Mika foi o génio do 2º dia do RiR, apesar da prestação de Queen + Adam Lambert
O segundo dia do Rock in Rio Lisboa 2016 em Lisboa terminou, e com ele vieram as melhores prestações até à data do festival. Após um primeiro dia com apenas uma grande prestação (obviamente a de Bruce Springsteen) na qual Stereophonics conseguiram de certa forma contornar a relativa falta de reconhecimento do público e onde Xutos & Pontapés nos deram um concerto igual a todos os que fazem e aos quais já estamos habituados (com isto quero dizer concertos que apenas cativam o público pelo facto de todas as músicas serem já hinos para o povo português), o segundo dia do festival trouxe-nos artistas de renome que nos ofereceram prestações de dimensões colossais. Foi um merecido momento de apreciação da arte de dar bons concertos.
Fergie abriu as festividades no Palco Mundo do festival, onde apresentou uma setlist que na primeira metade se resumiu aos temas da carreira a solo da cantora, apresentando um reportório focado no rock n’ roll, onde incluíu (para o agrado do público) covers de bandas como Led Zeppelin ou Rolling Stones. O momento alto desta primeira parte do concerto da cantora americana foi o excelente tributo que prestou ao recentemente falecido Prince, misturando o solo de ‘Purple Rain‘ com o de ‘Love is Pain‘ da autoria de Joan Jett, com o rosto do artista falecido presente no ecrã gigante atrás de si. A artista rebolou no chão e encantou com gestos típicos do mundo do rock antes de introduzir a segunda parte do seu concerto, dedicado aos seus tempos de glória nos Black Eyed Peas. Apesar de esta segunda metade ter sido mais ao género de um DJ Set do que qualquer outra coisa, conseguiu levantar os ânimos mesmo dos menos apreciadores do género (grupo no qual me incluo) pondo as cerca de 50 000 pessoas que viram o seu concerto a dançar e pular como se não houvesse amanhã. ‘My Humps‘, ‘Don’t Stop The Party‘ ou ‘Don’t Phunk With My Heart‘ deram o tom para um meio concerto que acabou em loucura total com uma receção apoteótica a ‘I Gotta Feeling‘. Fergie provou que não perdeu o jeito para animar uma festa de dezenas de milhares de pessoas, mas mostrou ser mais do que isso: uma rockeira nata com uma voz de fazer inveja a quase toda a gente.
Invertendo a ordem dos concertos porque tenciono guardar o melhor para o fim, tendo um fio condutor coerente, passemos aos cabeças de cartaz e grandes nomes deste segundo dia do Rock in Rio: Queen + Adam Lambert. O concerto mais esperado da noite não começou da melhor maneira: uma lona com o logótipo dos Queen cobria o palco completamente, fazendo esperar uma entrada em grande das lendas vivas e do miúdo prodígio, entrada essa que nunca aconteceu. Essa lona deixou-se cair, levando ao instantâneo aplauso das 74 000 pessoas adivinhando o revelar da banda, mas quando ela acaba de chegar ao solo do palco deperámo-nos com ele ainda vazio para uns minutos depois (e com 35 minutos de atraso) a banda entrar em palco de maneira amadora, criando um ambiente anticlimático que o público apenas deixou passar por se tratar de uma banda deste calibre. A partir daí foi sempre a subir.
A banda cunhou uma performance de qualidade indiscutível, aliada à genialidade e grau de reconhecimento das músicas que já todos conhecemos. Adam Lambert esteve muitíssimo bem apesar de em momentos, devido à sua excentricidade ainda maior que a de Freddy Mercury, nos fazer entender que víamos ‘Freddy Mercury: The Musical‘ em vez de Queen. Não tentando imitar nunca o lendário cantor, o jovem fez questão bem no início do concerto de nos lembrar de que Freddy só há um, e que não estando lá para o substituir, era um orgulho tremendo para ele poder juntar-se aos génios Queen para trazer ao público as músicas que imortalizaram Mercury.
https://www.youtube.com/watch?v=GBrbu7juid4
(concerto completo)
O concerto foi marcado por uma excelente receção aos músicos e ao ‘estranho’ Adam Lambert que cunhou uma performance muito grande, mas para todos os efeitos as comparações com o lendário Freddy Mercury são impossíveis de ignorar, e mesmo não tendo em conta todo o misticismo que se criou à volta da figura do cantor que morreu de SIDA, apesar de Lambert ser talvez a pessoa viva mais correta para cantar estes temas, não consegue nunca ter um décimo da presença ou imponência de Freddy Mercury, por vezes ficando aquém nas prestações, e por vezes exagerando na excentricidade, criando momentos dignos de uma peça musical num teatro londrino, e não de um concerto para 74 000 pessoas no Parque da Bela Vista.
