Entrevista. Matilde Cancelliere e Inês Gonçalves: “Estamos em 2024, mas as pessoas com deficiência ainda não têm tantas oportunidades no mundo das Artes”
Vindas de pontos opostos do país, as recém-licenciadas actrizes Inês Gonçalves, do Algarve, e Matilde Cancelliere, do Porto, conheceram-se no 3º ano da Licenciatura em Teatro na Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC). É nestas instalações, à sombra de uma árvore, que as encontramos à nossa espera, com a cadela-guia Luta, uma labradora preta, deitada aos seus pés. Foi também aqui que, em Julho passado, as actrizes interpretaram o espectáculo de final de curso: Tzumtzurumtzum Tzum Pose – Get Ready for the Bacanais: uma tragédia grega transposta para 2024, viva e inovadora, desenhada de raiz para ser acessível e envolvente para pessoas cegas e com baixa visão – e também para quem vê. Como explica Inês: “Queremos que [todos] se sintam bem-vindos”. Nesta conversa, falamos sobre o processo de criação colectivo, da audiodescrição como ferramenta artística, e sobre acessibilidade no Teatro; e debruçamo-nos sobre os desafios e experiências de Inês, actriz com deficiência visual, e de Matilde, no percurso académico e profissional.
I. “Abolir a ideia do que é um clássico”: Criação da peça e audiodescrição como ferramenta artística
Dois meses depois de assistirmos a este estimulante espectáculo, baseado n’As Bacantes, quisemos compreender como nasceu e cresceu, ganhando até “vida própria”. Falámos sobre o processo criativo, os desafios e limitações da audiodescrição informal, e da resposta do público a esta proposta. Com a consciência de que a peça “não é 100% acessível”, evidencia-se a riqueza do projecto que procura romper com a tradição dos clássicos e da audiodescrição, para ir para além do esperado: como diz Matilde, “levar esse êxtase” e dar-lhe “uma pitada de sal”.
A vossa apresentação foi, agora, há quase dois meses. Ao olhar para trás, o que sentem sobre o que fizeram?
Matilde: Foi o fim de um percurso bastante longo, mas foi uma experiência que me preencheu muito. As pessoas que encontrei foram muito especiais, trabalhadoras e generosas… E senti muita liberdade no que estávamos a criar e a propor. Não foi só fazer por fazer.
Inês: Nós estivemos seis meses envolvidos neste projecto, com ensaios intensos quase todos os dias da semana, e a certa altura já é uma rotina. Eu às vezes sinto falta disso. Por outro lado, fico contente, porque é o final de uma etapa, e não sinto que ficou nada por fazer ou por dizer. E foi muito justo, o tempo para este projecto e o feedback no geral, e sentires o crescimento a cada espectáculo. De repente, isto é uma expressão do teatro, ele já tinha vida própria [risos].
E como é que crescia de dia para dia?
Inês: As pessoas não se conformavam em executar alguma coisa, mas sim em desafiar-se: “porque não adicionar uma pitada de sal? Tentar jogar?” E também as coisas que acontecem por acaso, como a falha de uma música. Tens de estar sempre presente e activo, numa escuta constante. Num estado de alerta positivo, pronto para receber e para dar.
Matilde: Sim. Tentar, sempre, trazer uma frescura, estar presente. Para mim, como eu tinha aqueles dois monólogos direccionados maioritariamente para o público, essa presença trouxe algo que pode ser perigoso, ao mesmo tempo – a energia tem de estar lá, independentemente se tens pessoas a ver –… mas tens diferenças: há público que conheces, que não te conhece; pessoas mais velhas, mais novas… Para mim, foi muito importante jogar com isso e reinventar a cada reacção que via e sentia.
E na própria criação, esse jogo também está presente? Como surge a escolha da peça e como foi o processo criativo?
Matilde: No terceiro ano cada professor apresenta uma ideia de um texto que quer fazer. No caso do Diogo [Bento] e da Inês [Vaz], foi: “Nós vamos fazer As Bacantes, mas não temos nenhuma ideia de encenação. Vai ser uma criação colectiva”.
Inês: Nós é que escolhemos para que projecto é que queremos ir.
Matilde: Eventualmente, aquele com que nos identificamos mais. Eu já tinha visto o projecto deles, o ano passado, e pensei: “este é um tipo de trabalho que me interessa”.
Inês: Eu escolhi exactamente pelo contrário. Não conhecia, então decidi arriscar num sítio que não me era confortável, e não sabia para o que é que ia.
Matilde: Aquilo que se falou logo à partida foi que íamos tentar abolir um bocado a ideia do que era um clássico.
Inês: Porque não é tão interessante trabalhar As Bacantes aos olhos do teatro grego, mas sim aos olhos de 2024, aqui e agora, ESTC.
