz e guitarra, e senti que desta vez seria divertido variar um pouco o álbum, por isso permiti-me o uso de mais coisas que o normal: drum machines, vozes e guitarras em camadas… Estava a pensar como poderia tocar isto ao vivo com pedais de loop e uma drum machine. Tento sempre pensar como posso fazer tudo por mim e acho que foi um desafio divertido pôr o chapéu de produtor para produzir o álbum de uma forma mais variada e desafiar-me a variar os espectáculos ao vivo.
Outra mudança é que agora tens as tuas primeiras canções noutras línguas que não o inglês. Porque decidiste incluir o espanhol e o sueco no novo álbum?
Pensei que seria divertido mostrar mais de mim e não ser o artista que apenas canta em inglês. Já tinha tentado antes, mas até agora não tinha sido fácil fazê-lo. É algo que já pensava fazer há muito tempo, principalmente quando estou em tour na América Latina ou em Espanha, em que as pessoas me perguntam “porque não escreves em espanhol?” [risos] Por isso sim, finalmente não fui preguiçoso ao ponto de abandonar a ideia e fui avante com ela.
Isto permitiu-te conectar-te mais com as tuas raízes argentinas?
Sim, conecta-me mais. Eu falo sempre em espanhol com a minha família, mas agora sinto que sou capaz de conectar a música com os fãs na América Latina e em Espanha de uma forma que não fazia antes. Por isso, não especificamente com a Argentina, mas com espanhol em geral.
Para mim, houve duas canções que se destacaram: “Lilla G” e “Swing”. Elas são inspiradas na tua vida familiar e são um pouco mais divertidas quando comparadas com os restantes temas do álbum. O que te levou a envolver a tua família na composição?
Pareceu-me certo por muitas razões. Como estava a mencionar, queria empurrar o álbum para direcções diferentes e queria realmente ter algo dançável, mas não demasiado pesado. Tenho canções que lidam com a morte e com o existencialismo, por isso a “Lilla G” e principalmente a “Swing” são as canções soalheiras inspiradas pela música brasileira, pela música high-life do Gana… Fez parte desta minha reinvenção, de quem eu quero ser no futuro. A família foi parte do álbum porque me tornei pai recentemente, a minha namorada desenhou a capa do álbum… por isso é como se fosse um tributo a tudo o que me envolve.
O que é que a família representa para ti nesta sociedade?
É uma espécie de casulo. Há tantas coisas a acontecer entre nós os 4 — e antes, entre nós os 3 — por isso é algo que me afecta muito e está fora do resto da sociedade, de uma boa maneira. Antes de me tornar pai, tinha mais tempo para me preocupar com os detalhes nas notícias. Agora não, preciso de passar tempo a brincar com a minha filha [risos], a passar tempo com ela e a ser criativo, por isso significa muito para mim estar nesta fase da vida.
Sobre a questão do Neil Young, da Joni Mitchell e de outros artistas retirarem a sua música do Spotify devido ao podcast do Joe Rogan, achas que estes gestos são eficientes?
Não. Se apenas falares de eficácia, não considerando o que foi dito no podcast, há razões para pensar que possa ter o efeito contrário. Acho que muitas pessoas quererão saber o que está no podcast e corres o risco de ter mais pessoas expostas a essas ideias. Não sou a favor deste tipo de censura, sou a favor da discussão e de diálogos abertos. Claro que há a questão de que com grande poder vem uma grande responsabilidade, e penso que é aí que há uma responsabilidade por parte do Joe Rogan, de ser alguém que tem estes diálogos, mas que tenta ser cuidadoso com o que diz, com o que pensa ser certo ou errado. Quando ele leva especialistas que estão fora do consenso científico, pode rapidamente ter uma conversa com outra pessoa, que tenha uma visão diferente.
Vivemos tempos interessantes, porque é bom ter estas discussões abertamente detalhadas. No entanto, seria bom ter um mecanismo que possa analisar tudo o que foi dito e tentar decifrar o que está certo ou errado. Mas isso demora muito tempo e precisa de ser trabalhado.
Sim, mas acho que as pessoas não querem ter esse trabalho na maior parte do tempo.
Sim, acho que essa é a parte do “com grande poder vem grande responsabilidade”. Os jornais, se publicam algo errado, têm de republicar e afirmar que estavam errados. Poderia haver algo similar com podcasts, acho. Estamos cada vez melhores em transcrição, por isso podemos ter um catálogo que diga “ok, isto foi dito neste podcast, mas aqui, aqui e aqui são frases que estão falsas ou não tão correctas”.
É dessa forma que lutamos contra notícias falsas, com esse sentido de responsabilidade?
Sim. Ou seja, não as combatemos com censura, acho que essa é a abordagem incorrecta destes artistas. É importante que, se alguém diz algo que seja falso ou que tem um argumento insustentável, se fale sobre esse argumento específico, se diga porque é errado e talvez tenha uma referência [para o comprovar]. Quanto mais feedback positivo se tenha, melhor, e não tentar conter… Acho que há uma espécie de vírus mental, falamos de memes que se espalham de pessoa para pessoa e é importante tentar partilhar o máximo de memes verdadeiros e positivos possível [risos].
De um tópico pesado para outro. Aqui, no Sul da Europa, temos a tendência de olhar para os países nórdicos como um exemplo a seguir. Vês a Suécia dessa forma?
Acho que depende do que estás a falar. Os países nórdicos são interessantes de um ponto de vista global, em termos de segurança social, do equilíbrio entre tradições e religiões, há um grande nível de individualismo… por isso sim, há muitas coisas interessantes nos países nórdicos, mas há sempre rachas nas sociedades que não são tão boas.
Como te sentes ao voltar aos palcos?
Óptimo! Tem sido óptimo fazer os espectáculos nesta parte mais recente da pandemia, naquelas alturas em que parecia que estávamos realmente a voltar ao normal, as pessoas estavam entusiasmadas e cantavam comigo. Para mim, poder viajar e passar tempo com a minha equipa e com o público tem sido espectacular. Estou muito ansioso pelos próximos meses, em que veremos a sociedade a perder as restrições. Talvez vejamos os anos 20 felizes, como o que aconteceu depois da gripe espanhola [risos].