Exposição em Londres com obras de Paula Rego evoca período de libertação nos anos de 1980

por Lusa,    11 Setembro, 2023
Exposição em Londres com obras de Paula Rego evoca período de libertação nos anos de 1980
“Paula Rego, Histórias & Segredos” (2017), filme de Nick Willing
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Uma exposição com obras de Paula Rego (1935-2022) dos anos de 1980, período de grande libertação e de auto-descoberta da pintora portuguesa, vai inaugurar a 22 de setembro na Victoria Miro Gallery, em Londres, no Reino Unido.

Intitulada “Letting Loose”, a mostra apresenta um conjunto de obras que “talvez mais do que quaisquer outras, ajudaram [Paula Rego] a compreender-se a si própria e aos que lhe eram próximos“, segundo o filho, o realizador Nick Willing, citado num texto no sítio ‘online’ da galeria britânica.

Na década de 1980, essa fase de metamorfose conduziu a grandes descobertas e transformação criativa para a artista, que viu as suas primeiras grandes exposições acontecerem no Reino Unido e nos Estados Unidos, recorda a galeria onde a mostra ficará até 11 de novembro.

Afastando-se de um processo de fazer colagens — material de desenho e pintura que depois cortava e organizava em sofisticados puzzles figurativos — [Paula Rego] começou, em vez disso, a envolver-se na sua paixão de infância pela pintura como jogo. Trabalhando de forma rápida e fluida, abraçou a liberdade como metodologia, inventando um elenco de humanos, animais e criaturas híbridas que, por sua vez, lhe permitiram contar a sua própria história“, recorda o mesmo texto.

Estas mudanças de direção temática e pictórica deram origem a importantes corpos de trabalho, incluindo “Rapariga e Cão”, as pinturas da Ópera e “As Raparigas Vivian”, além de pinturas inspiradas por uma primeira visita a Nova Iorque, em 1983.
Até ali, a colagem tinha permitido à artista fazer comentários clandestinos sobre a sociedade, e o regime fascista português em particular, mas o seu novo método de trabalho, especialmente o uso do antropomorfismo, “ajudou a dramatizar os aspetos mais obscuros da natureza humana sem maneirismo ou sentimentalismo“.

As memórias e experiências de Paula Rego, as questões de lealdade, amor, paixão, obsessão e ciúme, incluindo as dinâmicas que moldaram o seu próprio casamento — numa altura em que o seu marido, o artista Victor Willing, estava gravemente doente com esclerose múltipla — “emergem nestas obras num processo criativo que a ajudou a identificar os seus sentimentos em relação a determinadas situações”.

Por esta altura, a artista — que estudou na Slade School of Fine Art, onde conheceu o marido — tinha quase 50 anos, era muito respeitada em Portugal desde os anos 1960, mas a sua primeira exposição individual em Londres, realizada na AIR Gallery, só teve lugar no verão de 1981.

No entanto, as obras que serão agora reunidas na Galeria Victoria Miro, rapidamente a estabeleceram como uma voz importante na arte contemporânea, culminando numa exposição individual na Serpentine Gallery, em Londres, em 1988. Um ano mais tarde foi nomeada a primeira artista associada da National Gallery britânica, um reconhecimento que confirmaria a dimensão da sua ascensão durante esta década.

Paula Rego costumava dizer: “A razão pela qual faço quadros é para descobrir coisas“, e séries como “Rapariga e Cão” revelam a exploração dos seus sentimentos por Willing, incluindo as emoções complexas provocadas por cuidar dele quando estava doente.

Concluídas em 1983, as pinturas de Rego sobre a Ópera, por outro lado, recordam as visitas ao Teatro São Carlos, em Lisboa, com o pai, nos anos de 1950, “e a sua excitação com a intriga e o escândalo que se desenrolavam tanto no palco como fora dele“.

Num artigo publicado no início deste mês pelo jornal britânico The Times, o filho de Paula Rego recorda essa fase transformadora da mãe, relatando que ela atribuía a metamorfose na sua obra à influência da visita de um amigo, o artista português João Penalva, que, numa ocasião, a viu prestes a cortar um macaco do seu trabalho.

Porquê cortar esse macaco tão bonito, Paula? Não o podes deixar assim?“, perguntou-lhe Penalva, no atelier.

A sério? Posso fazer isso?“, exclamou a artista, entrando numa década de excesso, libertação e desprendimento de regras anteriores: “De repente, já não era preciso fazer arte” — dizia a criadora — “Podia fazer-se qualquer coisa”, de tal forma que o filho chegou a comentar, sobre o seu trabalho “Mãe, estás a ficar maluca!“. Ao que Paula Rego respondeu: “Não, querido, finalmente estou sã“, recorda Nick Willing no texto sobre este período criativo da mãe.

A exposição na Galeria Victoria Miro será acompanhada de uma nova publicação, com um ensaio de Cecilia Alemani, a curadora que foi responsável pela Bienal de Arte de Veneza de 2022, e que decidiu reservar uma sala dedicada à obra de Paula Rego, nessa edição da exposição internacional.

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