Matilde: Até porque não sabemos como é que eles faziam teatro na Antiga Grécia, ou seja… [só] temos uma ideia, um bocado estereotipada… Então tentamos abolir isso e fazer à nossa maneira.
Inês: É importante que o texto passe, mas com as nossas bocas, os nossos corpos. Nós fizemos uma colagem de várias versões das Bacantes, de outros textos que foram surgindo, e de paráfrases. E toda a gente trazia [algo]. Por exemplo, a nossa colega: “eu faço pole dance”. Porque não pole dance durante o espectáculo? A Matilde trouxe a música da Beyoncé porque ela gosta de dançar no quarto dela…
O Luís toca bateria…
Inês: Na altura, nem tanto, mas tinha interesse, então, porque não? Eu trouxe a proposta da audiodescrição porque me interessa, tanto como ferramenta de acessibilidade como artisticamente. Porque não experimentar isso num lugar de conforto que é a escola? Aqui ninguém te vai “despedir” ou julgar. Então, fomos trazendo coisas e eles guiaram-nos dentro das nossas propostas.
A música também teve um papel muito central no espectáculo.
Matilde: Sim. Eu acho que quando começamos a falar das Bacantes, a palavra que mais foi surgindo foi…
Inês e Matilde [ao mesmo tempo]: O êxtase. [risos]
Matilde: E queremos levar esse êxtase mais longe, não só em termos de interpretação, mas de cenografia, figurinos, luz e som. A música da Beyoncé foi uma proposta que eu dei, ainda sem audiodescrição [da coreografia]. Na altura, até fiquei a pensar: “Que óbvia, o Run the World”… [risos]
Inês: Depois deixou de se tornar óbvio…
Matilde: Sim… depois falou-se do êxtase, e do coro que existe nas tragédias gregas, e como levar mais longe… E a Inês já queria que a audiodescrição estivesse presente no espectáculo. Então, porque não juntar o útil ao agradável? [risos]
Inês: O agradável era a música, o útil era a audiodescrição. [risos] Estou a brincar. Mas o facto de haver muitos coros nas peças gregas… Eles estavam sempre presentes, mas de uma forma mais física e algo sonora, cantada, musicada – mais do que dizer um texto, como num clássico.
“Quando começamos a falar das Bacantes, a palavra que mais foi surgindo foi o êxtase (…) e queremos levar esse êxtase mais longe” – Matilde Cancelliere
E então, público e intérpretes, acabávamos todos por fazer parte do ritual. E a música também potencia a acessibilidade, de certa forma? Pelo modo como nos envolve…
Inês: Eu acho que não pensámos nisso nesse sentido, até porque, ao mesmo tempo que possa ser estimulante para uma pessoa que não vê ter música presente, por outro lado, a música anula um bocado o visual. É mais difícil propor uma audiodescrição informal durante um momento musical, e houve vários que não tiveram, ou foram resumidos depois, porque era difícil encaixar as duas coisas. Nós temos consciência que não foi 100% acessível, e assumimos isto, no início, em que dizemos, pela voz da Luta [cadela-guia, em palco], que o espectáculo vai ser acompanhado com audiodescrição informal feita a várias vozes. É uma proposta artística que não conseguimos concretizar a 100%, mas com essa consciência.
Matilde: Tivemos de tomar opções, nesses momentos de música ou de mais caos… Por exemplo, quando a Sara está [a dançar] com o Nightcrawler. Tu ouves a música, mas [se não vires] não dá para perceber o que está a acontecer em palco, porque, se tentássemos falar por cima, também se podia perder alguma camada.
Então, em termos técnicos, a acessibilidade perdia-se um bocadinho… Mas, na dança da Sara, a música transmitia a mesma mensagem, com a mesma intensidade. Parecia tão ou mais importante que a dança… mas, pronto: eu estava a ver.
Inês: Exacto. Tens os dois estímulos. Acho que a música estimula e manifesta uma intenção da nossa parte. As nossas propostas musicais reforçavam o que queríamos propor na “cena visual”. Nós tivemos pessoas não visuais a ver o espectáculo e elas não se sentiram perdidas nesses momentos; sentiram-se envolvidas. Mas não sabem especificamente o que é que estava a acontecer visualmente, em contraste com outros momentos em que o sabiam perfeitamente. É como… eu dou-te um chupa-chupa, depois tiro-te, e tu ficas só com o sabor na boca, mas não tens o chupa-chupa quando quiseres. [risos]
Também queria perguntar isso, sobre o feedback que tiveram de pessoas com e sem deficiência visual.
Inês: No geral, as pessoas com deficiência visual sentiram-se envolvidas, e que o espectáculo não era feito [só] para elas, era feito para toda a gente. E isso é fixe, porque não sentiram que [a audiodescrição] era uma ferramenta que estava a ser exclusivamente, “olha, isto é para ti”. Estava integrado. Como dizer: “e aponto na direcção dele” – eu estou a apontar, efectivamente, com o gesto, e com a voz.
