Kurt Vile no Lisboa ao Vivo: como uma guitarra pode ser preguiçosa e optimista

por Tiago Mendes,    27 Outubro, 2018
Kurt Vile no Lisboa ao Vivo: como uma guitarra pode ser preguiçosa e optimista
Fotografia de Sara Camilo / CCA
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Foi com calor que o público do Lisboa ao Vivo acolheu Kurt Vile & The Violators na noite da passada quinta-feira, 25 de Outubro. E com sede de guitarras. O músico, que visitou Portugal três vezes nos últimos quatro anos, tem a sua base de fãs já conquistada, que compareceu fiel a mais esta visita. O ambiente era bem-disposto e tranquilo, enquanto se aguardava pela chegada do músico americano e da banda com quem trabalha.

Mas primeiro fomos acolhidos pelo duo responsável pela primeira parte – a vocalista e guitarrista Meg Baird fazia-se acompanhar de uma outra colega ao comando de uma impressionante harpa. A atmosfera, não totalmente distante das particularidades sónicas dos Beach House, apresentava-se minimalista e envolvente. Uma bonita e lenta introdução, cativante e com laivos de brilho inspiradores.

Fotografia de Sara Camilo / CCA

A característica que mais marca o som de Kurt Vile é a própria atitude com que o músico se expõe em palco; e é interessante que isto se verifique porque, de repente, um estado de espírito, estendido ao comprido sobre a música, imprime sobre a mesma um carácter único, afirmativo e com assinatura de autor. Neste caso, há uma descontracção preguiçosa, um certo desinteresse positivo e sorridente, um vago optimismo. Sobre repetições de malhas de guitarra, que se passeiam pela estrutura interna de cada tema, passeando-se sem grande propósito narrativo. As palavras, essas, assumem as histórias que querem contar – fluem em catadupa, apresentando-se muitas das vezes em enquadramentos despojados de melodia, mas sem que a sua presença se torne secundária.

Ora ao comando da guitarra acústica ora da eléctrica, Kurt é dono de um virtuosismo simultaneamente sensível e pouco sensacionalista. As músicas aparecem despidas – os pretextos são simples, balançados e convencem. Não é que possamos dizer que a diversidade de sons ao longo das quinze canções que tivemos oportunidade de ouvir ao longo da noite no Lisboa Ao Vivo tenha sido especialmente rica – mas as emoções que as malhas, por si só, convocam, têm força. São como que o berço da criatividade da música de Vile, que é depois explorada ao longo da extensão das mesmas – sem pressa de chegarem a lado nenhum, e sem atropelos.

Fotografia de Sara Camilo / CCA

O concerto focou-se principalmente nas canções do novo álbum – Bottle it In – lançado há poucas semanas. E embora “Bassackwards” e “Loading Zones” tenham trazido bom ambiente à sala, que se manteve sempre atenta e aplaudia energicamente, aos ouvidos deste que escreve destacaram-se os temas de Wakin on a Pretty Daze. E não porque os já conhecesse melhor – em 2015 passei algum tempo em volta de b’lieve i’m goin down… , que soava em repetição e dava mais cor ao outono desse ano. Mas Wakin on a Pretty Daze, embora com grande aclamação crítica aquando do seu lançamento em 2015, nunca me tinha chamado especialmente. Ao vivo, contudo, foram os temas desse álbum que mais me conquistaram – desde logo com “Goldtone”, com uma certa força de fundo a querer dar propulsão à alma; sentimento semelhante ao que “Girl Named Alex” também convocou. Já a faixa título surpreendeu pelo efeito sonoro: eis que a guitarra acústica de Vile soava cheia de efeitos, ecos e distorção.

Embora o público não se tenha mexido muito – talvez o formato lazy rock não contribua para que isso aconteça – foi bonito assistir, já na segunda metade, à reacção física de alguns dos presentes, de braços no ar, olhos fechados. Alguém dançava quatro metros à nossa frente, aproveitando um pouco mais de espaço livre, completamente imersa no improviso de Vile ao comando da guitarra. Há um intimismo musical entre a banda, expressa numa coordenação atenta e distribuída, com o baixo a alternar de um músico para o outro entre as músicas. E acima de tudo sente-se ali um carinho latente pelas características mais low-key de que a música também é feita. O que não descartou a possibilidade de um par de tremendos crescendos, quase a roçar a catarse, no final de dois temas. Foi uma noite com tempo para tudo isto, e para escutarmos o tempo passar. Faz falta desacelerar, mas a travagem não implica uma desconexão emocional. Kurt Vile e a sua banda provaram ser mestres nesta bonita arte de se mastigar a música devagar.

Fotografia de Sara Camilo / CCA

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