O Estado da União não é a realidade da União

por Francisco Paupério,    14 Setembro, 2023
O Estado da União não é a realidade da União
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Para quem estava à espera de um discurso mobilizador e inspirador, bem pôde esperar sentado. Até a principal bandeira deste mandato, o Pacto Ecológico Europeu, perdeu importância e espaço. A economia veio para ficar até às eleições europeias de 2024.

É o momento mais aguardado do ano político na União Europeia, o discurso sobre o Estado da União Europeia, ou, como é carinhosamente chamado, o “SOTEU”. Uma tradição que se renova anualmente, mas que nunca perde sua magnitude e importância. É o momento em que a presidente da Comissão Europeia toma a palavra, diante de uma audiência atenta e crítica, para fazer um balanço do que foi alcançado, dos desafios enfrentados e das ambições futuras. Este surgia com especial curiosidade pelo facto de ser o último realizado por este plenário e pela presidente Ursula Von der Leyen, antes das próximas eleições europeias em junho de 2024.

“A comunicação da Comissão Europeia é excessivamente optimista em relação ao futuro, o que contrasta com o dia-a-dia dos europeus. O discurso foi feito pela bolha de Bruxelas e não a conseguiu furar. Estrategicamente ou não, acaba por ser o discurso de Von Der Leyen menos virado para as pessoas, e mais virado para os chefes de estado.”

Ursula von der Leyen dá o mote logo no início do discurso: temos eleições em menos de 300 dias. E foi mesmo um discurso virado para futuro, sem nunca esquecer as suas próprias conquistas nos últimos 4 anos. Focou-se excessivamente na Economia europeia, com graves críticas ao intervencionismo chinês e uma aposta forte na reindustrialização da Europa, apresentando o Critical Materials Act e European Wind Power Package. Inexplicavelmente, o pilar Social tantas vezes defendidas por Ursula ficou ausente do discurso. Temas como habitação e custo de vida não foram mencionados, tornando este último SOTEU antes das eleições uma declaração para os líderes dos estados membros ouvirem, com presentes para cada um deles. A atmosfera era de recandidatura chegando mesmo a apresentar os 90% de cumprimento do programa apresentado em 2019. No entanto, nem tudo foi negativo. Ursula destacou a violência contra as mulheres propondo passar para lei “Não é não”. Acabou por ser a parte mais surpreendente, juntamente com o apelo à revisão de tratados e ao alargamento da União Europeia. Identifica mesmo Moldávia, Ucrânia e Sérvia. Está lançado um debate que volta a aparecer antes de eleições, e provavelmente sem consequências práticas para o imediato.

Mais uma vez, a comunicação da Comissão Europeia é excessivamente optimista em relação ao futuro, o que contrasta com o dia-a-dia dos europeus. O discurso foi feito pela bolha de Bruxelas e não a conseguiu furar. Estrategicamente ou não, acaba por ser o discurso de Von Der Leyen menos virado para as pessoas, e mais virado para os chefes de estado. Até abordar a situação e a importância dos agricultores sem nunca reforçar o apoio das suas propostas: farm2fork e a lei de bem estar animal.

“Ursula von der Leyen focou-se excessivamente na Economia europeia, com graves críticas ao intervencionismo chinês e uma aposta forte na reindustrialização da Europa, apresentando o Critical Materials Act e European Wind Power Package.”

Actualmente, a maioria das pessoas mais pobres são pessoas com postos de trabalho. Não abordar e não reconhecer este problema mostra como a política europeia se desconectou da realidade. Num ano que se obteve os maiores lucros no sector da banca e sector energético, não houve uma palavra para redistribuição. Num ano em que realiza a Conferência do Futuro, que coloca milhões de europeus a discutir a Europa e onde são propostas 49 ideias, não há espaço para mencionar e lançar alguma proposta desenhada por este espaço (que durou 2 anos). É sintomático do pensamento que vemos em Bruxelas (e Estrasburgo).

É este futuro que queremos para o ultimo plenário antes de 2030, onde temos todas as metas dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS)? Uma Europa desconectada da sua realidade, que não responde à crise climática e migratória? Que não fala de justiça social? Somos apenas uma comunidade do carvão e do aço? Os europeus esperam bem mais das nossas lideranças. E as consequências estão aí: uma maior polarização dos votos, em que é esperado mais votos para partidos eurocéticos.

Actualmente, a maioria das pessoas mais pobres são pessoas com postos de trabalho. Não abordar e não reconhecer este problema mostra como a política europeia se desconectou da realidade. Num ano que se obteve os maiores lucros no sector da banca e sector energético, não houve uma palavra para redistribuição.”

As eleições do próximo ano ficaram assim lançadas, e o Partido Popular Europeu (partido político onde se insere Ursula Von der Leyen, o PSD e o CDS-PP) definiram os temas que querem ver discutidos: green deal mas com peso desnivelado para o lado dos agricultores, a economia europeia e a sua reindustrialização sem nunca largar os pequenos e médios empresários e política externa com foco em segurança. Esta é a estratégia para impedir a radicalização dos seus votantes para a extrema-direita, esvaziando o centro-direita europeu (tal como acontece em Portugal). Tivemos o caso da Lei do Restauro Natural, onde o PPE apoiou e votou com a extrema-direita, formato que foi repetido (e fracasado uma vez mais) para tentar chumbar as novas diretivas para a qualidade do ar. Cabe ao centro democrático e ao partidos favoráveis a uma maior integração europeia mostrarem os seus argumentos e a sua visão de uma Europa Social e Verde. 2030 está mesmo aí à porta.

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