First Breath After Coma: “‘NU’ é o álbum mais íntimo que fizemos”
Na segunda-feira passada fomos até Reixida, à Casota Collective, ter com os First Breath After Coma. A banda leiriense, fundada em 2012, vai lançar o primeiro single, do novo álbum ‘NU’, a 14 de Dezembro e nós aproveitámos a oportunidade para os entrevistar. Com um discurso fluido é notório o entusiasmo que sentem pela música que criam. Recuámos ao passado, incidimos no presente e sem darmos por isso a noite foi avançando. Deixamos aqui o registo desse serão em que subimos à serra para ouvir, pela primeira vez, “Heavy”.
O vosso último álbum vai-se intitular ‘NU’. Porquê esta escolha?
O nome ‘NU’ surgiu porque nas primeiras experiências, aventuras, ideias que surgiram para este álbum, a nível musical e a nível de conceito, soavam-nos mais nuas, mais cruas, mais despidas do que alguma coisa que alguma vez tínhamos feito. Acabámos por perceber que era esse o caminho que queríamos seguir e que nos íamos afastar, um bocado, de uma sonoridade mais expansiva e ambiental. Quisemos tornar a coisa mais seca, mais crua, mais direta. ‘NU’ pareceu-nos um nome tão simples, tão bonito e que descrevia perfeitamente este caminho que nós queríamos seguir. Entretanto já completámos o álbum e realmente foi mesmo esse o caminho. Por isso o nome faz todo o sentido.
Todas as vossas músicas são escritas em inglês no entanto, desta vez, optaram por um título em português. Qual a razão?
É curioso porque nós já tínhamos comentado que era engraçado explorar um título que fosse português e que fosse facilmente usado em inglês. Na verdade, se formos a pensar há um estilo musical chamado Nu Jazz. Investigámos e verificámos que é uma palavra utilizada em nichos. Logo não é muito utilizada, mas não é completamente estranha. Certamente não vai ser um problema uma vez que é uma palavra facilmente pronunciável.
Já pensaram em escrever músicas em português?
Não. Nunca foi uma ideia.
Fazendo uma pequena retrospetiva desde o surgimento da banda, ao lançamento do primeiro álbum The Misadventures Of Anthony Knivet, às conquistas alcançadas e aos festivais que participaram podemos afirmar que o caminho tem sido bastante positivo. A nível nacional já ocorreu uma consagração da banda e a nível internacional uma significativa divulgação. O que pretendem alcançar com este novo disco?
A progressão tem sido step by step. O primeiro álbum virou a atenção para o que fazíamos cá dentro. O segundo Drifter julgamos que afirmou o nosso trabalho em Portugal e suscitou interesse no estrangeiro. Achamos que o que pretendemos com o último é consolidar a aceitação lá fora. Alcançar com este álbum o que alcançamos com o Drifter cá. Aquilo que mais queremos é sempre o mesmo. Tocar, fazer música e ambicionar um dia viver só disto.
Referiram um aspeto importante. Consideram que já conseguem ter independência financeira para viver só da música?
Ainda não. A palavra chave é rentabilizar. Tentamos sempre juntar para podermos ter um bolo comum que nos permita poder gravar as nossas músicas, fazer os nossos vídeos, como é o caso agora da Casota Collective que basicamente é da banda. Esta tentativa de rentabilizar permitiu-nos neste álbum fazermos tudo: criação, produção, masterização. Tudo. O produto final vai sair diretamente das nossas mãos. No primeiro e segundo álbum nós fazíamos aqui o grosso, depois íamos a um estúdio gravar e posteriormente enviávamos para masterizar. A verdade é que, com esta tentativa contínua de rentabilizar, o custo deste novo álbum já vai ser inferior aos anteriores. Felizmente temos crescido o que nos permite retirar x dinheiro para cada um de nós e o restante colocar para a banda. Ainda necessitamos de uma fonte de rendimento paralela apesar que, por vezes, torna-se difícil conciliar tudo. O crescimento do projeto Casota Collective foi o melhor que nos aconteceu uma vez que nos permite ser patrões de nós mesmos e desta forma acabamos por conseguir equilibrar a balança.
Têm receio, de um dia, ficarem reféns do dinheiro na parte da composição?
Nunca. Nunca vai acontecer isso. Se por acaso um dia tivermos esse condicionamento financeiro o que pode acontecer é em vez de estarmos a full time a criar um álbum passamos a fazer de forma mais regrada, mais lentamente porque teremos de conciliar com outras atividades. Ou seja levamos mais tempo mas nunca na vida iremos comprometer a composição. Já que não dá muito dinheiro, que nunca vai dar, ao menos que façamos algo pela qual temos orgulho total.
A Casota Collective e os First Breath After Coma de que forma se cruzam? De que forma se influenciam?
