Nelson Nunes está a terminar o que acha ser o melhor livro que já escreveu
Quem inaugura a série “A quarentena dos escritores”, que podes acompanhar no podcast “Ponto Final, Parágrafo”, é Nelson Nunes. Nelson é jornalista, trabalha numa agência de storytelling, mas o escritor que há nele vem mais à superfície. Pai de cinco livros, antes da pandemia começou a investigação para um livro sobre a morte, de que nos fala no episódio 29 do podcast.
Num cantinho de casa, Nelson Nunes construiu aquilo que parece um forte de livros. São mais de uma centena as obras que consultou para escrever o livro em que reflete sobre a morte. Não há dia em que Nelson não pense na sua morte e na das pessoas à volta dele. E essa preocupação é, em parte, a impulsionadora do livro que chega às livrarias em outubro.
Com o estado de emergência, muitos ficaram em casa e os escritores não foram exceção. Durante o auge da pandemia, Nelson sentia sentimentos opostos: “Vai soar muito mal, mas eu estava entre não ligar muito e estar a gostar muito porque boa parte do meu trabalho inclui escrever. O meu trabalho é muito de reclusão: a ler, a escrever, a ver coisas, a tentar ter ideias. É muito sossegadinho”, conta Nelson no podcast.
Com a poupança de quatro horas com deslocações no dia-a-dia veio a multiplicação das páginas. “Em condições normais, acordava às sete da manhã, escrevia até às oito e aí despachava-me para às nove e meia estar no trabalho. Enfim, chegava a casa às sete e tal, comia e estava a ver coisas ou a escrever até às onze da noite. Das onze à meia noite, leio.” Como todos, Nelson teve de ajustar a rotina com o confinamento: “Quando o trabalho acaba, é desligar o computador e ir escrever, ler ou ver séries. A minha vida profissional é estar em frente ao computador a escrever.”
No caso deste escritor, o isolamento provocado pela pandemia resultou em mais tempo de volta do novo livro, que entregará em junho à editora para que o resultado final passe por todos os processos de revisão, paginação e detalhes gráficos. “Tenho sido mais produtivo porque estou mais sossegado. Sou menos interrompido. Nos últimos dois meses vou com 100 páginas escritas, (…) sendo que os dois meses incluem muita pesquisa e algumas entrevistas que estavam a faltar.” A investigação para o livro começou por volta de agosto e setembro de 2019 e é com um ritmo de dez a doze páginas escritas por dia que o livro vai ganhando forma.
Nelson vai a meio do livro que sairá em outubro, com uma chancela da editora 2020. E surge uma questão: “Que título vai ter o novo livro?” Enquanto jornalista, dar títulos às peças nem sempre foi fácil para Nelson Nunes, mas no que toca a livros temos vindo a ser bem habituados: “Com o Humor Não se Brinca” (2016), “Isto Não é Um Livro de Receitas” (2017), “Quem Vamos Queimar Hoje?” (2018).
O título o novo livro de Nelson está escolhido há meses – e foi “adotado” de um livro de ficção que parou de escrever – mas o escritor quer guardá-lo a sete chaves: “Acho que é um bom título. Acho que é o melhor título que já inventei.” Depois desta grande afirmação, outra para nos abalar: “Estou a gostar mesmo muito de escrever este livro e também acho que é o melhor livro que já escrevi.” Mas em defesa da modéstia da bancada, Nelson acrescenta: “Dos 5 livros que publiquei, acho que dois são bons.”
A ideia de Nelson para o livro é falar da morte – “provavelmente a maior questão da nossa existência”, diz a Magda Cruz, autora do podcast “Ponto Final, Parágrafo”. Partindo da experiência pessoal de nunca ter perdido ninguém próximo, Nelson procura respostas junto de pessoas que contem como é perder alguém perto de nós. E porquê este tema? Nelson tem a resposta na ponta da língua: “Quanto mais falarmos sobre a morte, estivermos conscientes da morte e pensarmos na morte com muita frequência, melhor vivemos. Acho que estamos mais presentes.”
Será que o isolamento levou a que este vá ser o melhor livro do escritor de 33 anos? “Sim e não”: responde Nelson. “Estar parado implica que esteja mais concentrado, mas não acho que fosse um livro substancialmente pior se não estivesse tão concentrado.” O livro esteve sempre muito claro no plano das ideias de Nelson. Sabia com quem falar e o que “tirar” de cada uma delas: “As histórias das pessoas são tão boas que só se eu fizesse um grande desastre é que estragava as histórias”, e remata o raciocínio, “Acho que a escrita melhora por estar concentrado, mas a qualidade do livro, de grosso modo, não, porque as pessoas é que vivem ali dentro. Só lhes dou uma voz maior.”
Nelson não quer ser só mais um autor que escreve sobre morte. Passada a fase das entrevistas e da muita pesquisa, todo o esforço vai para a escrita. Acrescentos para contextualizar as histórias que foi ouvindo e factos históricos são apenas duas maneiras de Nelson Nunes narrar os testemunhos fortes de, por exemplo, doentes terminais. As histórias, garante, não tiram vontade de viver – pelo contrário.
Uma das histórias que o inspiraram, e que conta no podcast, foi a da morte do baterista da banda “The Architects”, em 2016. Nelson Nunes chegou a contactar o irmão gémeo de Tom Searle para compreender um pouco melhor como é que se perde um irmão, uma pessoa tão próxima e tão nova. Interessa-lhe saber porque desenvolveu certos mecanismos de luto, como falar do irmão a meio dos concertos. No entanto, Dan Searle respondeu que o assunto já tinha sido muito explorado, o que Nelson compreendeu totalmente. “E disse-lhe que o livro lhes ia ser dedicado”, conta.
Neste episódio do podcast de literatura da ESCS FM em parceria com a CCA, há ainda tempo para falar dos livros que servem de apoio ao novo livro de Nelson, de podcasts interessantes que abordam a morte, um pouco de heavy metal e de ser tenista.
Depois do mais recente livro “Preciosa”, o novo livro de Nelson Nunes estará disponível em outubro, por uma chancela da editora 2020.
Este é o 29.ª episódio do Ponto Final, Parágrafo. Tens muitos episódios para pôr em dia. Se subscreveres, passas a receber uma notificação sempre que houver um novo episódio, na tua plataforma favorita.