Escritora Alda do Espírito Santo: a alma de São Tomé e Príncipe
Alda do Espírito Santo é, talvez, a personalidade são-tomense que é mais conhecida a nível português. No entanto, são, também, muitos aqueles que desconhecem esta escritora, que se empenhou em funções várias no pós-independência do seu país, sendo Ministra da Educação e Cultura e Presidente da Assembleia Nacional. De igual modo, foi ela a autora do hino nacional do seu país, “Independência Total” (1975), que consagrou o arquipélago como uma nação independente. Porém, e na retina, fica um lastro lírico e literária que culmina os 84 anos de vida, começados a 30 de abril de 1926 e encerrados a 9 de março de 2010.
Alda Neves da Graça do Espírito Santo cresceria numa família de renome da cidade de São Tomé, futura capital do seu país de origem. Ali, estudou até, em 1948, ter ido para Lisboa, onde concentrou os seus esforços no objetivo de ser professora do ensino primário, depois de completar o sétimo ano no Porto. Com isto, seguia as pisadas da sua mãe, que seria, também ela, um dos rostos de uma preocupação pela autodeterminação do arquipélago, inclusive no massacre de 3 de fevereiro de 1953, perpetrado pelo exército português. Seria uma dos membros da Casa dos Estudantes do Império, que albergavam os estudantes provenientes dos territórios das colónias portuguesas. Partiria dela a iniciativa de fundar um Centro de Estudos Africanos, fazendo-o, em 1951, ao lado de futuros nomes consagrados das lutas independentistas dessas mesmas colónias, como Agostinho Neto, de Angola, ou Amílcar Cabral, da Guiné-Bissau e do Cabo Verde. Seria nestas casas que se começaria a reforçar esse espírito de combate em prol da independência dos territórios ultramarinos e que seria protagonizado no regresso dos seus intervenientes a casa. Foi assim que Alda permaneceu ativa, enquanto professora, depois de completar o magistério público, mas também como voz do movimento emancipador das colónias em solo africano. Essa posição valeu-lhe a prisão, no ano de 1965.
A sua luta não cessaria, por escrito e por presença, até ao ano em que essa independência se consumaria, 1975. Em conjunto com as funções que assumiria futuramente, em conjunto com a de Presidente da União Nacional dos Escritores e Artistas de São Tomé e Príncipe, começaria a publicar os seus livros, entre eles “O Jorgal das Ilhas” (1976) e “O Nosso o Solo Sagrado de Terra” (1978), assim como uma notável presença na antologia “Daughters of Africa” (1992), que agrega mais de duzentas expressões orais e escritas de vozes africanas no feminino. Mas é a poesia que lhe traz e lhe acrescenta um rasgo verdadeiramente vivo e imponente, capaz de captar o sofrimento da repressão e da necessidade de, enfim, ser livre. É uma incansável voz de luta e de protesto, que imortaliza no hino nacional, sacralizando o território como símbolo da união nacional independente. A sua poesia é uma viagem por entre as memórias coletivas e pessoais, que buscam a resolução de um sentimento de justiça que permanece latente, por se resolver e se concretizar.
Lá no “Água Grande” a caminho da roça
negritas batem que batem co’a roupa na pedra.
Batem e cantam modinhas da terra.
Cantam e riem em riso de mofa
histórias contadas, arrastadas pelo vento
Riem alto de rijo, com a roupa na pedra
e põem de branco a roupa lavada.
As crianças brincam e a água canta.
Brincam na água felizes…
Velam no capim um negrito pequenino.
E os gemidos cantados das negritas lá do rio
ficam mudos lá na hora do regresso…
Jazem quedos no regresso para a roça.
“Lá no Água Grande”
Usa, claro está, a Natureza e os recursos naturais à sua disposição para fortalecer o sentido de identidade da sua poesia e da sua voz, que ressoa à necessidade de descobrir uma expressão verdadeiramente são-tomense. Mas a sua mensagem poética não se fecha na necessidade do seu país se encontrar, mas, de facto, de toda a África se encontrar, na plenitude das suas realidades e das suas verdades, apoderadas pelos invasores. É uma reivindicação coletiva aquela a que Alda se refere, o reencontro com a terra e com o mar, com as raízes que conhecem, de verdade, aquilo que é o mais autêntico e pleno. Dá voz à esperança desse encontro se dar e de, com ele, fazer valer o discurso de autodeterminação, inalienável às comunidades do seu país e do seu continente. Os seus companheiros nas Casas do Império ajudam-na a esclarecer essa posição e a manifestar o seu combate, com referências a tantos outros rostos da emancipação social e política pelo mundo fora, desde Cuba e Chile até Timor-Leste. É um cantar sempre jovem e fresco, com bases nas lutas que partem de fundamentos raciais, tão flagelados nas causas nas quais se denuncia a discriminação.
Como grande sumo da sua poesia, está, não só o seu país e o seu continente, mas uma ideia de amor universal, que seja fraterno e inclusivo, que se estenda a todos, sem exceção, do inanimado ao humano. É uma causa que merece o seu entusiasmo e o seu vigor, para além de uma dedicação inabalável, que assenta nos valores nacionalistas e na liberdade e justiça para o “solo sagrado”, muitas vezes com o “nós” à mistura. É por isso que, também, não se dispensa uma viagem pelo passado, onde se encontra a dor e o sofrimento subjacente à escravatura que tanto esteve presente naquele seu arquipélago. A sua poesia de intervenção é, mesmo assim, preenchida pelo amor às causas, às ideias, às pessoas, mobilizando e até superando esse lastro passado de grande opressão e repressão, com vista a um caminho de exaltação patriota, onde São Tomé se pode concretizar num palco de luz e desse tal amor. Mesmo quando a independência já é uma conquista assegurada e consolidada, Alda não deixa de problematizar a sua realidade e de colocar a esperança como força maior perante a adversidade e a desilusão que subsiste.
Alda do Espírito Santo transporta, na sua poesia e na sua vida, um vínculo de grande estima e de grande força com as suas raízes, mas com a própria humanidade. Faz da sua vida e obra exemplo de fraternidade e de esperança, que são os dois grandes argumentos da sua luta em prol de um São Tomé e Príncipe independente, reconhecedor da sua identidade, das suas gentes e da sua terra. É uma luta que é sempre municiada pelo amor, que polvilha a sua escrita com o sentido nacionalista e patriota que, ao mesmo tempo, olha para os seus vizinhos e os reconhece em lutas análogas, com a mesma necessidade de se destacarem e de, por fim, se afirmarem. É uma presença, desta forma, viva e enérgica, que não cessa em reconhecer-se como necessária e permanente, mesmo na vitória do amor e da esperança.
Coqueiros e palmares da Terra Natal
Mar azul das ilhas perdidas na conjuntura dos séculos
Vegetação densa no horizonte imenso dos nossos sonhos.
Verdura, oceano, calor tropical
Gritando a sede imensa do salgado mar
No deserto paradoxal das praias humanas
Sedentas de espaço e devida
Nos cantos amargos do ossobô
Anunciando o cair das chuvas
Varrendo de rijo a terra calcinada
Saturada do calor ardente
Mas faminta da irradiação humana
Ilhas paradoxais do Sul do Sará
Os desertos humanos clamam
Na floresta virgem
Dos teus destinos sem planuras…
“Ilha Nua”