First Breath After Coma deixaram o Hard Club emocionalmente despido
Os First Breath After Coma já não são os vigilantes contra o esquecimento que eram em 2013. Nem são, tão-pouco, os viajantes em direção ao infinito de 2016. Há uma grande diferença entre os First Breath After Coma pré-NU e os First Breath After Coma pós-NU – dentro e fora dos palcos.
Pelas nove e vinte da noite, a entrada do Hard Club está cheia de pessoas e as filas para as bilheteiras estendem-se como centopeias. Ao entrar na Sala 1, a expetativa paira sobre as cabeças, juntamente com as conversas e as luzes. Uma cortina prateada serve de cenário aos instrumentos pousados no palco, solitários e ansiosos por serem acarinhados.
Os cinco membros da banda de Leiria entram já depois das dez da noite, mas ninguém parece importar-se com o atraso. Nesta noite em que NU é apresentado pela terceira vez – após os concertos no Teatro José Lúcio da Silva em Leiria e no Estúdio Time Out em Lisboa –, a banda arranca com “The Upsetters”, a primeira faixa do disco.
“Like a second skin, I will shield your maze, I will take the punch, I will take the blame. I will feel your pain”. A promessa feita vem do fundo da essência dos músicos. Segue-se “Howling for a Chance”. “God damn, I fucking love you”. Esta última frase da música é gritada em uníssono, com uma emoção que perdura e é transmissível sem necessitar de contacto físico. Da fragilidade passa-se para a atração, numa ligação que parecia não ter, mas que, aqui, faz todo o sentido.
First Breath After Coma é mesmo isto. Emoção. Sentimento. Confusão. Um verdadeiro melting pot – como diriam os ingleses – de tudo o que vai cá dentro. E, com tudo o que se passa no interior, a atitude da banda mudou relativamente ao exterior, assim como a do público. Nos seus concertos, era habitual acontecer uma união entre músicos e público. As notas musicais flutuavam pelo espaço, suspendiam o tempo e transportavam tudo e todos para um outro espaço, um em que os sonhos se tornam realidade e a dor existe, mas apenas para nos tornar mais fortes.
Agora, sente-se alguma distância entre palco e audiência. João, Rui, Roberto, Telmo e Pedro tocam em fila, como sempre foi a sua disposição em palco. Mas tocam de uma forma quase introspetiva – talvez pela natureza do álbum em si. É algo difícil de passar para palavras. Como se de fios invisíveis se tratassem, as melodias e as palavras ligam todos na sala numa experiência de reflexão, viagem pela memória e pelo que nos torna… bem, nós próprios. Não obstante, expressões de felicidade pura podem ser vistas na primeira fila, o que demonstra que esta não é uma situação má, apenas diferente. Em “Change”, o segundo single de NU a ser divulgado pela banda, vislumbra-se o formato dos últimos anos: o público canta com Roberto e ondula ao sabor do ritmo.
O vocalista faz a segunda pausa da noite para explicar que irão tocar algumas músicas dos outros álbuns. Se não o fizessem, afinal, o concerto teria só 35 minutos, que é a duração de NU. Ouvem-se “Apnea” (a única música que tocam de The Misadventures of Anthony Knivet) e “Nagnami”, que despertam gritos de alegria. De seguida, Roberto explora o conceito e o processo de criação deste novo trabalho. Refere a casa que restauraram e na qual os cinco habitaram por vários meses.
“Acabou por alterar um bocadinho o processo criativo que nós tínhamos em mente. Nos dois primeiros álbuns era sempre, ‘a esta hora é para ir ensaiar, vamos fazer barulho’, todos ao mesmo tempo. E aqui pensamos, ‘calma, agora é que vai ser a sério, vamos ensaiar todos, temos 24 horas para ensaiar’, e isso acabou por ser um bocadinho diferente. Não aconteceu como nós queríamos, ou como estávamos a pensar; a nossa sala de ensaios às vezes só estava ocupada por um ou por dois. Acho que nunca aconteceu estar ocupada pelos cinco. Isso acabou por tornar o NU num álbum muito íntimo e pessoal de cada um, com várias particularidades de cada um bem explícitas no álbum. A próxima música, que é a “Please, Don’t Leave”, é um exemplo disso”.
“I’m crawling on my knees (please don’t leave)”. O público junta-se à súplica dos cinco leirienses, como se a dor fosse sua também. Segue-se “Uneasy”, uma música que desce ao desespero nas profundezas do ser humano. “Don’t give up now, fight for us now”.
Regressa-se a Drifter por um pouco. “Tierra Del Fuego: La Mar” e “Tierra Del Fuego: Nisshin Maru” são duas epopeias de outro mundo. São uma ode à aventura, à sobrevivência, ao partir sem destino e a todos os que lutam por algo. Várias pessoas no público exibem expressões de quem acabou de conquistar alguma coisa, como se as peças do puzzle se tivessem alinhado dentro de si.
“Salty Eyes” desperta o público do transe em que estava imerso. Canta-se, dança-se (ou bamboleia-se, talvez seja o termo mais correto) e entoa-se “uh uh uh uh uh uh uh uh” a plenos pulmões. A sensação de pertença a um organismo único, que respira e se move a um só compasso, é partilhada, decerto, por todos os presentes. Este é o momento em que se relembra os First Breath After Coma pré-NU.
Os músicos passam de “Salty Eyes” para “Heavy” sem parar de tocar – uma transição surpreendente. Esta música é, também ela, recebida de braços abertos pelo público. O primeiro single é a música de NU com que os fãs têm relação há mais tempo e, talvez por isso, parece ser a sua favorita. Com a frase “I won’t hide and hope that all has changed, I’ll stay home today”, a banda sai do palco sem grandes demoras. Algumas pessoas no público ficam visivelmente confusas, mas o grupo regressa passado alguns minutos.
Antes de iniciar “I Don’t Want Nobody”, Roberto dedica a música a Rui Paixão, o ator que figura no filme de NU, a outra metade inseparável deste álbum visual. “Ele fez tudo sozinho”, refere o vocalista, elogiando a representação e entrega ao projeto. Esta última música de nove minutos é, provavelmente, a mais arrebatadora do disco. Deixa a audiência perplexa e em completo silêncio.
“Feathers and Wax” é a segunda música deste encore. Apesar da boa receção da sala – bastante cheia, embora não esgotada –, esta seria uma última escolha invulgar para o alinhamento. Assim, o segundo encore já é esperado.
“Se quiserem, à saída, trouxemos umas coisas para vocês. Até uma próxima, obrigado”. Os First Breath After Coma sobem ao palco para aquela que será a derradeira música da noite. “Blup” é a terceira faixa de Drifter e uma das mais épicas da banda. Em cinco minutos, põe o público a bater palmas ao ritmo da música e a repetir “and I will flow with it” como se de um mantra se tratasse. O concerto acaba com um excelente espetáculo de luzes a acompanhar os gemidos da guitarra.
Ofegantes, mas de coração cheio, Roberto, Telmo, Rui e João despedem-se do público, enquanto Pedro atira baquetas. O amor dos fãs é expresso efusivamente, numa última tentativa de mostrar à banda o impacto que a sua música tem.
Os First Breath After Coma seguem para a quarta apresentação de NU em território nacional (em Coimbra), antes de partirem pela Europa fora – para continuar a espalhar as músicas que nos deixam emocionalmente despidos.