IndieLisboa dá a conhecer os filmes da Competição Internacional e da seleção Silvestre

por Comunidade Cultura e Arte,    17 Abril, 2024
IndieLisboa dá a conhecer os filmes da Competição Internacional e da seleção Silvestre
“Dormir de Olhos Abertos” (2024), Nele Wohlatz
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O IndieLisboa acontece de 23 de Maio a 2 de Junho.

Com filmes provenientes de diferentes geografias e movimentos, a Competição Internacional, a secção do IndieLisboa que reúne trabalhos de novos e promissores realizadores, reflecte a procura de linguagens estéticas e formais inovadoras, assim como o esbater de fronteiras entre géneros e cânones. Acima de tudo, é uma secção que pretende ser uma reflexão sobre o estado do mundo, agora. No total são 12 longas e 34 curtas e aqui ficam alguns destaques.
 
Nas longas, El Auge Del Humano 3, de Eduardo Williams, um realizador recorrente no festival, usa um dispositivo original e intrusivo – a câmara de 360 graus – para explorar as inquietações de um grupo d e pessoas. Rising up at Night, de Nelson Makengo, um filme que visita Kinshasa, numa altura em que a República Democrática do Congo está envolta em turbulência. O foco do filme é a construção de uma central elétrica, ao mesmo tempo que a cidade está com dificuldades de acesso a electricidade, sendo as noites, metaforicamente e não só, bem mais escuras. The Feeling That the Time for Doing Something Has Passed, de Joanna Arnow, não vai conseguir escapar a comparações a Lena Dunham, não só por  esta ser uma entrada para o cânone da rapariga sexual contando com humor e alguma perversidade, mas também porque Arnow realiza, protagoniza, escreve, edita o filme — a sua primeira longa metragem. O filme, um mosaico cómico das experiências da sua Ann, mostra-nos o seu emprego corporativo, a sua família quezilenta e as suas relações casuais que envolvem BDSM. Malqueridas, de Tana Gilbert, debruça-se sobre uma comunidade chilena que vive uma existência invisível aos olhos da sociedade: a de mulheres na prisão. Num gesto corajoso, as imagens que vemos foram captadas clandestinamente, através de telemóveis, um objecto proibido. Entre a pobreza e a saudade, o que se transmite e transcende as paredes que cercam as mulheres é o amor pelos filhos distantes e a força das ligações que se criam em confinamento.

“Dormir de Olhos Abertos” (2024), Nele Wohlatz

Dormir de Olhos Abertos é uma delicada e cómica série de enganos passada no Recife, Brasil, em que personagens — Kai e o seu coração partido, Fu Ang e as suas ambições para além da loja de chapéus de chuva, e Xiao Xin na sua torre de luxo a viver temporariamente enquanto emigrante — se vão encontrando e desencontrando  não-linearmente, como se fosse uma colectânea de postais fragmentados. O filme de Nele Wohlatz explora questões como a emigração e a ideia de comunidade de uma forma hábil e subtil. E agora algo completamente diferente – The Missing, filme de animação de Carl Joseph Papa, aborda de forma tocante o trauma, físico e emocional, e reconciliação. Eric é um artista dedicado à animação que literalmente não tem boca, pelo que a sua comunicação é feita através de um quadro à volta do pescoço. Demasiado introvertido para confessar sentimentos ao seu colega de trabalho, vive de forma isolada, apesar das tentativas da mãe para o aproximar do mundo lá fora. Até ao dia em que ela lhe pede para visitar o tio Rogelio e a sua forma de pensar muda radicalmente. 

Nas curtas, começamos por 27, a Palma de Ouro de Cannes em 2023, num raro filme de animação vencedor, que aborda a repressão familiar como força castradora, até que um acidente de bicicleta vem alterar essa percepção. Un movimiento extraño, Urso de Ouro para Melhor Curta-Metragem, acompanha uma jovem argentina que trabalha como guarda num museu em Buenos Aires. Para combater as noites aborrecidas, decide começar a prever o futuro. Em Les yeux verts o foco está na presença – e prestação – de Denis Lavant, mítico actor de Leos Carax, Claire Denis, entre outros. Aqui acompanhamos um homem que perdeu a mulher e tem apenas as memórias e algumas cassetes de vídeo que o ajudam a lembrar-se de todos os detalhes dela. Ele quer, claro, recriá-la em toda a sua glória e já só lhe faltam os olhos verdes. Importa destacar uma abordagem comum, um sinal inequívoco dos tempos, e a presença recorrente de filmes cuja temática principal é o uso e a relação com a Inteligência Artificial e o mundo digital, ainda que com leituras bastante diferentes, e pontos de vista mais ou menos críticos. Diamond Himalaya explora um nicho particular da Internet que gira em torno de itens de luxo, em particular a mala Birkin, da Hermès, um item difícil de adquirir pelo seu preço exorbitante; assim se gera o desejo de consumismo. Em Christmas, Every Day, duas gémeas, ainda muito crianças, já possuem uma pegada super popular nas redes sociais, onde as suas experiências com maquilhagem e roupa são vistas por inúmeras pessoas em todo o mundo. A empreitada é apoiada e motivada pelos pais. As imagens geradas por IA são o foco de 512×512, uma exploração de como o factor uncanny destas imagens se pode tornar num objecto de fascínio, especialmente quando tentamos usá-las na escavação de uma obsessão. The Oasis I Deserve aborda o uso integrado de Inteligência Artificial em jogos e filmes, e incorpora imagens assim geradas, mas também conversas com um chatbot que nos revela todas as tendências e preconceitos do ser humano.