Resumindo, não há muito a apontar neste concerto, mas não foi perfeito. Foi tudo o que podia ser, mas isso não chegou para ser o melhor concerto da noite, devido a apenas um homem: Mika.
E com isto voltamos um pouco atrás na linha cronológica e chegamos ao que, na minha opinião, foi o momento alto da noite. Em frente a um público que não sabia o que esperar deste concerto, e tido com certeza por muitos membros do público como uma pedra no sapato que separava as já longas horas de espera do momento em que Queen entrariam em palco, Mika entrou, cantou e encantou. Notavelmente emocionado por estar em frente a uma plateia de dimensões como há de ter visto poucas vezes na vida, o concerto de Mika teve de tudo: momentos para dançar e pular, momentos de nos deixar boqueabertos com a sua notável voz e momentos de uma intimidade e magia quase inalcançável que emocionaram como muito poucos concertos no mundo o fazem. Foi um mundo inteiro num concerto, onde o público deixou de ser público e passou a ser fã.
O autor de ‘Grace Kelly‘ deixou também de ser um mero cantor e passou a ser um ídolo, um ícone e um exemplo de um concerto genial. De facto Queen seria o melhor concerto de qualquer outra noite em qualquer outro sítio do mundo, mas enquanto que o concerto da banda de ‘Bohemian Rhapsody‘ foi estrondoso, o de Mika roçou a perfeição de maneira que nunca em todos os (já muitos) concertos que presenciei pensei ser possível.
https://www.youtube.com/watch?v=3nZYT0euGqU
(concerto completo)
Num concerto onde músicas como ‘Big Girls‘, ‘Grace Kelly‘ ou ‘Relax, Take it Easy‘ puseram o público num estado de êxtase, o cantor chegou mesmo a convidar dois músicos com quem se cruzou na noite anterior num bar no Bairro Alto para a ele se juntarem e cantarem um fado, onde Mika cunhou uma performance mais conseguida do que o que seria de esperar para um estrangeiro. Mais tarde, nos últimos momentos do genial concerto, chegou mesmo a correr para o backstage para às cavalitas trazer Mariza que serviu de tradutora e amiga num palco que deixou de ser de Mika e passou a ser de nós todos.
No entanto, o momento alto deste concerto chegou num tema que surpreendeu tudo e todos. Enquanto cantava a música ‘Underwater‘, o cantor pediu ao público para iluminar todo o recinto com isqueiros ou flashes dos smartphones. Pelas palavras do próprio, deixámos de ser dezenas de milhares de pessoas e passámos a ser estrelas (mesmo as do fundo do recinto, que apesar de terem sido as estrelas mais distantes foram as que se viram melhor). Um Mika emocionado criou laços com cada uma dessas estrelas e a constelação Rock in Rio brilhou mais forte do que nunca, criando um misticismo de tal ordem naquele recinto que levou várias pessoas às lágrimas (eu incluído). O underdog superou todas as expectativas e conseguiu cunhar a performance mais conseguida da noite, num concerto que desafiou todas as leis que existem neste meio.
(Mika a cantar ‘Underwater’ no Rock in Rio Lisboa 2016)
Mesmo vendo estas imagens nas gravações automáticas da televisão, é impossível não ficar com calafrios ou arrepios que atravessam todo o corpo, mas será impossível de transmitir de maneira fiel a experiência que as 74 000 pessoas do segundo dia deste festival partilharam, pois as palavras ainda não evoluíram a esse ponto. Foi como um beijo nos lábios de uma namorada de longa data, um café com o melhor amigo entre cigarros e uma conversa agradável, foi como um elogio dos teus pais quando te sentes em baixo ou um sonho agradável. Foi algo que nunca pensei ser possível, um verdadeiro sonho passado da almofada para a realidade, com proporções dantescas. Foi Mika.