Entrevista. Rodrigo Cuevas: “A tradição está num momento em que está a avançar muito”
Rodrigo Cuevas, o agitador folclórico asturiano estará de volta para dois concertos em Portugal, mais uma vez organizados pelo Misty Fest. Actuará em Lisboa, no dia 3 de Novembro, no Capitólio, e depois no Porto, no dia 4 de Novembro, na Casa da Música. Ambos os concertos serão em sessão dupla, partilhada com o duo português Bandua. Estes concertos acontecerão três meses depois do badalado espectáculo que deu no Festival Músicas do Mundo, em Sines, e que o cimentou como um dos melhores intérpretes ao vivo da música espanhola (e não só).
Foi a partir do México, onde o artista se encontrava em digressão, que tivemos a oportunidade de falar mais uma vez com ele, depois da entrevista que lhe fizemos em 2020, em plena pandemia. Desta feita, a conversa foi sobre o seu mais recente álbum, Manual de Romería, produzido pelo integrante dos icónicos Calle 13, Eduardo Cabra, assim como sobre os seus projectos de dinamização cultural e sobre a tradição e o folclore, temas que lhe são tão queridos.
Neste novo disco, as canções parecem estar um pouco mais direccionadas para estruturas pop. Isso foi um esforço consciente para fazer um trabalho mais directo?
Não foi um esforço consciente. Eu penso que isso tem que ver um pouco com a forma de produzir do Eduardo [Cabra]. Ele produz mais tomando como ponto de partida as estruturas das canções, coisa que não aconteceu tanto no disco anterior [Manual de Cortejo], que era um pouco… as estruturas eram um pouco caóticas. [risos]
Sobre as gravações de campo que incluis no disco, quais são as suas histórias?
Bom, isso foi porque o Eduardo veio às Astúrias e estivemos a gravar por lá, por Leão, por Zamora… Eu queria deixar as gravações tal e qual como estavam; não queria introduzi-las dentro das canções, como fizemos no Manual de Cortejo. Um pouco para que sirvam de referência de onde vêm as coisas e do que é a música tradicional. E penso que também trazem muito ar ao disco, à estrutura do disco. Por isso, bom, quis deixá-las assim.
Então são pessoas que vivem na região, basicamente? Não são profissionais?
Não, não são profissionais. São pessoas mais velhas que aprenderam a cantar em casa ou em festas ou com os seus antepassados: os seus pais, as suas mães, as suas avós…
Que interessante. E depois, como foi a colaboração com o Eduardo? Como foram criadas as canções?
Bom, as canções fui criando-as eu em casa, primeiro, e depois fizemos um trabalho mais de produção, excepto alguma ou outra que criámos juntos. Mas em geral foi: eu levava-as todas escritas e compostas, e nesse momento íamos-lhes dando estrutura, porque a verdade é que eu não me foco tanto nas estruturas, que não me importam tanto e são mais aleatórias, como no outro disco. Foi isso, estivemos a dar-lhes muita estrutura, a procurar harmonias para elas, preenchendo-as, completando-as.
Quando estava a preparar-me para a entrevista, li a biografia que está no teu site e diz que desde 2019 amadureceste de forma muito significativa como artista e como pessoa.
[risos fortes] É verdade.
Que significa isso para ti? De que maneira amadureceste?
Pois, como podes ver, estou maduríssimo. [risos] Penso que desde 2019, desde que fiz o Manual de Cortejo, eu vinha muito do underground, de fazer coisas muito bizarras — muito striptease aquático em palco, muita comédia… Com o Manual de Cortejo, aprendi muito do trabalho de estúdio, que não tinha tão presente em mim, na verdade. Estar num estúdio tanto tempo, quando fazes um disco, penso que é como se fizesses um curso, vais muito mais fundo naquilo que estás a fazer e porque o trabalho de estúdio te obriga isso. Tens de aprofundar muito mais o que é teu, as letras, as músicas… Aprendes a trabalhar o som. E bom, suponho que a biografia se refira a isso. [risos] E porque estou mais velho também, claro!
Parece-me que tens andado mais ocupado. Continuas a ter tempo para passar na tua casa, desfrutando da natureza, cuidando dos animais…?
Menos. Tenho menos tempo, mas sim, tenho. Faço por isso, porque para mim é importante. Ou seja, sempre que me dizem: “Tens estes concertos, estas digressões…”, eu digo que há que encontrar buracos para poder estar na minha casa, porque senão não me saem mais canções. É também uma parte do trabalho, a procura da inspiração nessa parte, porque senão seria tudo mentira.
Desde que falámos da última vez, senti que a tua influência local aumentou muito. Estás muito investido em projectos de dinamização cultural na tua aldeia, como La Benéfica de Piloña ou o festival Una Señora Fiesta. O que sentes que esses projectos fazem pela vida da região? Sentes uma mudança na maneira de pensar das pessoas?