Matilde: Não estás a fazer um aparte condescendente.
Inês: Sim. Sentiram-se confortáveis, porque conseguiam acompanhar a narrativa, ter acesso a coisas que, por norma, lhes passam completamente ao lado. Então, à partida, já te sentes mais presente, do início ao final do espectáculo; sentes que fazes parte e tens vontade de continuar ali. Não estás a pensar no que vais jantar. E é isso que nós queremos de todos os espectadores. Queremos que se sintam bem-vindos.
“No geral, as pessoas com deficiência visual sentiram-se envolvidas, e que o espectáculo não era feito [só] para elas, era feito para toda a gente” – Inês Gonçalves
Às vezes ficas a pensar no jantar?
Inês: Sim, quando não me oferecem o mínimo de acessibilidade.
Matilde: Eu também, não em relação à acessibilidade, mas há espectáculos que percebes que são feitos deles para eles. E, aqui…
Inês: … saiu de nós, mas deixa de ser nosso.
Matilde: E o público chega e vamo-nos divertir todos juntos. O feedback que eu tive foi que as pessoas estavam [presentes], e vibravam connosco, nas partes mais trágicas, nas partes mais divertidas… Mas também houve pessoal que achou mais confuso.
Nos ensaios, alguma vez tiveram convidados para perceber se conseguiam acompanhar o espectáculo, com a audiodescrição?
Inês: Eu acho que não tivemos porque eu fazia isso. Havia muitas cenas em que eu não entrava, então era importante ter consciência do que estava a acontecer. Eles já tinham de me propor a mim, enquanto espectadora. Era uma audiodescrição informal, não tinha compromisso de formalidade. Era muito mais pensar o que é que era interessante para o nosso grupo, criativamente.
Acho que é importante fazermos novas propostas dentro das tradições do que é uma audiodescrição. Também temos de quebrar certos limites e barreiras, porque as pessoas que vão assistir a espectáculos ou vão a museus não estão dispostas a ver sempre a mesma coisa. Por isso, é interessante quebrarmos esses padrões e fazermos novas propostas, que podem interessar novos públicos.
“É importante fazermos novas propostas dentro das tradições do que é uma audiodescrição. Também temos de quebrar certos limites e barreiras” – Inês Gonçalves
E uma dessas propostas é a audiodescrição da dança na música da Beyoncé [Run the World]. Podiam falar sobre o processo de a fazer?
Matilde: Então, essa ideia surgiu durante uns ensaios: de retirarmos a voz da Beyoncé e tentarmos fazer uma coisa nossa. E decidimos que íamos abraçar este desafio de descrever toda uma coreografia.
Inês: Foi a Matilde que a criou. E à medida que [me] ias passando a coreografia, eu ficava mais consciente de quais eram as partes do corpo usadas para fazer um determinado movimento.
Matilde: E eu e tu íamos para um canto, e eu tentava perguntar à Inês o que era aquele movimento para ela? E comecei a perceber… É muito complicado pôr tudo o que estás a fazer no ritmo e na métrica de uma música. E lembro-me de me dizeres: “O que é que é mais importante, aqui? Visualmente, o que é que tem mais impacto, as mãos ou as pernas? Qual é a intenção do movimento?”
Inês: Ou a íntegra dos dois, ou a imagem que pode passar. Por exemplo, temos o caso específico destes braços a que chamámos “W”. Nós dissemos “braços em W” para reduzir o movimento a uma palavra, e fica num lugar de imaginação e de criatividade. Não são “dois braços dobrados, com os cotovelos apontados para baixo”, porque se torna maçador. Não estamos à procura de que seja passado de uma forma técnica e objectiva, porque senão ficava uma coisa meio robótica, e o nosso objectivo era quebrar esse lugar robótico.
Matilde: Fomos, aos pouquinhos, tentando perceber o que era mais importante mostrar – visualmente ou de forma sonora –, em cada momento da coreografia e da música. E depois, o André Baião ajudou-nos a meter tudo na métrica e fomos construindo.
Inês: É super complexo, não só fazer esse trabalho de audiodescrição, mas também essa construção e sobreposição de vozes, para não ficar uma coisa mecânica, mas sim saborosa para quem ouve.
Matilde: Precisava de uma pitada de sal… uma audiodescrição tem as suas regras; nós queríamos levar isso um bocadinho “para além de”. Tornar a coisa nossa, e estarmos mesmo a curtir.
Inês: E estávamos mesmo a curtir a nossa dança visual e auditiva. [risos] E no público, também, sentia-se essa vibração.
Lembro-me de uma parte em que já se tornava difícil de perceber a letra, mas também de acompanhar o que acontecia visualmente, por ser tudo tão rápido e caótico. De certa forma, a audiodescrição reflectia exactamente o que estava a ver.
