Entrevista. Max Cooper: “Fazer música para pessoas que a ouvem de forma tão diferente é um desafio”

por Bernardo Crastes,    16 Outubro, 2022
Entrevista. Max Cooper: “Fazer música para pessoas que a ouvem de forma tão diferente é um desafio”
Fotografia de Enda Bowe
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Foi no final do passado mês de Setembro que Max Cooper apresentou o seu último álbum, Unspoken Words, ao público português num concerto imersivo no Cineteatro Capitólio, em Lisboa. Envolvendo-se em projecções psicadélicas ou industriais, num crescendo que foi da música ambiente ao techno pesado, o irlandês disse muito sem precisar de palavras. As mensagens e sensações passaram tanto através das imagens como da música, que agitou os corpos de quem esteve presente.

O músico respondeu a algumas perguntas da Comunidade Cultura e Arte sobre a riqueza dos seus projectos audiovisuais, o seu processo criativo, os hábitos de escuta dos ouvintes, tecnologia e até sobre activismo climático, passando pelas diferentes facetas da persona pública de Max Cooper, um profissional inveterado e tacitamente perfeccionista.

Nas tuas declarações sobre o disco Unspoken Words, mencionas que tens dificuldades em comunicar através de palavras. Apesar disso, o website do projecto contém largas descrições escritas sobre o processo criativo e uma análise da música que se assemelham a um artigo científico. É porque não queres deixar nada por dizer (“unspoken”)? É suposto ser um guia de escuta para o ouvinte?
Posso descrever-te coisas objectivas todo o dia… como uma peça de música foi feita num sentido técnico, quais as ideias visuais com que trabalhei, etc. Mas descrever realmente uma peça de música ou arte transcende-me. A minha experiência com a música é uma mistura complexa, mas coerente, de sentimentos e ideias, que apenas a música em si pode transmitir. Os meus escritos sobre o álbum e capítulos são a minha melhor tentativa de enriquecer a experiência o melhor que posso, mas apenas ao escutares e ao dedicares um momento do teu tempo poderás entender aquilo que estou a tentar comunicar.

Os teus projectos são normalmente bastante complexos e bem formados (os concertos, filmes que acompanham o lançamento, descrições…). Como desenvolves os teus conceitos e quão colaborativo é o processo?
Leio e escrevo muito antes de começar a trabalhar na música, e começo a conversar com colaboradores visuais. Eles empurram-me em novas direcções, trabalham a partir das minhas ideias de base e às vezes reescrevo a música de acordo com as suas opiniões. Não há um formato definido, no entanto; trabalho com cada colaborador visual de forma diferente.

Qual é a parte mais crucial dos teus projectos (ou pelo menos aquela na qual desfrutas mais trabalhar)? É compor a música, produzi-la, criar as experiências audiovisuais…?
As minhas partes favoritas são aprender mais acerca de novas ideias para a estrutura visual e conceptual, e o puro prazer das fases de composição iniciais, em que me perco em formas bonitas até ter de as analisar criticamente e aperceber-me de que metade são merda.

De que forma é que o teu percurso científico influencia o teu processo criativo?
Provavelmente, a forma principal é a crença de que nenhum problema é insuperável. Todo o caminho tem sido difícil e tenho sempre de me esforçar mais do que esperava para tentar alcançar algo semi-decente. Fazer pesquisa científica requer este tipo de atitude.

O que pensas do streaming e dos nossos hábitos de escuta contemporâneos (algoritmos, playlists…)? Quais são os seus riscos e benefícios?
Adoro ter acesso a toda a música em qualquer altura. Mas a escuta de música como algo descartável ou de fundo é algo de que não gosto. Quando ouço música, perco-me nela. Nunca entendo como as pessoas usam a minha música como suporte para estudar, apesar de muita gente me dizer que a usa para isso. Não é surpreendente, dado que passo a maior parte do meu tempo a pensar sobre estruturas musicais, para que elas ocupem toda a minha percepção quando ouço música. Mas a maneira como devo fazer música para pessoas que a ouvem de forma tão diferente acaba por ser um desafio. Acho que é por isso que as minhas faixas favoritas de cada álbum acabam por ser as menos conhecidas, normalmente. Mas, no geral, acho que os sentimentos e as ideias passam na mesma… até ao dia em que fizer o meu épico de folkstep gabber experimental universalmente odiado.

Fotografia de Alex Kozobolis

O design de som desempenha um papel muito importante nos teus projectos. Incomoda-te que as pessoas provavelmente não experienciem a amplitude total de experiências que planeias quando o desenhas?
Faço o meu melhor para que a minha música soe bem em sistemas de som de discotecas, colunas de iPhone, auscultadores manhosos, teatros de som surround e colunas de estúdio. Esse é o desafio. Eu usei alguns elementos simples mais altos para transmitir o básico e depois camadas sobrepostas de maior complexidade e menor tamanho para quem quiser abrir a caixa de Pandora dos audiófilos.

Há algumas novidades tecnológicas recentes ou futuras em termos de produção audiovisual que te entusiasmem em particular?
A potência dos projectores está a aumentar enquanto que o tamanho e o custo estão a decrescer, o que é óptimo dado que o meu objectivo é sempre cobrir tudo de imagens em movimento. Adoro envolver-me a mim e a todos numa realidade alternativa deformada.

Tens-te envolvido em algumas iniciativas de activismo climático. Este é um tema complexo, mas quais achas que são as coisas mais importantes que devemos fazer para garantir um melhor futuro para nós e para o nosso planeta?
Dar a atenção e crédito merecidos às pessoas que passam todas as suas vidas a trabalhar nestes problemas e a apresentar a nós e aos nossos políticos toda a informação e soluções. Temos as ferramentas para lidar com isto e precisamos de incentivar os nossos governos e vizinhos a agir da melhor forma possível.

Tens algum projecto de sonho no qual gostarias de trabalhar?
Koyaanisqatsi 2025.

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