IndieLisboa: ‘Love’
Um dos momentos mais esperados da presente edição do IndieLisboa era a estreia nacional em 3D de Love, do argentino Gaspar Noé, no Cinema São Jorge. O próprio realizador esteve presente, respondendo a algumas perguntas após a sessão.
Sessão essa que não começou da melhor maneira já que, após um aviso inicial do próprio realizador de que era possível que alguns óculos 3D (alimentados a baterias) não funcionassem, o aviso se concretizou e, durante a cena inicial, foram várias as pessoas na sala a terem de se levantar para trocar de óculos. O filme teve mesmo de ser interrompido passados cinco minutos, por existirem várias pessoas para as quais já não sobraram óculos pelos quais substituir os estragados. O mais caricato foi ver o próprio Gaspar Noé, ao lado do staff do IndieLisboa, a experimentar os óculos para ver se os mesmos funcionavam. Infelizmente para os lesados, não houve mesmo solução e não puderam assistir à sessão, tendo sido reembolsados. Os representantes do IndieLisboa frisaram o facto de terem substituído as baterias no dia anterior, mas tal precaução parece não ter sido eficaz. Algum amadorismo por parte da organização ou simplesmente azar?
“Ultrapassados” os problemas, às 22h30 a sessão, que era suposto ter tido início às 21h45, recomeçou do início. E a verdade é que o filme faz jus à sua fama pornográfica logo desde o primeiro minuto, começando com uma cena explícita de masturbação mútua, não simulada e com direito a vista sobre todos os pormenores. São várias as cenas deste género que se seguem ao longo de todo o filme, onde, após umas quantas, sentimos demasiado repetição do mesmo. Não deixa, no entanto, de ser inegável a qualidade cinematográfica destes planos sexuais, com os enquadramentos e a luz no ponto certo.
Num filme claramente marcado pelas cenas de sexo, há, no entanto, mais história do que se poderia pensar à partida. Focada no romance entre Murphy (americano, estudante de realização, a viver em Paris) e Electra (francesa, estudante de pintura), a acção desenrola-se tendo por base a descoberta por parte de Murphy, anos após o término desta relação, de que não se sabe do paradeiro de Electra. Num presente onde a única coisa de bom parece ser o seu filho Gaspar, esta nova informação fá-lo lamentar-se da sua vida actual e regressar, mentalmente, ao passado, em busca das sensações que tinha quando estava junto de Electra. É a partir deste ponto de partida que o realizador nos leva, numa cronologia confusa mas bastante bem conseguida, ao longo de várias tentativas de reflexão sobre o que é, mais do que o amor, a paixão (na sessão de perguntas e respostas, Gaspar Noé ressalvou que o filme é mais sobre paixão e perda do que sobre amor, mas que Love era um melhor título).
Usando o sexo, em parte, numa tentativa de nos envolver na intimidade da relação das personagens, o filme peca, no entanto, por não nos conseguir seduzir tanto pelo carácter das mesmas, já que as mesmas parecem, às vezes, demasiado uma caricatura de si próprias. Juntam-se a isto as constantes meta-referências do realizador a si próprio durante o filme, desde os nomes de personagens tirados do nome do próprio realizador (existe uma personagem para cada um dos nomes do realizador Gaspar Julio Noé Murphy), às várias vezes que Murphy refere ser necessário fazer um filme que contenha a dimensão sexual do amor. Se por um lado podemos até, a partir dessas auto-referências, fazer uma ligação entre a personagem de Murphy e o próprio realizador (ambos são estrangeiros a viver em Paris), não me parece que haja muito mais além disso a servir de ponto de comparação entre ambos.
Quanto ao 3D, mesmo descontando os problemas iniciais que não existiriam caso a sessão fosse em 2D, não pareceu ter acrescentado grande coisa ao filme. As cenas sexuais não beneficiaram grande coisa desta adição, sendo que as alturas em que se reconhece vantagens para o meio são aquelas em que os planos decorrem a várias profundidades, como na imagem acima, quando Murphy e Electra falam com Obi, a vizinha do apartamento ao lado, através da janela, onde a adição dessa profundidade ganha com o 3D acrescenta de facto algo ao filme. Outro dos factos, e um ao qual o realizador fez referência, é a imprevisibilidade da cor do 3D consoante a sala. Na sessão do São Jorge foi patente a diferença na palete de cores, que, devido ao 3D, saiu muito menos garrida e mais escura que o pretendido por Gaspar Noé.
Se é inegável que o retrato tão sexual desta história amorosa consegue acrescentar algo que está pouco presente no cinema, facto que leva às comparações com a pornografia, é também inegável que às vezes o filme parece apenas uma experiência acerca das várias dimensões do sexo numa relação, acabando por perder um pouco com a extensão do mesmo, com várias cenas que poderiam ser condensadas, ou mesmo cortadas, sem implicarem uma perda na narrativa ou no ponto que o realizador quereria mostrar. Love tem estreia nas salas de cinema convencionais a 9 de Junho, podendo ser visto em 3D apenas nos cinemas UCI El Corte Inglés e UCI Arrábida. Abaixo podem ver o trailer: