Neurocientista Sérgio Neuenschwander cunhou o termo “neurocinema” e vê na 7.ª arte a “a invenção da realidade”

por Lusa,    7 Abril, 2024
Neurocientista Sérgio Neuenschwander cunhou o termo “neurocinema” e vê na 7.ª arte a “a invenção da realidade”
Sérgio Neuenschwander / DR
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O neurocientista brasileiro Sérgio Neuenschwander cunhou o termo ‘neurocinema’ e tem explorado as ligações neuronais espoletadas pela arte cinemática como potencial de “invenção da realidade”.

“[Neurocinema] é sobre criar uma plataforma para discutir os aspetos do ver, e o cinema é central em tudo isso. É a emergência de um mundo, por vezes mais forte ou menos forte, que vai variando em função do quanto o espectador se projeta na tela”, conta, em entrevista à Lusa.

O professor titular do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte falava à Lusa à margem do 14.º Simpósio Aquém e Além do Cérebro, na Casa do Médico, no Porto.

Na sua apresentação, abordou o cinema como construção da realidade, destacando a mistura de narrativa e estímulo visual como forte impulso sensorial, acionando o cérebro em vários mecanismos neuronais e emocionais.

Começando na retina, todo o sistema visual é acionado, do córtex visual ao núcleo geniculado lateral, afetando as perspetivas que as pessoas têm do filme a que assistem, por um lado, e a realidade, por outro, numa intersecção entre perspetiva e perceção.

“Não foi por acaso que quis estudar neurociência da visão. Tinha trabalhado com vídeo, sempre tive uma câmara. Depois, muito mais tarde, já estava a fazer o meu doutoramento na Europa e a minha irmã começou a desenvolver-se na arte, e trabalhei com ela, Rivane Neuenschwander”, revela.

Os quatro filmes dos dois irmãos surgiram em exposições e hoje pertencem a coleções de arte, num trabalho que sentiu, como neurocientista, ter sido “interessante por ver o trabalho sobre mecanismos de perceção noutro meio”. 

Se a palavra ‘neurocinema’ é “um lugar comum, hoje que há tantas ‘neurocoisas’”, a atração do cinema fê-lo criar um curso, na universidade em que trabalha, para reunir alunos de várias disciplinas e “proporcionar uma discussão rica, em que se misturam diferentes domínios, sobre o que é ver do ponto de vista ontológico”.

O paradigma cartesiano, diz, de “estímulo e resposta”, é algo que considera dominar o estudo académico e prefere antes trabalhar de forma mais abrangente, por exemplo sobre o impacto da inteligência artificial (IA).

“Toda essa discussão sobre a IA, as imagens sintáticas e o seu impacto, é muito pertinente. E isso surge de onde? De ideias do funcionamento do cérebro e redes neuronais. Há uma convergência muito interessante”, afirma.

Este avanço tecnológico, preconiza, trará “uma mudança que potencialmente será profunda”, no cinema como na ciência, que poderá ter “outras maneiras de fazer” investigação e “abrir outras perspetivas, incluindo em como vemos o cérebro”.

“Mas também é assustadora, porque na arte a ideia de autoria é importante. O que quer dizer um urinol num museu? Marcel Duchamp trouxe isso. É impossível tratar o objeto da arte sem o contexto”, aponta.

De resto, a possibilidade de utilização do cinema pela extrema-direita, utilizada na Alemanha nazi com os filmes de Leni Riefenstahl ou produções cinematográficas recentes em países como os Estados Unidos, não teve ainda objeto de estudo por Neuenschwander, que ainda assim reconhece essa “força de manipulação”.

“Nas redes sociais, o que se vê é essa formação de grupos, amplificação de ideias, certamente esse é um processo de auto organização, provavelmente muito semelhante ao que acontece no nosso cérebro. Isso é interessante”, remata.

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