Apesar de só três elementos da banda fazerem parte da Casota, neste álbum propusemos desde inicio fazer este álbum visual. Isso implicava os conhecimentos da Casota e a mistura com as ideias e com o álbum que ia surgindo. Nestes últimos meses houve uma fusão completa da banda com a Casota. Tornou-se uma coisa só e é assim que temos trabalhado. É muito óbvio e muito claro as influências de cada um em cada trabalho. O que acabou por acontecer foi sermos nós a fazer tudo o que resultou numa coerência muito maior do que fosse alguém exterior a fazer. As ideias que nos saíram da cabeça, do coração para a criação deste conceito e deste álbum foram as mesmas que também surgiram para o tornar visual. Pela primeira vez pensámos em simultâneo a nível auditivo e visual. É um todo. Uma obra sensorial.
Vão lançar algum DVD a acompanhar o álbum?
Não. O álbum vai sair única e exclusivamente em formato audio, como sempre saiu, em CD e VINIL. Posteriormente estreará o filme. Este vai ser apresentado em pedaços. No dia 14 juntamente com o single sairá o primeiro pedaço. E assim sucessivamente. Os pedaços do filme serão como peças de um puzzle que só ficará completo com o lançamento do vídeo final.
Os dois primeiros discos contavam uma história. Acontece o mesmo neste?
Nos dois primeiros álbuns inspirámo-nos em coisas exteriores, olhámos para fora. Neste álbum, pela primeira vez, olhámos para dentro. É o álbum mais íntimo que alguma vez fizemos. E isso fez toda a diferença. Pusemos as nossas experiências pessoais na música. Olhámos para dentro e refletimos a nível sonoro.
Conseguem ter uma visão imparcial na parte da produção uma vez que são responsáveis pela criação, produção e masterização do mesmo?
Parece-nos que muitas vezes se recorre a um produtor para acrescentar um cunho pessoal. Quando é um bom produtor torna-se mais um elemento da banda que ajuda a polir as arestas. Neste momento da nossa vida, neste álbum em especifico não sentimos necessidade de haver alguém a polir o que fizemos. Saiu genuinamente de nós, nu e cru. Logo não pode ser balizado por outras pessoas. É tão bom podermos ter esta liberdade. Não poderia haver alguém a intrometer-se em algo tão pessoal, tão nosso.
Têm alguma participação especial neste álbum?
Ninguém. Absolutamente ninguém. Foi algo deliberado, pensado. Tínhamos uma os duas situações específicas que ponderámos mas chegamos a conclusão que não fazia sentido. As músicas são tão puras que não valia a pena forçar.
A Omnichords Records, vossa editora, possui inúmeras bandas desde os Whales, à Surma, Nice Weather for Ducks, Jerónimo, Few Fingers entre outras. A convivência no seio da Omnichords influencia-vos de alguma forma?
A nível musical não acontece. A nível de interajuda e companheirismo é cem porcento. Na verdade estamos aqui a ensaiar e logo ao lado temos uma série de salas onde ensaiam os Few Fingers, Whales, Nice Weather… Criasse aqui um ecossistema em que estamos completamente em contacto uns com os outros, em partilha. A nível sonoro, apesar de fazermos parte da mesma editora, cada banda segue caminhos separados.
Para terminar a imagem da capa do disco é uma pintura?
Ainda bem que perguntam para podermos esclarecer essa situação. O que saiu não é uma imagem do álbum. O que temos lançado nas redes sociais são miniaturas, aproximações da capa do álbum. A capa é um quadro de um pintor holandês que surgiu muito cedo na concretização do álbum e que nos inspirou profundamente. Adorámos a pintura e possui um conceito que depois explorámos, explorámos, explorámos. Acabou por ser o elo de ligação entre as várias músicas e o vídeo. O conceito é o labirinto. Entretanto demos de caras com uma passagem do escritor Murakami que fala de um ritual que ocorria na antiga Mesopotâmia. Esse ritual consistia em prever o futuro a partir dos intestinos dos animais. Basicamente era o conceito do labirinto como sendo as nossas entranhas. Ou seja nós na verdade somos um labirinto e o que está à nossa volta é uma projeção do que está dentro de nós. A procura por quem nós somos é um labirinto. Este conceito é uma peça fulcral no nosso álbum.
Desta forma acabou a conversa com o Telmo Soares e o Roberto Caetano. Estes dois elementos da banda foram os interlocutores da noite. É impressionante constatar a dedicação, a versatilidade, o talento a maturidade deste grupo de amigos. Em Reixida, distrito de Leiria, criaram uma residência artística onde têm morado desde o começo da concretização deste álbum. Criaram o seu próprio casulo. Casulo este que também é frequentado, utilizado por outras bandas. Aqui falámos, escutámos o primeiro single “Heavy”. Poderíamos descrever o que sentimos quando o ouvimos, mas não queremos tirar o efeito surpresa, o impacto auditivo que causa a primeira vez que ouvimos algo novo.
Entrevista de Ana Moreira e Idalécio Francisco