Entrevista. Liliana Bandeira, da União Audiovisual: “Há pessoas que estão a viver unicamente dos nossos cabazes”
A União Audiovisual nasceu da crise. Nasceu do facto de pessoas ligadas ao meio do audiovisual se precisarem de juntar, de unir e de se socorrer uns aos outros. Por trás do mundo dos espectáculos não existem só os artistas. Existem os técnicos de som, de luz, roadies, quem monta o palco e mais um sem número de anónimos que se vestem de preto, que passam despercebidos, mas que são essenciais para que esses espectáculos aconteçam e os artistas possam subir a palco e nos provocar euforia. Todos esses passam hoje dificuldades. O seu sector está quase a zeros em termos de actividades e, portanto, em termos de rendimento gerado. Vivem do pouco que ainda vão podendo fazer, do que conseguem “desenrascar” fora do seu ofício de sempre ou da ajuda exterior, de quem quer saber e se preocupa. Falámos com Liliana Bandeira, ligada à União Audiovisual e que na Margem Sul do Tejo tem feito o que pode por si e pelos seus colegas de profissão.
O que é a União Audiovisual?
A União Audiovisual é um grupo informal de pessoas que trabalham neste meio (audiovisual), ou indirectamente com o meio, mas a maior parte trabalha directamente no meio dos espectáculos e dos eventos e que viu aqui uma necessidade muito forte, a nível de técnicos, roadies, maquilhadores, etc de ajudar famílias que ficaram com necessidades muito graves, porque o nosso sector parou completamente. Não foi uma “pequena crise” que nos retirou trabalho. Foi um sector parado. Famílias que ficaram a zeros e casos onde marido e mulher trabalham nesta área, que não têm apoios e que ficaram sem qualquer tipo de rendimento para pagar seja o que for (casa, comida, etc). Então aí um grupo de pessoas do meio juntaram-se para combater essas lacunas.
De que forma é que têm combatido essas lacunas?
Nós temos feito recolhas de bens alimentares e de higiene, basicamente de primeira necessidade, e fazemos cabazes para entregar a estas famílias que estão a passar maiores dificuldades.
A necessidade de criação de associações e instituições que zelam pelos direitos dos trabalhadores do vosso ramo não surgiu mais cedo porquê?
Não houve essa necessidade extrema. Na crise pela qual passámos a coisa amainou mas nunca deixámos de trabalhar e houve até um boom de turismo logo a seguir, pelo que nunca houve essa necessidade de criar alguma instituição para garantir os direitos dos trabalhadores. Agora que provavelmente as pessoas tiveram muito tempo e que realmente começaram a sentir as dificuldades sentiram a necessidade de criar essas instituições.
Foi um grito de desespero do sector?
Foi, o país está em retoma, saímos de uma paragem, mas no nosso mercado não estamos. Estamos parados. Agora dá-se maior ênfase quando há um concerto ou um espectáculo e dá a sensação de que as coisas estão a andar mas não estão, continuam paradas praticamente. Muitos técnicos e outros trabalhadores do ramo continuam sem trabalho.
Achas que esta crise veio tornar o ser humano menos centrado em si?
Espero que sim. Quando as coisas voltarem mais ao normal toda a gente tentará refazer a sua vida, mas quem passou realmente por isto é impossível esquecê-lo e daqui para a frente teremos de olhar muito mais uns pelos outros.
Como é que se tem um equilíbrio entre a necessidade de um sector ter a sua retoma e a percepção exterior, das pessoas que estão de fora?
Essa imagem tem de vir de cima. Esse normalizar de coisas tem de vir de lá. Nós, que estamos a trabalhar por esta retoma, sabemos que as coisas vão normalizar, porque tem de ser, até pelas experiências desses eventos que já foram feitos e que correram bem com certas e determinadas regras. As pessoas têm de compreender. Temos de salvaguardar as pessoas que estão mais vulneráveis à doença, mas com isso em mente temos de retomar um sector que tem pessoas à fome por não terem trabalho e temos pessoas em casa que têm fome de Cultura, e que estão a ficar muito afectadas. Há que criar este equilíbrio. Este meio dos eventos e dos espectáculos tem de mexer. Tanto as pessoas que fazem como as que querem ver, precisam disto.
Tocaste num ponto importante. Foi o dia Mundial da Saúde Mental. Achas que isto foi também um despertar da mente das pessoas em relação à importância da Cultura também nesse capítulo?
Totalmente. Acho que as pessoas se aperceberam da importância da Cultura e também se aperceberam de nós, que somos tantas vezes os invisíveis na organização dos espectáculos e da importância desses eventos para as pessoas. Elas estão sedentas de Cultura. Sedentas de sair de casa, de ir a um concerto e a todo o tipo de espectáculos.
Como é que têm organizado as vossas recolhas de alimentos?
Começámos com recolhas de alimentos junto de alguns supermercados, mas reparámos que o nível de doações começou a descer então agora estamos a associar-nos a eventos da área, aos poucos que existem, e a organizar também os nossos próprios eventos. Já fizemos o Agir no Village Underground, os Anjos no Knock Out ou Samuel Úria no Village também. Fazemos os nossos próprios eventos ou associamo-nos a alguns que têm existido.
Porque é que achas que as recolhas nesses moldes têm resultado melhor?
As pessoas que vão usufruir desse serviço são as que nos vão compreender melhor porque percebem que as pessoas que ali estão a trabalhar de borla para ajudar os seus colegas que estão sem trabalho.
Qual é o panorama para os próximos tempos?
Vamos continuar, mas temos muito receio que haja um passo atrás pelos números estarem a aumentar. Se piorar e voltar a fechar tudo não teremos as doações normais e poderão não haver eventos aos quais nos possamos associar para manter a cadência que necessitamos de recolhas e o nosso armazém vai começar a esvaziar-se.
Há pessoas que estão só a viver das vossas recolhas?
Há. Há pessoas que estão a viver unicamente dos nossos cabazes. Os nossos cabazes duram para umas três semanas e temos famílias que depois de duas semanas já nos estão a pedir novamente pois estão a viver disso.
Quantas pessoas estão a receber as vossas ajudas?
Desde o final de Abril, na Margem Sul, já demos a mais de 120 famílias só na Margem Sul. Estive com a UA de Lisboa e na altura chegaram a ter 44 famílias numa semana a pedir ajuda. Numa semana. E estamos a falar de famílias, ok? Um agregado familiar que às vezes vai até seis elementos.
Queres reforçar alguma mensagem junto das pessoas?
Quero reforçar que as pessoas têm de saber que não estamos em retoma. Nós estamos parados e há famílias a viver unicamente disto. Aliás, no início havia muitas pessoas com vergonha que não vinham ter connosco. Nós é que fomos atrás deles e ficámos a conhecer situações limite. Não podes olhar para o lado e pensar que está tudo bem. Há empresas a passar dificuldades extremas, pessoas que lá trabalham a passar dificuldades extremas e estamos num momento muito crítico.
Se quiseres ajudar a União Audiovisual podes obter mais informações de como fazê-lo através do Facebook, Instagram ou através do grupo criado no Facebook ao qual podes pedir para aderir.