‘NU’: o álbum visual é o convite ao interior dos First Breath After Coma
NU é uma jornada sem fim, uma que nos acompanha para toda a vida. Os melhores álbuns são assim: tocam-nos algures cá dentro quando com eles nos deparamos, num sítio profundo para o qual ainda não temos denominação. E nunca mais nos largam. Ficam sempre connosco, fiéis a quem neles viu algo mais.
A emoção neste álbum visual é pura, quase palpável. Ao fim de um mês – depois de ouvir dez, vinte, trinta vezes o álbum – as notas musicais já são reconhecidas até pelas células, e evoluem com o envelhecimento destas. Mesmo quando já se pensava ter desvendado todos os segredos do disco, surge mais um significado, mais um mistério escondido até então.
NU é diferente de tudo o que os First Breath After Coma já fizeram. É muito mais sombrio – e, provavelmente, mais honesto por isso mesmo. É claro que NU ainda não nos pertence tanto como “The Escape”, por exemplo, que vai ter sempre o seu canto especial. À primeira audição, o álbum parece estranho, invulgar, quase estrangeiro. Foge das melodias sequenciais e animadas das faixas de 2013 e 2016. Nessas, a atmosfera é sonhadora e tudo é possível; nestas, ficamos perdidos no turbilhão de sentimentos, que tentamos identificar quase em transe.
Não é o que estamos habituados nem o que esperamos. Mas, tanto os First Breath After Coma homens como os First Breath After Coma músicos, precisam de espaço para crescer. Todos mudamos com o tempo e merecemos a liberdade para tal – e que nos aceitem por sermos quem somos. Neste álbum, o grupo de Leiria, em vez de contar as aventuras épicas de outros, tenta contar a sua própria história – épica ou não. Abre-se para o público e convida-o a entrar na sua alma. Se NU é muito diferente de The Misadventures of Anthony Knivet ou de Drifter? É. E ainda bem que o é. Já existem músicos suficientes pelo mundo fora a dar à audiência exatamente o que ela quer, sem arriscar ou se expor.
E porque falar de NU é falar tanto de música como de cinema, é obrigatório referir a representação assombrosa dos atores envolvidos. Rui Paixão, em particular, encarna de tal forma a sua personagem que deixa o espetador quase desconfortável, tal é a intensidade das emoções e o caos interior que presencia.
O filme conta-nos uma história através de capítulos. A ideia de fazer um vídeo para cada uma das músicas de um álbum é enorme e quase impensável no nosso país. Mas, como decerto concordarão todos os que já viram a produção conjunta da CASOTA Collective e da Omnichord Records, foi um esforço que valeu bem a pena. Os planos são espetaculares, num formato que se enquadra no mundo indie dos festivais de cinema. Os tons sombrios, a narrativa dispersa e a envolvência dão origem a um filme misterioso, que parece mais esconder do que revelar. Mas é mesmo essa a essência do que é ser humano.
O álbum pode ser o mais puro, cru, nu e honesto possível. Mas não somos dotados da capacidade de ler mentes e exprimir o interior é algo que poucos conseguem fazer. As palavras nunca foram suficientes no que toca a sentimentos e pensamentos. Por muito domínio que tenhamos delas, nunca nos permitirão retratar os caminhos da fragilidade (“fragility”), atração (“attraction”), desespero (“helplessness”) ou angústia (“anguish”) que nos percorrem. Assim, usamos as várias artes em conjunto. A música e a imagem completam e expandem.
“But why should I worry that much / If all of us soon turn to dust / It’s funny how love makes us dumb / And we see stars already dead / 86 billion brain cells in silence / Waiting for some spark, someone”
O post-rock já não é suficiente para definir First Breath After Coma. Nestes seis meses em que criaram NU, Rui, Telmo, João, Roberto e Pedro quebraram todas as barreiras. Dobraram-nas, brincaram com elas e deitaram-nas fora. Em 35 minutos, mudaram por completo o rumo da banda. Provam que merecem o carinho que recebem e tudo o que já conquistaram.
Têm a capacidade de criar e se recriarem. De construir um mundo fantástico só seu. NU é o convite para nele entrar.