“O Essencial da Política Portuguesa” é apresentado em Lisboa. Depois há debate entre Daniel Ziblatt e Sheri Berman sobre a democracia

por Comunidade Cultura e Arte,    13 Abril, 2023
“O Essencial da Política Portuguesa” é apresentado em Lisboa. Depois há debate entre Daniel Ziblatt e Sheri Berman sobre a democracia
Capa do livro
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A Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) organiza, no próximo dia 20 de abril, às 17h, no Quartel do Carmo, em Lisboa, a conferência «Cinco décadas de democracia, o que mudou?», com o objetivo de refletir sobre o passado e pensar o futuro da democracia portuguesa. Neste evento, que marca o início de uma programação alargada que a FFMS vai dedicar, ao longo do ano, ao tema das cinco décadas de democracia em Portugal, será apresentado o livro O Essencial da Política Portuguesa, a versão traduzida do Oxford Handbook of Portuguese Politics, coordenado por Jorge Fernandes (CSIC, Madrid), Pedro Magalhães (ICS-ULisboa) e António Costa Pinto (ICS-ULisboa), numa parceria editorial entre a Fundação Francisco Manuel dos Santos e a Tinta-da-china.

À apresentação do livro seguir-se-á um debate entre dois dos maiores pensadores mundiais sobre a democracia: Daniel Ziblatt e Sheri Berman. Com moderação da jornalista e comentadora política Ayesha Hazarika, esta conversa procurará responder a perguntas como: Por que motivo as democracias são inerentemente melhores do que as alternativas? As democracias, tal como as conhecemos, estão em risco de desaparecer? De que forma é que estas têm sido enfraquecidas por ameaças internas e externas? E como podemos evitar a destruição da democracia na era do populismo e da polarização?

Passadas cinco décadas desde o início do processo de transição democrática portuguesa, é tempo de celebrar a extraordinária evolução operada em Portugal durante esse período. Mas é também tempo de analisar os motivos pelos quais o país deixou de convergir com as sociedades mais livres e desenvolvidas do mundo, e de refletir sobre o que é necessário para aproximar a nossa democracia das aspirações e expetativas que instilou nos portugueses em abril de 1974. A publicação d’O Essencial da Política Portuguesa, assim como toda a programação que se seguirá, constitui mais um esforço da FFMS para esse desígnio cívico e democrático.

Composto por 48 capítulos da autoria de 68 investigadores nacionais e internacionais, O Essencial da Política Portuguesa oferece uma rigorosa radiografia do passado e do presente da nossa democracia, enquanto deixa pistas para o futuro. Ao longo de mais de 900 páginas, este livro, que marcará as ciências sociais em Portugal, identifica aspetos em que o país se tornou uma democracia idêntica à grande maioria das democracias avançadas contemporâneas, da Europa e da América do Norte. Designadamente:

  • Portugal enfrenta desafios estruturais muito semelhantes aos de muitas outras democracias mais antigas, tais como o envelhecimento da população, a desindustrialização e a integração num mundo economicamente globalizado;
  • O país detém um estado-providência que cresceu e se consolidou até ao início do século XXI, mas que vive hoje, tal como muitos outros, sob pressão de contenção de custos na área da saúde, da segurança social e da assistência à terceira idade;
  • Temos um sistema semipresidencial, mas isso não nos distingue particularmente, uma vez que o semipresidencialismo é, hoje, o sistema de governo mais comum entre as democracias europeias;
  • O parlamento português teve de se adaptar à crescente centralidade do executivo e da figura do primeiro-ministro, à crescente dependência dos tribunais para a resolução de disputas políticas, assim como aos processos de europeização das políticas públicas – isto é, a Assembleia da República, tal como outros parlamentos de estados-membros da UE, acaba por ter muito menos poder do que tinha antes da adesão;
  • Temos padrões de participação política semelhantes aos de outras democracias europeias. Verifica-se um declínio da participação eleitoral — apesar do que sucedeu na eleição legislativa mais recente —, que é acompanhado por um aumento de quase todas as outras formas de mobilização não-convencional (como a assinatura de petições, o boicote de certos produtos/marcas, ou a presença em manifestações).

Em sentido contrário, O Essencial da Política Portuguesa aponta também vários aspetos em que o país se distingue, nem sempre pelas melhores razões, de outras democracias liberais avançadas. Para além de ser um dos países mais envelhecidos da Europa e do mundo, Portugal apresenta um declínio populacional acentuado. Os Censos de 2021 mostram que, na última década, apenas 16% dos municípios apresentaram um crescimento de população, e que as áreas predominantemente rurais perderam 11% da sua população. O interior rural português é a região da Europa Ocidental com o maior e mais acelerado declínio populacional. E no entanto:

  • Portugal tem uma das estruturas administrativas mais centralizadas da Europa, uma das que mais resistiu às tendências de descentralização política e fiscal que foram seguidas por outros países. Somos um país que praticamente não tocou na sua organização territorial; onde a desproporção entre as competências locais e centrais é quase única; e onde a assimetria entre as competências legalmente atribuídas ao poder local e os recursos disponíveis para as levar a cabo é enorme. Esta confluência entre os níveis de desertificação do interior do país e o grau de centralização política é uma peculiaridade portuguesa;
  • Portugal tem também legados persistentes do nosso peculiar processo de democratização. Por um lado, na nossa cultura política, a democracia não é apenas um regime político que garante liberdades e direitos políticos, mas é também visto como devendo garantir direitos económicos e sociais (que são percecionados como indissociáveis dos direitos políticos). Por outro lado, os portugueses continuam a considerar que a nossa pertença à União Europeia é a chave para o desenvolvimento económico e a prosperidade do país. Contudo, desde o início do século, o nosso percurso não tem sido inequivocamente favorável destes pontos de vista. A evolução não foi propriamente negativa: somos um país mais rico e menos desigual do que erámos nos anos 70 e até do que éramos no final do século XX. Contudo, é também certo que deixámos de convergir economicamente com a média europeia, e não conseguimos replicar os percursos da maior parte dos países do centro e leste do continente que se democratizaram apenas nos anos 90, seja em termos de crescimento económico seja em termos de promoção de igualdade de rendimentos e diminuição da pobreza.

Sumariando, parece existir uma tensão entre as enormes aspirações da sociedade portuguesa em relação ao regime democrático e as realizações desse mesmo regime. Essa tensão manifesta-se no enorme ceticismo que os portugueses sentem em relação à classe política ou no facto de sermos um dos poucos países europeus onde a aceitação de formas não- democráticas ou mesmo autocráticas de governo por parte da população aumentou desde o início do século XXI. Estas são algumas das questões que estarão em discussão no dia 20 de abril, na conferência «5 décadas de democracia: o que mudou?».

As inscrições para a conferência «5 décadas de democracia: o que mudou?» já estão abertas aqui e pré-venda do livro O Essencial da Democracia Portuguesa acontece aqui e nas livrarias habituais.

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