IndieLisboa: “L’Avenir”
Para acabar o IndieLisboa 2016, fomos à sessão de encerramento, na Culturgest, ver L’Avenir, de Mia Hansen-Løve, que ganhou o prémio de melhor realização na Berlinale, o aclamado festival de Cinema de Berlim, deste ano.
O mais recente filme da realizadora francesa debruça-se sobre Nathalie, professora de filosofia no ensino secundário que, por volta dos 60 anos, se vê obrigada a repensar a sua vida. Primeiro, porque a sua mãe, antiga modelo, está deprimida e tem ataques de pânico recorrentes; segundo, porque o seu marido, com quem estava casada há 25 anos, lhe é infiel e, obrigado pela filha de ambos, deixa Nathalie pela amante.
Percebemos que Nathalie é uma professora dedicada e querida pelos alunos, nomeadamente por Fabien, seu ex-aluno, o seu grande orgulho como professora, seu protegido que veio a crescer para se tornar, também ele, filósofo, escritor, professor. O reconhecimento da professora pelo seu sucesso vai, aliás, ao ponto de, na colecção de ensaios filosóficos por ela coordenada, estarem publicados ensaios de Fabien. No entanto, Fabien não é tão apreciado pela editora por introduzir, mesmo que sub-repticiamente, o seu pensamento político nos seus textos. Ora, essa faceta política das personagens, no caso de Fabien uma vertente mais anarquista, é um dos assuntos que o filme está preocupado em discutir, mesmo nunca apresentado respostas certas como, aliás, é marca da filosofia.
Por um lado, Fabien parece ser uma representação prática daquilo que Nathalie seria quando nova. Menos presos a uma vida estável, todos os jovens que rodeiam Nathalie (exceto os seus próprios filhos, dos quais não nos é dado especial contexto) parecem mais libertos, mais disponíveis para arriscar nas suas próprias vidas. De certa forma, essa liberdade chega a Nathalie quando, ao divórcio, se segue a morte da mãe. Ela afirma nunca ter estado tão livre na sua vida, é a primeira vez que sente liberdade a sério.
Estará mesmo lá, essa liberdade? Com ela não existiriam entraves para materializar no seu modo de vida aquilo em que, filosoficamente, acredita. Se Fabien o faz, primeiro através de protestos na rua, depois indo viver, com alguns amigos, para uma casa isolada no meio das montanhas, não será tão certo afirmar que Nathalie seja capaz de o fazer. E é nessa dualidade existente (ou não) em nós, entre aquilo no qual acreditamos e a maneira como vivemos, que decorre o filme.
São diversas e variadas as referências ao longo do filme a filósofos, escritores e pensadores (vêm à cabeça nomes como Rousseau, Schopenhauer, Karl Kraus, Žižek), com algumas das referências como mote para reflexões entre as personagens, entre as quais há, frequentemente, divergências de opinião. Esta abordagem é utilizada, ao mesmo tempo, para nos confrontar com vários tipos de problemas decorrentes do ambiente familiar, caso da infidelidade e do casamento, mas também com a necessidade da inversão de papéis que ocorre quando o filho passa a ter de cuidar do pai (ou mãe, neste caso).
Num filme preocupado em ter uma análise filosófica e política dos acontecimentos que vai narrando, é refrescante também nos depararmos com momentos genuinamente engraçados, caminhando ao longo do filme com um sorriso na cara, correndo o filme o risco de, em certas alturas, não parecer sério o suficiente. É o caso do momento em que Nathalie vai tratar da cerimónia de homenagem à sua mãe, na igreja, em que me parece que o filme beneficiaria de ser um pouco mais solene.
O filme, ainda que sem data definida, deverá estrear nas salas de cinemas convencionais nos próximos meses. Abaixo podem ver o trailer: