O mais nobre dos uniformes

por Cláudia Lucas Chéu,    8 Março, 2024
O mais nobre dos uniformes
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Sei da maternidade como uma farda que se veste para não mais tirar. As mães são um exército diferente do militar. Treinadas mais pelo instinto do que pelos conselhos ou livros, hábeis a proteger mais do que a atacar.

Ser mãe é uma missão que se cumpre a vida inteira. E tem de se aprender a encarar as limitações. É que por mais elástica que seja uma mãe, há dias em que também falha e faz fisga contra a própria cara. Ninguém nasce mãe. Ninguém nasce a saber ser mãe. E é sempre com assombro que as mães escutam pela primeira vez essa palavra que as nomeia. «Então agora sou eu a mãe da minha vida? Ainda há bocadinho, parece que foi há minutos, juro, era eu a filha, a miúda pequena a ser meiga ou rude, dependendo do tempero dos humores, com a minha própria mãe.»

Quando fui mãe, o medo apoderou-se de mim nos primeiros dias. A primeira vez que entrei em casa com a minha filha ao colo, filha e berço por estrear, tive quase a certeza de que não era capaz de executar bem a nova e eterna tarefa que eu própria escolhera. Como poderia eu cuidar todos os dias, sem excepção, de um ser tão pequeno e frágil? E quando ela adoecesse? Como saberia eu interpretar as suas dores, as suas necessidades?

Sem a possibilidade de recuar, as mães estreiam os filhos e o medo no mesmo dia. Sozinha na sala contígua ao quartinho da minha filha, deixei-me chorar fazendo sem querer com as lágrimas caídas as primeiras nódoas na minha nova e imaculada farda de mãe. O medo durou umas semanas. Inevitavelmente, o cansaço dos primeiros dias — sobretudo das noites, que se tornaram um espaço material da insónia — acabou por vencer o medo. Era urgente cuidar, avançar com acções, e deixou de haver tempo e espaço para o medo castrador. Sem dar por isso, comecei a usar a farda de mãe a tempo inteiro.

Mesmo quando saía por momentos para estar com outras pessoas noutras partes, num restaurante ou num teatro, na casa de um amigo ou na rua, sabia que não era a mesma pessoa. Deixei de ter medo castrador. Passei de pessoa a soldado. O medo tornou-se outra coisa. Talvez um somatório de atenção e cuidado, um estado de alerta. Entre amamentar e mudar fraldas, tornei-me um soldado melífluo perante o milagre da vida.

A minha farda, invisível aos olhos dos outros, era um uniforme interno onde esperava poder colocar algumas condecorações de mim para mim, que não se esperam aplausos do exterior quando se é mãe. A farda das mães é o mais nobre dos uniformes. Apesar de invisível, sabemos reconhecê-la quando nos cruzamos com outro dos nossos soldados. Talvez seja um segredo apenas partilhado por aquelas que sabem ter a mesma missão. 

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