Mulheres (silenciadas) na História da Filosofia
“E que não haja mais dúvidas de que filosofia sempre foi, e continua sendo, coisa de mulher.”
Introdução do livro Filósofas, de Fabiana Lessa e Natasha Hennemann
Mulheres na filosofia: uma ausência não questionada
Durante alguns anos, assumi que não teriam existido mulheres filósofas. Não me dei conta delas nos manuais dos 10.º e 11.º anos; por sua vez, nos conteúdos da licenciatura de Filosofia, eram poucas as referências. Assim de cor, lembro-me de ter falado de Simone de Beauvoir, de Santa Teresa d’Ávila e de Hannah Arendt.
Vamos assumir que a minha memória não é de confiança e que me podem estar a falhar alguns nomes de filósofas. A mesma memória que não é de confiança permite-me nomear várias “meias dúzias” de homens filósofos: Heraclito, Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Zenão, Platão, Aristóteles, Francis Bacon, Tomás de Aquino, Santo Agostinho, Averróis, Ockham — e reparem ainda estou pela antiguidade e pela idade medieval.
Considero que falhei enquanto pensadora crítica por não ter parado para pensar e perguntar: mas afinal, houve mulheres filósofas? Se houve, como se chamam e o que pensaram? Se houve, quais as razões para ficarem de fora dos manuais e dos conteúdos? Se não houve, o que explica isso? Será que as mulheres não tinham nada a dizer?
Durante anos não fiz estas perguntas e até pensava: bom, se não há mulheres filósofas referidas nos manuais, talvez o seu trabalho não seja relevante nem mesmo digno de nota.
A descoberta de Uma Filósofa por Mês
Em 2020, entre confinamentos e vida amplamente vivida no online, dei-me conta de um projecto de pesquisa com origem no Brasil: Uma Filósofa por Mês. Este projecto propõe-se a divulgar mulheres filósofas. Como? Investigando fontes, lendo textos, fazendo algumas traduções, pensando a partir dessas mulheres.
A cereja no topo do bolo? A partilha dos resultados dessa investigação. Artigos de blog, episódios de podcast, lives no youtube — a equipa Uma Filósofa por Mês abriu-me as portas para um admirável mundo; um mundo onde as mulheres não eram consideradas e por isso foram silenciadas.
A partir desse encontro, assumi o compromisso de investigar mais sobre as mulheres filósofas. Fiz questão de anotar referências, de começar a comprar obras de mulheres filósofas para a minha biblioteca pessoal. Investi tempo e dinheiro para conhecer Hannah Arendt, bell hooks e Mary Wollstonecraft, entre muitas outras filósofas.
Em boa hora me cruzei com o livro The Philosopher Queens e com a obra Filósofas — a presença das mulheres na filosofia que está disponível gratuitamente para download. Recentemente, vi nascer uma obra da autoria de duas amigas, a Fabiana Lessa e a Natasha Henneman, Filósofas, que é um óptimo suporte para conhecer quem são essas mulheres e o que pensaram.
Duas mulheres filósofas: Diotima e Hildegarda
No livro Filósofas, de Fabiana Lessa e Natasha Henneman, é possível encontrar uma extensa cronologia de mulheres filósofas.
Ao viajarmos até ao séc. V AEC encontramos Diotima de Mantineia. Talvez o nome não seja totalmente desconhecido de quem leu o Banquete, o diálogo platónico que trata o amor. Sacerdotisas como Diotima eram consideradas referências intelectuais e o seu pensamento era respeitado. Sócrates conta-nos que aprendeu com Diotima aquilo que sabe sobre o amor (eros). Ou seja, Diotima terá ensinado um dos filósofos que permanece como referência na filosofia ocidental e que usava uma metáfora bastante feminina para descrever o seu ofício: tal como sua mãe Fenarete, Sócrates agia como um parteiro de ideias, provocando as pessoas com quem se cruzava a pensar e a dialogar. A feminina metáfora é quase perfeita: a maiêutica (palavra grega para parto) é um processo que implica dor e que nos permite dar à luz uma ideia, uma resposta que procura satisfazer uma determinada pergunta.
Na iluminada “idade das trevas”, Hildegarda de Bingen (1098-1179) surge como uma das mulheres mais criativas. Foi música, escritora, dramaturga, botânica, poeta … e doutora da Igreja. Hildegarda criou uma língua nova (língua ignota) tendo desenvolvido mais de mil termos cujo objectivo era a comunicação entre as religiosas do mosteiro onde vivia. Além de escrever sobre religião, a filósofa também escreveu peças de teatro, poesias e tratou temas da medicina (Livro da Medicina Simples e Livro da Medicina compósita ou Causas e curas). Hildegarda é uma mulher com um pensamento único que valoriza filosoficamente tanto o espiritual como a realidade material.
Queres saber mais sobre as Filósofas?
As Histórias da Filosofia mais recentes, como a de A. C. Grayling publicada em 2020, ainda são pobres nas referências às mulheres filósofas. O mesmo acontece com livros de divulgação da filosofia, como a Grande História Visual da Filosofia (de Masato Tanaka e Tetsuya Saito, 2022) ou O Mundo de Sofia de Jostein Gaarder (1991).
A minha sugestão passa por acompanhar a viagem pela história da filosofia com a leitura de The Philosopher Queens, de Rebecca Buxton e Lisa Whiting (Unbound, 2020), bem como dos já referidos livros de Fabiana Lessa e Natasha Henneman (Maquinaria, 2021) e de Juliana Pacheco (Fi, 2016).
Se tens interesse em saber mais sobre mulheres filósofas consulta este link onde vou adicionando referências sobre a temática. Também podes consultar a playlist que tenho spotify. O blog Germina – onde está sediado o projecto Uma Filósofa por Mês — é de consulta obrigatória.
Boas leituras – e boas descobertas!