Inês: Interessante. Nós não temos tanta consciência disso de dentro, mas percebo, porque, para o espectador, a música exige um ritmo que… é muita informação para um momento só. Então, é normal que esse caos se instale. Mas é um caos confortável, não é? Porque tem uma energia…
Matilde: Há coisas que tu só vês ou ouves e ficas: “não sei o que é que estou a ver, a ouvir, o que é que se está a passar”…
Inês: … “Mas estou agarrado, ligado”.
Matilde: … “E estou aqui”. Antes de estrear, estava a sentir esse caos, as coisas que não se estavam a ligar. Nos espectáculos, com essa apropriação que fomos ganhando, as coisas foram ficando mais concretas. Eu acho que, a partir do momento em que te estás a divertir, em cena, e estás presente, a dar tudo… Se a intenção estiver lá, a energia passa para o público, independentemente de se eu estou a dizer palavras concretas ou onomatopeias.
Inês: E a intenção foi bem trabalhada, minuciosamente. Às vezes, por se tornar caótico e complexo, há a tendência a queremos desistir… Quando pegámos, à partida, parecia que não era possível. É persistir e depois sentir que vai dar a algum sítio.
Tinha mais uma pergunta sobre a peça. A certa altura, uma personagem, o Tirésias, diz que é cego. E também temos a Inês em palco, que tem deficiência visual. Mas é a Matilde que representa Tirésias. Esta subversão foi propositada?
Inês: Não, na verdade, nem foi pensado. Isto é um tema muito complexo, porque estamos a falar de representatividade das pessoas com deficiência, que não há. Quase não há pessoas com deficiência, nesta escola, muito menos com deficiência visual. Mas isso não significa que eu tenha de fazer personagens que a têm. Na verdade, a cegueira do Tirésias pode até ser uma cegueira mais abstracta.
Matilde: Para mim, foi uma questão que me passou pela cabeça, mas não é uma coisa que defina aquela personagem. É muito mais o facto de ter sido homem e mulher, ter o dom da premonição e esta relação toda com os deuses, do que esta característica física.
Inês: Porque até vem de um lugar de um castigo, não é? A deficiência ainda é vista como um castigo, uma coisa negativa. E, no geral, não é um problema na vida das pessoas que a têm, que vivem bem com isso, dentro dos possíveis. No caso do Tirésias, ele não queria estar cego porque isso vem de um lugar de castigo. Não é que ele, com todos os dons dele, não consiga viver bem sem a visão [risos]. Mas levanta essa questão: porque é que a deficiência é um castigo?
Matilde: Para mim, é uma característica. No início, também dizia: “tenho um cabelo ruivo, mas mais à frente vou dizer que tenho o cabelo branco, porque sou velho”. O teatro permite-nos estar nesse sítio de fantasia e ilusão. Posso dizer que tenho asas e vou voar e o público imagina. O Tirésias é uma personagem que, mitologicamente, é cega, mas eu senti a liberdade de transformá-la naquilo que eu sou. Se calhar, na Antiga Grécia representavam uma pessoa cega. Hoje em dia não parece fazer sentido.
“Se calhar, na Antiga Grécia representavam [Tirésias como] uma pessoa cega. Hoje em dia não parece fazer sentido” – Matilde Cancelliere
E hoje em dia, na vossa peça, a Inês faz uma pessoa que vê. Bem, estou a assumir, pode não ver. [risos]
Inês: Ele é um Deus, à partida tem tudo no sítio, não é? [risos] E eu não sou um Deus, estou a fazer uma coisa que não sou. Mas é o poder de fazer aquilo que queremos. Eu não acredito que as pessoas tenham de ser restringidas a fazer papéis que correspondam a uma cor de pele, a um género ou a uma deficiência. Por isso, quanto mais quebrarmos com esses padrões ou ideias pré-estabelecidas, mais espaço vai haver para outros corpos no mundo das artes.
“Eu não acredito que as pessoas tenham de ser restringidas a fazer papéis que correspondam a uma cor de pele, a um género ou a uma deficiência.” – Inês Gonçalves
II. “É muito mais do que ver”: Contracenar em palco, percurso académico e profissional, e acessibilidade no mundo do Teatro
Bolinhas de esferovite no chão e uma mesa de matraquilhos poeirenta são o cenário para a gravação da entrevista. Encaixadas num cantinho da ESTC, ainda fechada para férias, as condições não são perfeitas; mas adaptamo-nos ao espaço e às nossas necessidades. Adaptação: é um dos conceitos-chave que nos trazem as actrizes sobre a experiência de trabalho em conjunto. Aprendemos que, no Teatro, o mais importante é haver vontade, generosidade e respeito para com o outro; porque, diz-nos Inês, “ninguém é diferente de ninguém”. Num momento de atrapalhação, troco-me com as palavras; e vejo a Luta aproximar-se, tal-qual atenta actriz, encostando-se às minhas pernas e reconfortando-me. Faço-lhe uma festa e recebo, em troca, uma lambidela. Como aqui, estar em palco “não é matemática”: é na energia da escuta, na adaptação ao outro e na brincadeira que se descobre “uma magia”, diz-nos Matilde. “E é isso que me dá prazer de fazer teatro”.
