O capital que move a bobine, ou vice-versa 

por Cátia Biscaia,    1 Agosto, 2023
O capital que move a bobine, ou vice-versa 
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Muito se fala sobre a ausência de espectadores em salas de Cinema em Portugal e no mundo. Em 2022, segundo dados da Pordata, em Portugal, a média de espectadores por sessão, em salas de Cinema, era de 18,9 pessoas. Recentemente, o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) avançou um aumento de 10% de afluência aos Cinemas em 2023, comparando com os dados de 2022. O que, não é nada de transcendente, mas descreve o óbvio: continua a haver muito pouca gente a ir ver um filme ao Cinema. Culpa do streaming? Distribuidoras? Preço dos bilhetes? Qualidade Cinematográfica? Geracional? Ninguém sabe (Ou então, sabem todos).

É que no meio deste discurso fatalista de que o Cinema está a caminho, a passos largos, da morte, há fenómenos que nos vêm mostrar, exatamente, o contrário. E, mesmo os fatalistas têm de admitir que o jogo capitalista sabe bem quais são as suas armas. E conhece bem os caminhos que tem de trilhar para chegar ao seu objetivo: vender.

E, para vender algo, basta que se use a plataforma Cinematográfica como ferramenta de marketing. E, sinceramente, nem sequer interessa que as pessoas afluam, verdadeiramente, à sala de Cinema. O que interessa é que a mensagem passe. E, atualmente, existem muitos canais por onde isso consegue ser feito. (Posso até dizer: demasiados). Mas a plataforma que o Cinema oferece é, sem sombra de dúvidas, especial, porque vem mascarada de forma despretensiosa e artística. Sem quaisquer objetivos específicos. Tal como se um objeto artístico fosse tão bom que se tornasse moda. Assim, por acaso. E… até por acaso, se começa a vender mais merchandising associado a um filme específico. 

Que inocentes. Nós. Os consumidores.

Não vou enumerar filmes. Acho que, facilmente, um espectador – que nem precisa estar muito atento – consegue perceber do que falo. Mas, de repente, estamos todos inundados por coisas que se conseguem comprar associadas a um filme. Muito como se faz com séries dirigidas ao público infantil, mais facilmente, influenciável. 

E, é para isto que eu gostaria de chamar a atenção:

Primeiro, para mostrar que o Cinema, afinal, não está assim tão morto, porque ainda consegue mover a opinião pública em avalanche. (Se calhar, assim de repente, não é, portanto, tão má a ideia investir em Cinema, just saying). E, depois, para esclarecer que o capitalismo e o Cinema têm uma relação simbiótica complexa, pois o Cinema é tanto um produto da economia capitalista, quanto uma força influenciadora sobre ela. O mercado Cinematográfico é moldado por forças económicas, enquanto o Cinema, por sua vez, molda as perceções e valores dos espectadores sobre o sistema económico. 

Deixo, então, aqui um “food for thought”: se o cinema proporciona uma abordagem artística e intelectualmente desafiadora para o público, influenciando a apreciação e discussão de temas complexos, sendo capaz de moldar a sensibilidade cultural, que mensagens iríamos querer que ele, verdadeiramente, passasse? Vamos deixar isso nas mãos dos capitalistas?

Esta crónica foi originalmente publicada no Jornal de Leiria, tendo sido aqui publicada com a devida autorização.

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