Num alinhamento que cruza a ficção, documentário, animação e cinema experimental e não discrimina entre jovens talentos e nomes mais consagrados, a selecção Silvestre para 2024 apresenta 8 longas e 14 curtas. As abordagens podem ser distintas mas partilham entre si uma linguagem autoral singular, numa secção que mantém o foco competitivo mas deixou de ter escolhas fora de competição.  
 
Destacamos duas comédias, de dois realizadores repetentes no IndieLisboa – Between the Temples, de Nathan Silver, e A Traveler’s Needs, de Hong Sang-soo. No primeiro filme, o realizador nova-iorquino explora a crise existencial de Ben, um cantor numa sinagoga que está a perder a voz, instrumento essencial para o seu trabalho litúrgico. Mas nem tudo está perdido; há uma faísca que se acende quando a sua antiga professora de escola reaparece. No filme coreano, Isabelle Huppert regressa, na sua terceira colaboração com o realizador, numa comédia sobre uma mulher francesa na Coreia do Sul, cujos comportamentos não são compreendidos por quem a rodeia. Dedicada à bebida alcoólica makgeolli e entretida a tocar um piano para crianças, vai acabar por descobrir um talento especial para ensinar um pouco da sua língua através da poesia. Um regresso mas num registo completamente diferente, Mambar Pierrette, de Rosine Mbakam, vencedora do Grande Prémio de Longa-Metragem Cidade de Lisboa em 2021 com Les Prières de Delphine, acompanha uma costureira dos Camarões, mãe de três filhos, com um marido que não ajuda nas despesas, uma máquina que tem de reparar e clientes que regateiam o preço das indumentárias que cria. As adversidades vão-se acumulando — não é por acaso que, quando recebe um pagamento, diz que está a receber oxigénio. Mas, apesar de tudo, ainda terá de mostrar a real força da sua resiliência quando sucede uma tragédia. Cidade; Campo, de Juliana Rojas, lida com a estranheza e inquietação das migrações, neste caso do campo para a cidade e vice-versa, e com todas as vicissitudes que as mudanças acarretam. Mas tudo isto também abre a porta da memória e dos fantasmas que trazemos connosco, andemos por onde andarmos.  Arthur, um jovem arqueólogo inglês, acaba envolvido com uma rede internacional de artefactos roubados. La Chimera, o novo filme de Alice Rohrwacher, viaja entre o realismo e a fantasia, a comédia e a seriedade.

Nas curtas, An Asian Ghost Story, é uma história de imperialismo e pós-guerra contada através do objecto mais inócuo: a peruca. Annabelle Amoros mergulha no mundo dos tornados no coração dos Estados Unidos, em comunidades afectadas por estes fenómenos meteorológicos. Tornades mostra as formas como o capitalismo tem de explorar os medos de quem se quer proteger. Lawrence Abu Hamdan, prémio Turner em 2019, regressa ao festival para revelar tácticas dissimuladas que reparou durante durante a pandemia – apesar do tráfego aéreo do Líbano estar parado, o barulho provocado por aviões israelitas tornou-se um zumbido forte e constante nas vidas dos cidadãos, criando uma violência atmosférica. The Diary of a Sky é um filme surpreendente sobre um problema insidioso. Piblokto, de Anastasia Shubina e Timofey Glinin, mostra a vida de comunidade na região mais remota da Rússia, onde a subsistência dos locais está ligada a uma cadeia de alimentação que envolve criaturas como morsas e baleias. Jan Ijäs, que no ano passado foi premiado no festival, regressa com Two Wars, uma curta entre dois cenários italianos com importância nas duas Grandes Guerras do século XX: o mosteiro de Monte Cassino e a ligação com Ludwig Wittgenstein; a vila de San Pietro e a ligação com John Huston.

Antecipando o regresso do IndieLisboa às salas da capital, a distribuidora No Comboio recupera agora filmes da edição passada do festival. A 25 de Abril são quatro os títulos que irão fazer a sua estreia comercial: da Competição Internacional do IndieLisboa’23 chegam aos cinemas o Grande Prémio de Longa-Metragem Cidade de Lisboa  Um Lugar Seguro, de Juraj Lerotić; o Prémio Especial do Júri Canais TVCINE A Barragem, de Ali Cherri;  e o filme de abertura da última edição do festival Algo Que Disseste A Noite Passada, de Luis De Filippis. Já da secção Silvestre chega aos cinemas o filme Aqui, de Bas Devos. 

Os filmes estreiam por todo o país nos cinemas Cineplace e, em Lisboa, o programa será apresentado em exclusivo no Cinema Fernando Lopes, onde decorrerão sessões especiais com a presença de pessoas convidadas e Q&As online com realizadores e elenco dos filmes. Todas as salas e horários serão anunciados em breve. 

Para acabar em festa, a antecipação do IndieJúnior está marcada para a tarde de 5 de Maio, na Musa de Marvila, com uma sessão de curtas-metragens da última edição do festival, para maiores de 3 anos, que inclui o grande vencedor do Prémio do Público – A Poça da Maré. Há jogos, banhos de sol ao som de um dj-set, num terraço com escorregas e esplanada, para deleite de crianças e acompanhantes. 

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