Falámos sobre os vossos papéis no espectáculo, e como a Inês representa alguém que vê. Como é, para ti, estar em palco, dessa forma que nos parece tão livre e segura?
Inês: É como em qualquer outra profissão que poderia ter. Eu estou exposta publicamente e vão haver pessoas impressionadas, outras que vão achar que não deveria estar ali e outras que simplesmente naturalizam isso… Mas, à partida, como não é habitual pessoas com deficiência visual estarem presentes em palco ou na televisão, há sempre um estranhamento. Isso ainda tem um grande trabalho a ser feito, socialmente. Acho que parte da minha responsabilidade é estar presente.
Sempre que começas um processo novo, há um estranhamento. E eu já estou habituada a ter de me adaptar, e que um grupo se adapte a mim. Na verdade, para estar tão à vontade em palco, é porque são feitas certas adaptações, como eu fazer um reconhecimento do palco; e toda a gente estar consciente de que eu tenho uma deficiência visual, e que isso não é um tabu, nem um problema. A partir do momento em que o grupo está todo a caminhar para o mesmo lugar, ninguém é diferente de ninguém, seja em que sentido for. Toda a gente tem o mesmo espaço para dizer que tem uma dificuldade ou precisa de uma adaptação. Então, nunca senti que fosse uma questão. Mas não te sei dizer uma fórmula mágica para estar aqui. Não sinto que é um desafio extra. Acho que é muito mais desafiante andar na rua e encontrar o caminho que faço todos os dias diferente, porque alguém estacionou uma bicicleta no meio do passeio, ou porque pessoas dizem coisas preconceituosas. Acho que a arte também tem, ou está a caminhar para ter, esse lugar de abertura, para que as pessoas se sintam mais confortáveis e sintam que têm um lugar.
“Não sinto que é um desafio extra. Acho que é muito mais desafiante andar na rua e encontrar o caminho que faço todos os dias diferente, porque alguém estacionou uma bicicleta no meio do passeio, ou porque pessoas dizem coisas preconceituosas…” – Inês Gonçalves
Quando entraste neste curso, como é que tu, e a tua deficiência, foram encaradas pela escola e pelos professores?
Inês: Isso é uma longa conversa, mas vou tentar resumir. Entrando numa escola onde nunca houve uma pessoa com deficiência visual, à partida, há sempre um choque. Eu já estava à espera disso, mas também não sabia o que esperar. Acima de tudo, teve que haver uma grande abertura da minha parte para comunicar com toda a gente: serviços académicos, professores, funcionários… Para entrar, sou avaliada pelas minhas capacidades enquanto artista; mas há uns anos atrás, o facto de eu ter uma deficiência impediria o facto de eu entrar aqui. Então, [antes de entrar] não sei o quão aberta esta escola está.
Quando houve o dia aberto da escola, eu perguntei: “Há um problema? Eu tenho uma deficiência visual. Isto é um impedimento para eu entrar na escola?”, e houve quase uma não reacção dos professores, porque não sabiam o que responder. Disseram que tinha de prestar provas, como as outras pessoas, com um tom de: “uau, eu não sei o que dizer a isto, porque nunca vi uma pessoa com deficiência visual a prestar provas”. Então acho que, com muita comunicação e muita empatia, as coisas conseguiram-se, e os três anos passaram. Mas ainda há muitas coisas que ficaram por fazer. Eu não poderia fazer isso pelo mundo inteiro, mas sinto que abri uma porta, porque quebrei com algumas barreiras que já haviam, pelo menos da ideia de que uma pessoa com deficiência visual pode fazer teatro, profissionalmente.
“Quando houve o dia aberto da Escola, eu perguntei: “Há um problema? Eu tenho uma deficiência visual. Isto é um impedimento para eu entrar na escola?”, e houve quase uma não reacção dos professores (…)” – Inês Gonçalves
Consegues dar alguns exemplos dessas barreiras?
Matilde: Os textos, por exemplo…
Inês: Ou só o facto de estar presente numa aula, extremamente bem integrada. E se os professores tiverem que adaptar algum exercício, adaptam, mas isso não ser um problema. Não vou desistir nem não fazer porque é uma coisa visual. São coisas muito mais assustadoras na ideia do que na prática… tudo parte da vontade de ambas as partes.
Mas há muitas lacunas, por exemplo, os textos estarem acessíveis para mim, com o leitor de ecrã. Às vezes, como estão em pergaminhos, quase, é difícil digitalizar para um formato que seja legível para quem vê, quanto mais para quem não vê… O material, no geral, ainda tem que ser pensado e actualizado para 2024, para todos os alunos.
