Lisb-ON Jardim Sonoro: no segundo dia, a dança não pára
Ao segundo dia de Lisb-ON, nota-se que a relva do Parque Eduardo VII já não está tão verde como ontem. Mais pisada, a deixar entrever a terra que se encontra por baixo. Ainda assim, o ambiente é prazenteiro. As tardes têm sido banhadas de sol, o que é perfeito para este tipo de festival. Outra coisa que se nota logo é uma maior afluência de público ao início da tarde, muito provavelmente devido a já estarmos no fim-de-semana.
Chegamos ao recinto a tempo de ver Surma, uma promessa da música portuguesa, a tomar o palco sozinha. A leiriense trata de tudo aquilo que ouvimos, numa mistura de guitarras e electrónica sedutora que soa interessante. No entanto, o som encontrava-se algo baixo, o que reduz ligeiramente a experiência. Para finalizar, há tempo para mais uma, mas Débora Umbelino só a toca se prometermos dançar. Algumas pessoas cedem à promessa, mas àquela altura do dia, ainda sabe bem mantermo-nos sentados.
Mais um dia, mais uma actuação entre concertos da tal banda de ontem, que descobrimos chamar-se Meute. Já são um dos grandes sucessos do festival, muito pelo seu carisma que os faz introduzir-se no meio do público e pô-lo a mexer. Apesar da repetição de canções e sonoridades a cada vez que aparecem, não negamos que é muito melhor que termos momentos mortos.
Que entrem os Sensible Soccers. A cada concerto que vemos, saem-se cada vez melhor. É um orgulho termos uma banda assim em Portugal. O início puxa a deitar na relva e deixar os sintetizadores inundar-nos os sentidos, mas de seguida entram as batidas espaciais, que impelem a bater a pé e mexer os ombros. O sistema de som, que tem sido quase sempre impecável, deixa entrever todos os detalhes das canções que misturam pop rock psicadélico com uma electrónica texturizada. A banda também está notoriamente mais confortável nos concertos ao vivo, passando ao público a sua alegria por estar a fazer o que gostam, que os recebeu da melhor forma.
Neste dia, a altura de levantar chega mais cedo, com os mestres Azymuth. Com 42 anos de uma carreira internacional, que os torna numa das mais importantes bandas brasileiras, Alex Malheiros, Ivan Conti e Kiko Continentino (que substitui um dos membros da formação original, falecido em 2012) partilham com o público do Lisb-ON aquilo a que eles chamam “samba doido”, mas que para nós é a definição de música de fim de tarde. Não havia concerto mais indicado para o festival ou para aquela hora. Passando por diferentes épocas da sua carreira, os Azymuth contagiaram o público com a sua alegria e puseram-no a abanar o corpo. Tocaram até para lá da hora prevista, tal não foi a reacção do público e da banda àquela partilha de amor. E, de qualquer forma, não se interrompem os mestres. “O meu coração está feliz”, diz Ivan Conti. O nosso também.
A massa de gente já se estende até mais longe que na véspera, engrossando para assistir ao set de uma lenda, DJ Harvey, que foi uma lição de como desenvolver mais de duas horas de música de dança sem monotonias. De uma forma fenomenal, o set modela-se ao ambiente, que pela altura do lusco-fusco, com a luminosidade a mudar abruptamente, pedia músicas diferentes. E Harvey Basset assim o fez, com o seu à-vontade e postura características. Inicialmente, com laivos de space disco, dançar ao som daquelas músicas parecia uma viagem, perfeita para perdermos preconceitos e abanarmos o corpo como quisermos. A intensidade aumenta e aumenta até ao final apoteótico de rock, que dá por terminada a actuação do DJ mais cool do planeta.
Por esta altura já temos um dos elementos mais importantes do festival, a iluminação. As árvores deixam-se pintalgar pelos holofotes coloridos, tomando tons de rosa, verde e branco, num jogo de cores sedutor que acolhe o povo. Mais os efeitos de projecção que se manifestam atrás dos artistas, e temos um festival que dificilmente é ultrapassado em termos de beleza.
Quase sem pausas, entra Tale of Us. Supostamente um duo, mas aqui apenas surgiu um dos elementos. Escolhidos como os melhores DJs de 2015 pela revista Mixmag, as expectativas eram altas. O set foi quase sempre povoado por um pulsar techno que passa pelo corpo como uma onda de choque que puxa à dança, com uma intensidade brutal, mais uma vez exacerbada pela qualidade imensa do sistema de som. O público aderiu bem, dançando e celebrando à medida que o set ia avançando para mais altas horas da noite (com as limitações do horário do festival, claro), mas a nós pareceu-nos que foi menos interessante que o análogo do dia anterior. Após vermos Dixon ou DJ Harvey, parece que agora denotamos menos nuances sonoras, que o tornam mais linear. Apesar de tudo, nunca se pára de dançar no jardim sonoro.
O dia seguinte traz Jungle, Max Graef, Gerd Janson, Marcos Valle e João Tenreiro.
Fotografias de Linda Formiga