Montanhas Azuis na Culturgest: um passeio relaxado pelo sintético
Na passada sexta-feira, na Culturgest, a proposta do trio Montanhas Azuis foi clara: um passeio relaxado pelo sintético. Mas o sintético não tem de ser totalmente artificial ou urbano, ou ter a normal frieza associada. Os Montanhas Azuis mostraram-nos que pode existir paz numa ilha de plástico, se pudermos avistar as montanhas.
As sequências de notas etéreas em piano de Marco Franco, assim como as animações coloridas e movimentadas de Pedro Maia projectadas no ecrã, marcaram imediatamente a ambiência a que nos convidava o trio e elevaram o público das cadeiras. O espaço intimista e acolhedor do grande auditório da Culturgest facilitou o consentimento da plateia para dar início a esta viagem, acompanhada principalmente pelo som dos diversos sintetizadores que se distribuem pelo palco. O dialecto japonês do pedal utilizado por Bruno Pernadas só enfatiza ainda mais a nossa súbita condição de turistas visitantes.
“Faz Faz” surge, trazendo consigo as sonoridades dreamy presentes ao longo de todo o álbum. Aqui, como nos restantes temas, somos presenteados com melodias simples, com poucas notas que, pela sua natureza minimalista, têm um peso maior e nos dizem mais.
Estando habituados ao fingerstyle complexo de Norberto Lobo na guitarra, é curioso observá-lo neste papel mais contido, mantendo na mesma a capacidade de arrebatar com as suas texturas e os silêncios, que flutuam numa atmosfera exótica dançante. Bruno Pernadas move-se pelo palco, mostrando-nos as suas já conhecidas competências de multi-instrumentista através da interpretação no sintetizador com uma dedicação atenta, assim como durante a transformação da sua guitarra numa voz que deixa de ser a dele. Ambos se entrelaçam com as sonoridades belíssimas do piano, que se estende também através do sintetizador de Marco Franco. O criador de grande parte das melodias iniciais destes temas vai fornecer as telas melódicas que permitem que os restantes artistas pintem livremente. Mesmo durante o concerto foi possível perceber que não deixaram de acontecer alguns momentos de criação mais livre, tendo sido este o formato inicial e constante de composição da tríade.
Apesar de curtos, cada tema transmite um conceito e atmosfera bem marcada, o que enfatiza a capacidade de dizer tanto com recurso a tão pouco. Esta contenção propositada por parte dos artistas deixa também espaço à criatividade de quem ouve, permitindo imaginar-nos nos anos 80 futuristas ou criar mundos paralelos que incluem nuvens de porcelana, jardins japoneses (como é o caso da “Coral de Recife”) e aldeias rurais feitas de plástico multicolor, cheias de sol. Imagino eu, um plástico eco-friendly. Um plástico inevitável num futuro onde o sintético fará cada vez mais parte, sem que tenha de se impor como substituição ao que é naturalmente belo.
Reportagem de Ana Lídia Franganito