Penso que sim, sobretudo no projecto de La Benéfica. Porque o da Señora Fiesta, ao fim e ao cabo, é muito pontual e não deixa tanta marca. É um dia em que é verdade que vêm grupos que, de outra forma, não visitariam a aldeia, mas pronto, não é tão transformador. Penso que o projecto de La Benéfica o é. Desde o início, quando o comunicámos publicamente, notámos que gerou um entusiasmo na aldeia que faz falta. Porque num lugar como Piloña não acontecem tantas coisas ao longo do tempo e, de repente, que tenhamos aberto um centro cultural que esteja a funcionar, que tenha um monte de apoios de todas as partes, é muito entusiasmante e realmente notamos nas pessoas que há uma esperança no projecto.
E pessoas que, por exemplo, tenham estado mais envolvidas na tradição de maneira oral ou não oficial, notas que estão a colaborar mais nesse sentido, de uma maneira mais oficial?
Como assim, de maneira oral?
Por exemplo, pessoas como as que aparecem nas gravações de campo. Que o fazem nas suas casas, na sua vida comum.
Sim. Bom, é verdade que, por exemplo, em frente existe o lar de idosos e há parte dessas pessoas que participa muito, que nos ajuda a colaborar. Fazemos apresentações de livros… coisas que não aconteciam tanto em Piloña. E a participação realmente é muito massiva, ou seja, temos sempre muito êxito com o público. Por isso penso que sim, que há muita mais gente a aproximar-se. Para além disso, como é um lugar muito próximo, que não assusta ninguém e que é tão da aldeia, é verdade que as pessoas estão a participar muito mais na vida cultura do que participavam antes.
E desde a pandemia, sentiste uma mudança nesse mundo ou não?
Sim, desde a pandemia veio um montão de gente viver para a aldeia. Penso que La Benéfica também é um pólo de atracção para isso. O que acontece é que também há cada vez mais casas de férias, por isso é mais difícil conseguir alojamento, ou seja, casas para alugar e até para comprar. Estamos num ponto em que há um pouco de problemas com isso.
Sentes que a tradição se tornou estática? Ou seja, que o que se criou já está no passado e simplesmente replicamo-lo ou ainda se continuam a criar coisas novas?
Bom, creio que estamos num momento em que a gente que trabalha com a música tradicional se está a dar conta de que, ainda que a tradição seja enorme e incomensurável, é muito bom continuar a aumentá-la, continuar a escrever letras e melodias, trabalhar com certos padrões que existem na música tradicional mas para fazer música de autor… Penso que muita gente o está a fazer dessa forma. [A tradição] está num momento em que está a avançar muito, num ponto muito actual de não só reinterpretar canções, como também criar e ampliar.
Na última entrevista, disseste que não gostas muito das modas, porque passam sempre. Sentes que, pelo menos, o folclore estar na moda trará algo de benéfico para o mesmo?
Esperemos que sim, mas mete-me sempre um pouco de medo que se converta em algo superficial e em algo utilizado com pouco carinho, ou em algo kitsch, em algo feio. Isso é o que se passa com as modas: as pessoas descobrem que é muito fixe, começa a usar-se e depois de toda a gente o usar, deixa de ser fixe e passa a ser algo antiquado, descuidado e de que toda a gente se esquece. Há sempre esse perigo. Mas pronto, são os ciclos da vida e aceitar que isso acontece.
Já temos dois “manuais” da tua autoria, o de Cortejo e o de Romaria. Pretendes seguir com essa temática?
Bom, agora tenho de fazer um terceiro, porque seria péssimo só fazer dois. [risos] Não sei do que será o terceiro. “Manual de Decadência”. [risos]
Tens colaborações de sonho? Com quem ainda gostarias de colaborar no futuro?
Há muitos artistas com quem adoraria trabalhar. Adoraria trabalhar com a Lila Downs, com… há um artista espanhol que adoro agora, que se chama Ralphie Choo. Conheces?
Sim! Ele vai estar em Lisboa no mesmo dia que tu [Ralphie actuará no Musicbox no dia 3 de Novembro].
Ah, que fixe! A ver se o consigo ver.
O que pode o público esperar dos teus próximos concertos em Portugal?
Podem esperar divertir-se muito. Vamos com uma cenografia muito fixe, com quatro músicos, vai ser o mesmo espectáculo que em Sines [no Festival Músicas do Mundo]. Não sei se estiveste por lá, mas havia muita gente, foi muito bom… Fazemos uma romaria que é como se fosse um circo! [risos] Fazemos momentos de talent show com coisas que estão fora do repertório e creio que as pessoas se divertem muito.