Havia uma folha de sala digital, no vosso espectáculo…
Inês: Tínhamos um QR code, sim. Porque, à partida, uma pessoa com deficiência visual não vai conseguir ter acesso a uma folha de sala, ler a sinopse impressa, porque é ilegível.
É um bom exemplo para deixar para outros?
Inês: Não é padrão, mas sim, poderia [ser]… também pode ser importante folha em braille, para quem o domina bem. E não é só o QR code, é indicar que há um QR code na folha. Porque estar lá, e não ser transmitida a informação de que está lá, é igual, é [só] um papel.
“(…) uma pessoa com deficiência visual não vai conseguir ter acesso a uma folha de sala, ler a sinopse impressa, porque é ilegível (…) é [só] um papel” – Inês Gonçalves
Sim, é um bom ponto… Então, acabaste por sentir-te acolhida, quando vieste para a escola? Não sentiste preconceito?
Inês: Não, no geral. Eu senti que havia, sempre, no início, com a maioria dos professores – porque nunca tiveram uma aluna com deficiência visual… mas também havia uma grande vontade de perceber mais e de me integrar. Acho que sempre estiveram muito dispostos a adaptarem-se e, pelo menos, a escutar e querer perceber… Às vezes, achavam que era muito mais complexo do que é na prática. Não podem usar-me como exemplo absoluto para o que vier a seguir, mas pelo menos já terem uma consciência e um primeiro contacto, que faz deles melhores profissionais.
Em exercícios de improviso existe muito uma dimensão de observação do outro. Entre vocês, é diferente contracenar no improviso do que numa peça já desenhada?
Matilde: Para mim, não é muito diferente improvisar com a Inês do que com qualquer outra pessoa. Acho é que tenho de ter mais consciência que não há o elemento visual, mas que existe o toque, o som, a palavra; e, portanto, é jogar com isso. Eu tenho dois parafusos nas costas; e as pessoas também se adaptam, ou eu própria me adapto ao que não consigo fazer.
“Não é muito diferente improvisar com a Inês do que com qualquer outra pessoa. (…) não há o elemento visual, mas (…) existe o toque, o som, a palavra; e, portanto, é jogar com isso.” – Matilde Cancelliere
Inês: No fundo, tens a escuta activa em relação aos corpos com os quais estás a trabalhar. Sabes os limites de cada pessoa.
Matilde: E eu acho que isso é que me dá prazer de fazer teatro. Não é matemática, sabes? “Vou fazer assim e preciso de ver ou de ouvir isto para conseguir”. É: de repente, tens toda uma magia, uma energia, que vais descobrindo… Às vezes nem precisamos de nos estar a tocar, estamos só sentadas uma ao lado da outra, e há qualquer coisa que se está a trabalhar aqui.
Inês: E não tem que ser dito ou visto. Esse lugar da observação é muito mais do que ver. As pessoas guiam-se muito pela visão, é verdade, mas de repente terem que jogar com outros elementos ainda nos põe num lugar mais activo, na escuta, esse alerta positivo. É pensares que estás com um grupo de pessoas, e se ouves uma proposta, tentares propor num segundo plano ou retirares-te. É todo um jogo: deixares-te ir, no flow. Mas quem está directamente a improvisar comigo, se calhar, sentem que é mais arriscado, porque têm que me fazer entender o que é que querem comigo, sem ser “olha, Inês, eu agora vou-te dar a mão…”. Não, é: “Como é que eu me desafio a dar a mão a esta pessoa que não vai esticar a mão automaticamente, porque não está a ver? Como é que eu chego a ela?” De fora, eu sinto que isso pode ser mais desafiador. Mas isso é positivo.
Matilde: Eu lembro-me que fazes sempre reconhecimento do espaço, por exemplo. Se, de repente, vamos improvisar, aqui, a Inês tem de reconhecer que está ali uma mesa de matrecos, e a partir daí eu sinto que é muito mais seguro. Agora, se eu trago uma cadeira, sei que não a posso pousar no meio do espaço, se a Inês estiver sozinha a dançar, porque pode ser perigoso para ela. Ou seja, é irmo-nos adaptando, e ir brincando com isso.
Inês: Eu tenho uma pergunta para ti [Patrícia]. Tu já falaste com outros artistas com deficiência?
Não, acho que não. Mas isso também é uma boa pergunta para ti. [risos] Que outros artistas com deficiência conheces?
