Greta Thunberg, a dogmática
O alarido com que esta criança escandinava tem irrompido o discurso público deve fazer todos pensar que afinal de contas talvez esta questão das alterações climáticas pode ser mesmo grave. O que pode então levar a esta transformação na psique da sociedade? Esta é talvez a maior lição de Greta Thunberg.
As suas exigências, deixando-nos de modéstias, são muito parcas. A Ciência (qual ciência, ou qual das ciências?) já alertava para estes perigos há cerca de 50 anos, como Al Gore nos mostrou no seu documentário “An Inconvenient Truth” em 2006. Por isso para aqueles que até agora não sabiam, eu digo que a jovem sueca tem uma importância simbólica. Acima de tudo, questiono ainda, qual é a verdadeira importância de discursar em variados parlamentos nacionais, tendo ido ainda ao mais ineficaz de todos – o Europeu – numa cerimónia onde a tecnocracia europeia demonstrou bem qual o respeito que não tem quer por Greta quer pelo Ambiente, onde quase toda a sala estava ocupada por adultos agarrados aos seus smartphones só para que pudessem em primeira mão registar a efeméride, sendo o resto ocupada por jornalistas, claro. Nem em face de algum nervosismo (natural) da oradora, conseguiram alguns mostrar compaixão revelando o seu rosto para ela e quiçá, esboçar um sorriso. No império da tecnologia o ambiente (como o sentimento) é descartável.
E é por isso que lhe chamo de dogmática. Greta é inflexível e não dialoga com quem não a percebe. (cf. Channel 4 News) Foi até bem recentemente Zizek que ressalvou esta sua característica, por sobretudo ser uma criança, sendo a sua maior qualidade o seu dogmatismo – “Her autism is part of her magic. At a certain level we need a type of dogmatic approach today.”. Contrastando com a era em que vive, a jovem sueca não é uma cínica; com ela as fundações dos média e da ciência que mentem deliberadamente, morrem (embora apenas simbolicamente também).
Os cínicos originais, os gregos, desconfiavam de tudo, em nome de uma descoberta final – a da parrhesia, a verdade. Esta é uma palavra resgatada por Foucault que na década de 80 nas suas célebres conferências na University of California – Berkeley foi referida vezes e vezes sem conta tendo em conta o uso à época ou mesmo as qualidades psico-sociais que uma pessoa cínica possui. Sloterdijk, na sua Crítica da Razão Cínica (1983) e na mesma década que o francês, denunciou ainda mais o papel atual deste novo tipo psico-social de indivíduo; eles são fundamentais à manutenção do sistema porque todas as suas críticas se envolvem de uma negatividade que passa para eles mesmos, indivíduos que apenas trabalham mesmo que estejam contra o sistema, sendo o seu trabalho a maior afronta aos primeiros cínicos como a si próprios, sendo portanto atores sem capacidade nenhuma de mudança pessoal ou coletiva, nem sequer dotados de imaginação.
No mundo sem religião e que acredita só no que lhe serve os seus interesses, a religião – ou melhor, a reconexão, religio em latim – dela é a Natureza. Ela quer uma religação de todos nós para com a natureza e penso que dada a nossa condição original, é-nos mais inerente do que sabemos! Este é o dogma. Nós e a natureza pertencemos a este lugar, enfatizando a mensagem de outras epistemologias existentes como por exemplo na América Latina onde a natureza é vista como a Mãe de várias tribos; outras perspetivas Sul-Sul são também preponderantes; já não há tempo ou luxo para ser um cínico.
Afinal há uma razão pela qual somos Humanos:
“If there were no such normative truths, nothing would matter, and we would have no reasons to try to decide how to live. Such decisions would be arbitrary. We would not be the animals that can understand and respond to reasons. In a world without reasons, we would act only on our instincts and desires, living as other animals live. The Universe would not contain rational beings.”
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On What Matters: Volume TwoAcima disse que a sua importância se reveste de um simbolismo porque até agora, ou se quisermos, desde Paris 2015, nada foi feito. “Mas há coisas a serem feitas!” – excelente! São estas as mudanças que o sistema precisa para que o respeito para com o ambiente seja restaurado? Sim senhor, já reduzi o meu tempo no banho e reciclo, comendo igualmente mais vegetais; concomitantemente, o que é que a Heineken anda a fazer em África? Pegando no exemplo duma empresa multinacional, estacionada numa geografia com condições climáticas intensas que ainda assim, para piorar a situação, explora ainda mais os recursos da região. O impacto dos indivíduos é suficiente para uma mudança? Não. Mas ninguém tem poder sobre as corporações também.
Caso queiramos ser cínicos e ter boa fé, podemos ver alguma benignidade na presença de multinacionais naqueles territórios, mas sabendo os impactos ambientais, bem como as condições inerentes ao lugar, só um louco (mas não um cínico) é que investiria ali; se formos dogmáticos neste caso também podemos achar que qualquer empreendimento europeu ou americano em África é nefasto (embora o Neocolonialismo e a Extraversão existam). Nenhuma das perspetivas é a correta, porque durante anos que foi abolido do nosso pensamento a possibilidade da verdade. Porque a não ser que uma empresa tenha interesses que por sua vez geram lucro, nenhuma ação é encetada. E não há nenhuma empresa que quer investir nas alterações climáticas – porque não dão lucro (pelo menos imediato) – esta é a verdade.
A revolução verde que precisamos, indo já tarde nos danos causados à nossa casa, não pode nascer só com a Greta, embora fique muito contente que alguém como ela tenha surgido. Com a sueca aprendemos que não há volta a dar. Quando ao Ambiente já chegámos ao momento de ser dogmáticos e de exigir uma mudança. Por isso digo que o que ela exige não é suficiente, sem nenhuma culpa própria, não só porque tem apenas 16 anos e não é uma cientista, pois a mudança deveria ser radical. Esta última palavra parece ser o que impede os que estão no poder de efetuar uma alteração que seja. Ou de fazer convencer os que estão no poder (político, os Governos) de que a abordagem deve ser tão radical que o poder deve voltar ao Estado e não devemos deixar o destino do nosso planeta nas mãos de poucos indivíduos gestores de multinacionais que se regozijam em destruir um planeta ao privar os que mais necessitam de coisas que precisam, e que também, tanto gostam.
Talvez aí a Greta tenha vencido. Mas ela própria precisa de saber esta lição.