Weyes Blood no Lisboa ao Vivo: corações iluminados em noite de lua cheia

por Tiago Mendes,    30 Outubro, 2023
Weyes Blood no Lisboa ao Vivo: corações iluminados em noite de lua cheia
Fotografia de Canto/Inês Silva
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Em noite de lua cheia — mais do que isso, de eclipse parcial lunar em noite de lua cheia! — o público lisboeta e português teve a oportunidade de ver subir ao palco Weyes Blood, pela primeira vez desde 2019, esse mundo pré-pandémico. E logo com a particularidade de ser o pontapé de saída da sua digressão europeia. Natalie Mering, a artista americana cuja sonoridade suave e algo retro tem vindo a conquistar o carinho de um público crescente, subiu ao palco do Lisboa ao Vivo e cedo apresentou o seu programa para o serão, inspirada pela lua e pela astrologia: “let’s get freaky”, foi o mote e o convite ao público.

Embora “freaky” não seja exactamente o termo como poderíamos caracterizar a plateia. Com lotação esgotada, as vibes das pessoas na sala exalavam uma mistura de serenidade e entusiasmo. Sentia-se um respeito pelos silêncios, mas também uma conexão constante com a energia da artista. Uma primeira palavra de agradecimento à excelente audiência: não temos o prazer de fazer parte de públicos tão wholesome todos os dias. Boa parte do ambiente intimista e da atmosfera tão acolhedora foi ajudada pelo comportamento e envolvimento do público, que soube ouvir com respeito e se deixou conduzir por Natalie como maestrina das emoções.

Fotografia de Canto/Inês Silva

Ao longo dos 90 minutos do concerto, dos quais os últimos quinze foram encore, Natalie e a sua banda interpretaram temas dos últimos três álbuns da sua discografia. Depois de uma introdução com os dois primeiros temas do seu mais recente trabalho, “And in the Darkness, Hearts Aglow“, lançado o ano passado, fomos várias vezes convidados a fazer “incursões ao passado”, mais especificamente a 2016 (ano de lançamento de “Front Row Seat to Earth”): desde logo com “Diary”, mas também na secção central do concerto, com os memoráveis singles “Seven Words” e, impossível não destacar, “Do You Need My Love”, a fazerem agitar o público com entusiasmo. Natalie avisara: estávamos na fase da noite em que éramos convidados a fazer moche. Mas um “Weyes Blood moche”, como a artista definia numa espécie de dicionário informal, é meramente constituído por uma movimentação de ombros e braços um pouco mais ousada!

Ouviram-se alguns risos no público, ou não fosse o humor quirky e a personalidade da artista um convite para isso mesmo. Tivemos várias oportunidades ao longo da noite de nos rirmos com ela: quando nos perguntou quem acreditava em astrologia e quem achava que era tudo treta; quando partilhou connosco que não se identificava com o seu signo e tinha decidido que até ao resto da noite ia ser escorpião em palco. São piadas a la Weyes Blood, que põem o público bem-disposto. Mas, para além do humor, normal nos seus concertos, encontrámos na postura de Natalie um carinho acolhedor pelo seu público. Isto é, a sua presença foi talvez menos “extraterrestre” do que a que presenciáramos no B.Leza em 2019. Estava mais presente, mais devota à plateia, a quem atirou flores durante a secção de cordas de “Movies“, a última música interpretada antes do encore.

Fotografia de Canto/Inês Silva

As flores foram mais um dos elementos visuais integrantes de uma cenografia simples mas eficaz. O palco, decorado com velas ao lado de cada instrumento, era pautado — durante os temas do álbum mais recente — por uma atmosfera mais escura, em tons de azul profundo, vermelho e rosa, a utilizar a palete da capa e da estética que deu cara a este seu mais recente trabalho. Natalie, com um vestido branco que explorava muito a sua própria transparência, e uma capa expressiva, dançava sob essas luzes sugestivas. Durante a interpretação de “Hearts Aglow“, já perto do fim do concerto, o coração vermelho ilumina-se debaixo do vestido. Entre outros momentos visualmente impactantes: “God Turn Me Into a Flower” teve direito a projecção da première portuguesa (foi assim que Natalie a apelidou) de uma curta-metragem do documentarista Adam Curtis; e o clímax de “Movies” foi ilustrado por sequências aceleradas e emotivas de muitas dezenas de frames de filmes antigos e recentes, num imaginário que é o dela e é o nosso.