Inês: Eu não conheço nenhum actor profissional de teatro com deficiência visual, em Portugal, pelo menos. Conheço actores surdos que trabalham na Terra Amarela. Conheço um [Vasco Sermão] que vai entrar na nossa escola este ano, que também fez o Quis Saber Quem Sou do Pedro Penim. Estamos em 2024, parece absurdo, mas as pessoas com deficiência ainda não têm tantas oportunidades no mundo das Artes. Ainda estão a dar passos pequenos. Porque, se uma escola com grande reconhecimento a nível de teatro ainda não recebeu assim tantos corpos não normativos, é normal que isso se reflicta no mercado de trabalho. Quando vais aos espectáculos, eles raramente aparecem. Tens uma bailarina e coreógrafa que é a Diana Niepce, que está em cadeira de rodas, mas conta-se pelos dedos os artistas com deficiência em Portugal. Então, nunca tive grandes referências.
“Conta-se pelos dedos os artistas com deficiência em Portugal (…). Nunca tive grandes referências.” – Inês Gonçalves
Matilde: Eu vi um espectáculo, também, do Victor Hugo Pontes [Corpo Clandestino], que tinha várias pessoas com deficiência.
Inês: Mas podem não ser artistas profissionais… Também conheço a Vo’Arte, uma companhia de dança com vários corpos não normativos…
E o projecto Dançando com a Diferença…
Inês: Também… Já vão surgindo, mas em bolhas específicas. Artistas independentes com deficiência, é muito mais raro, porque isso é um pouco seres lançados aos leões. Conseguires fazer uma carreira a solo enquanto artista com deficiência parece ainda meio distante. Mas estares integrado numa companhia que trabalhe com outros corpos não normativos traz um lugar de segurança e de afirmação dos próprios corpos nos palcos. Reconheço que é importante haver as duas vertentes.
Sair da escola e ir fazer carreira no teatro… já é uma coisa desafiante, não é? E para a Inês, especificamente – sentes que existe receio das companhias em trabalhar contigo?
Inês: Eu acho que sou muito selectiva no que vou procurar. Procuro perceber se os encenadores/coreógrafos já trabalharam com outras pessoas com deficiência… Se estão abertos a outros corpos; se na candidatura falam ou se há um espaço onde eu possa falar sobre isso. Isso também já diz muito. Acredito que há pessoas que podem não saber, mas que estão dispostas a saber mais para trabalhar comigo. Há outras que não vão estar. Mas procuro defender-me desse lugar, não me vou candidatar a uma coisa em que eu saiba que, à partida, não estão dispostos a outros corpos. Estão à procura de mulheres brancas, cis… Então, sem deficiência. Também não me interessa trabalhar com pessoas que não me aceitam, enquanto aquilo que eu sou. Quebra completamente aí, o interesse.
Matilde: Eu acho que, para mim, é um bocado a mesma coisa, no sentido em que o nosso mercado já é muito difícil porque há poucas oportunidades. De qualquer das formas, acho que nem a Inês, que tem deficiência visual, nem eu, que não tenho, me tenho de subjugar a certas exigências. A partir do momento em que estamos nesta área, começamos a perceber que tipo de companhias, encenadores e estéticas é que nos interessam; que tipo de comportamentos e ambientes de trabalho é que queremos ou não. E, às vezes, penso: “se calhar vou ter de trabalhar com este, que trata toda a gente mal”. Mas cada vez mais sinto que não me quero subjugar a essas coisas. A nossa área é muito humana; o teatro devia ser um sítio de respeito, empatia. A criação artística parte sempre um bocado daí. Se isso não está presente, não faz sentido.
“Acho que nem a Inês, que tem deficiência visual, nem eu, que não tenho, me tenho de subjugar a certas exigências (…); o teatro devia ser um sítio de respeito, empatia (…). Se isso não está presente, não faz sentido.” – Matilde Cancelliere
Tentam trabalhar com companhias que se alinham com os vossos valores. Mas, em companhias maiores, fala-se sempre das dificuldades, dos orçamentos, para a acessibilidade… mesmo quando há audiodescrição, é só em sessões específicas. Por outro lado, no vosso espectáculo, integraram-na em todas as sessões. O que querem dizer sobre isso?
Inês: Há várias questões. O orçamento que tivemos foi gasto em recursos de cenografia, figurinos, material técnico. As acessibilidades não foram pensadas em termos orçamentais, mas poderiam ser. À partida, teriam sido para pagar a uma intérprete de audiodescrição formal e para o aluguel da cabine e dos materiais de transmissão, ou a uma intérprete de Língua Gestual Portuguesa. Mas não é possível, porque dentro da escola também não há orçamento para isso. Esta tentativa de pensar a audiodescrição é só uma proposta. E ela já estava integrada no espectáculo enquanto motor criativo, por isso não havia razão para haver numas sessões e noutras não. E aí também reflecte a nossa vontade de que as artes do espectáculo sejam mais acessíveis.
Gostavam de fazer outros projectos semelhantes, com esta consciência da acessibilidade? E com esta perspectiva mais integrada?
Matilde: Sim. Eu agora tenho mais consciência daquilo que é preciso fazer para um espectáculo mais acessível, pelo menos para pessoas com baixa visão.