A banda que acompanhou Weyes Blood era composta por quatro músicos: teclista, baixista, baterista e guitarrista. Como não destacar a slide guitar deliciosa em “Andromeda” e “Something to Believe“; este último tema, aliás, constituiu uma das surpresas da noite, quando Natalie pediu à banda para ser acrescentada mais essa canção ao alinhamento impresso. Lisboa tinha esperado vários anos por ela, partilhava (e, acrescentamos nós, que estranhos anos que pareceram uma década!); foi um gesto atencioso de uma artista que, visivelmente, estava tocada pelo carinho da plateia.

A complexidade das estruturas de cada tema, com acordes que frequentemente vêm resolver de forma satisfatória as tensões criadas ao longo dos versos (um dos trunfos da carreira da compositora), foram imensamente bem executadas. Tal como, aliás, as “respirações” da bateria que frequentemente antecipam essas resoluções, e que estiveram à vista ao longo de todo o concerto: para isso terá também contribuído a boa mistura de som do espectáculo, à qual só teria acrescentado um pouco mais de volume à voz de Natalie em certas passagens, em que era camuflada pelo som cheio da banda. O problema, repare-se, não foi da cantora! A voz de Natalie Mering — quem a conhece é quase obrigado a reconhecê-lo – é património: com um timbre suave e poderoso, um flow melodioso e uma dicção intencional, ouvi-la é um deleite. Frequentemente no clímax de vários temas Natalie reúne fôlego – sem esforço aparente – e segue com a voz até às alturas, levando-nos com ela. À dela somavam-se as vozes do público, principalmente a acompanhar os refrões.

Capas dos mais recentes álbuns de Weyes Blood: “Front Row Seat to Earth” (2016); “Titanic Rising” (2019); e “And in the Darkness, Hearts Aglow” (2022)

No meio de tanta competência e embalo nas músicas de Weyes Blood, destaco três momentos do concerto (e, curiosamente, uma de cada um dos três álbuns que a artista apresentou esta noite). Os arrepios e a sensação de esmagamento emocional na resolução de “God Turn Me Into a Flower“; a magia encantatória e emocionante de “Movies“; e a exploração psicadélica (no mais experimental momento do concerto) em “Do You Need My Love“. Mas como não destacar a glória de “Everyday“, com Natalie no teclado? Ou o hino “A Lot’s Gonna Change”? A verdade é que, embora algumas pessoas vibrassem mais com as músicas do álbum mais recente e outras reagissem mais efusivamente aos temas antigos, são, no geral, as canções de “Titanic Rising” (2019) que conquistam mais a audiência. Ou não fosse essa a sua obra-prima, álbum que a cada ano que passa mais se sente que será eternizado como um dos mais importantes trabalhos da Art Pop do século XXI (ler a crítica ao álbum aqui).

Cometendo uma inconfidência pessoal, não me considero um dos maiores fãs do seu mais recente trabalho, à excepção de alguns temas. Mas a verdade é que funcionou muito bem ao vivo, o que constituiu uma surpresa para mim (embora, provavelmente, não para a maior parte do público presente!). Cada um dos temas foi apresentado com muita verdade. Natalie dançava no palco, expressava-se com os braços, as pernas a levantarem-se, rodopiava, e entregava-se emocionalmente a cada canção, interpretando-a com um respeito que tornava impossível não lhe dedicarmos a nossa atenção. Penso que foi esse, aliás, um dos grandes trunfos da noite: a presença de Weyes Blood em palco, na maior parte do tempo, é de um brilho emotivo, que vem desse coração iluminado que ela coloca na música que faz.

No final do encore, Natalie interpretou sozinha “Picture Me Better”, tocando uma guitarra com efeitos sóbrios mas belíssimos. Ficou a promessa de que poderá regressar em breve. Sorte terão os portuenses, que no domingo à noite, vão poder assistir ao seu concerto no Hard Club.

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