Inês: Ou cegas.
Matilde: Mas não sei se tenho capacidades para todo o tipo de deficiência. Se quisesse, recorreria a pessoas que me pudessem ajudar nesse sentido. Para mim, o espectáculo que fizemos nunca teria sido aquilo se não fosse a presença e o apoio da Inês em guiar-nos. Se calhar, sem a perspectiva dela, não chegaria lá, sou sincera.
Inês: Nasceu de uma necessidade e vontade de uma pessoa que se tornou de toda a gente. Mas é normal, não pensar nestas coisas como uma ferramenta artística, mais do que como uma necessidade. Desde que estou aqui na escola, tenho-me debatido e pensado muito sobre isto. Então, sim, para mim é um sim muito grande. Eu não sei onde é que vou chegar, mas a verdade é que isto tem potencial. Pode ser feito de mil e uma maneiras; só é preciso ter vontade. Quanto mais acessível, melhor. Não é por ter uma deficiência que tenho consciência de todas as necessidades de todas as deficiências; vou-me formando enquanto ser humano todos os dias, aprendendo e trazendo coisas para o trabalho, que vão acrescentar e abrir caminhos. Eu acredito nisto, não é uma moda, é uma coisa que vai servir e atrair muitas pessoas. Daqui a uns anos, espero que haja muitos outros artistas com corpos muito distintos a propor activos no mundo. A presença de mil e um corpos.
“Daqui a uns anos, espero que haja muitos outros artistas com corpos muito distintos a propor activos no mundo. A presença de mil e um corpos.” – Inês Gonçalves
Gostariam de repor esta peça, se tivessem essa oportunidade?
Matilde: Eu acho que sim. Agora… há toda uma série de burocracias. Não sabemos se a escola permite levar isto para outros sítios. A outra é que repor isto implicaria já um salto para o mercado profissional, pagar às pessoas, ter apoios. E muitas vezes, para conseguir apoios, tens de criar e estrear um espectáculo de raiz, o que não seria o caso. E, depois, também, a disponibilidade das pessoas que integram o grupo.
Inês: A minha resposta é mais “não”, porque sinto-me satisfeita por aquilo que fizemos, e também faz parte termos outras experiências fora. Não tenho esse desejo agora, mas um dia posso vir a ter.
E já estão integradas em outros projectos?
Matilde: Sim, no meu caso, é uma produção, no Porto, de um espectáculo no Teatro do Bolhão, onde vou estar como assistente de encenação. Interessa-me também estar no backstage, para pensar como é que poria em cena as minhas ideias. É de Setembro a Novembro e, depois, logo se vê [risos].
E tu, Inês?
Inês: Eu estou a integrar um espectáculo que se chama a Hierarquia do Medo, da companhia NO é (@noeartesperformativas), como bailarina. Vai estrear no festival Dance Dance Dance em Faro. Depois, é outras coisas que vêm a seguir, isto é tudo assim, fast, fast, fast.
Para terminar, o que sentem que retiraram mais deste percurso e desta peça, para o vosso futuro?
Inês: Para mim, é importante estar a trabalhar num grupo que me respeite e me transmita segurança, e em que eu respeito as pessoas. É importante ter essa escuta, já faz toda a diferença. Arriscar, também: isto da audiodescrição não formal também me motivou a querer continuar a experimentar coisas. E sair da zona de conforto.
Matilde: Eu não sei se tenho grande coisa a acrescentar, porque ia falar mesmo sobre isso. Como já estudo há seis anos e já tive algumas experiências profissionais, percebi que para mim não faz sentido estar nesta área se não houver esse bom ambiente de trabalho, esse lado humano de estares com e conheceres as pessoas…
Inês: Porque tens de comunicar pelo toque, pela palavra. É uma coisa tão directa que, se não há esse conforto…
Matilde: … não faz sentido. É fundamental. E este ano foi uma turma mesmo muito importante, senti que eram pessoas mesmo generosas no trabalho, na vida pessoal. Se não tiver isso, não faz sentido. A nível mais pessoal, o que eu retiro do projecto é: deixar de tentar controlar tanto as coisas [risos]. E desafiar-me, também, a confiar no trabalho dos meus colegas: se eu cair, eles estão lá para me agarrar. Sinto [sempre] que nunca posso cair, falhar… E de repente, com pessoas assim, generosas, eu posso-me atirar, e eles estão lá. E isso é muito.
E a Luta, o que é que ela leva?
Inês e Matilde: [risos]
Inês: Não sei, uma boa soneca.
Matilde: Sempre. A Luta é a melhor actriz e a melhor aluna desta escola.
Entrevista realizada a 22 de Agosto de 2024 na sequência da reportagem sobre o espectáculo Tzumtzurumtzum Tzum Pose – Get Ready for the Bacanais.