O novo ano lectivo não é só a polémica da praxe. Afinal, estudar é para quem?
O ensino superior, nomeadamente os custos que este acarreta, não é assunto novo, mas o início do ano letivo não deixa de representar uma boa altura para o recordamos. Na verdade, numa altura em que Portugal (que é como quem diz em relação a este assunto, Lisboa e Porto) vive uma época dourada para o turismo e para o investimento estrangeiro, o assunto dificilmente cai no esquecimento. E sobre a pergunta “E as casas para os estudantes?” ou sobre outra mais básica ainda “E as casas para os lisboetas ou portuenses?”, o discurso vai sendo construído e esquecido, ao mesmo ritmo que a bolha imobiliária pressiona ou alivia as duas cidade. Mais importante do que esta lógica capitalista que nos dita quando devemos ou não devemos vender a nossa casa, é o direito à educação e esse, ao contrário dos mercados, pouca ou nenhuma autonomia tem sobre si próprio necessitando, assim, de alguém que o regule.
Como Portugal não é só Lisboa e Porto e, não obstante a urgência e o valor do tema, o início do novo ano lectivo não é só a polémica da praxe, os meios de comunicação social tradicionais decidiram aproveitar a altura para divulgar o estudo CESTES que, como as próprias iniciais da sigla indicam, revela “O Custo dos Estudantes no Ensino Superior Português”, relativo ao ano letivo de 2015/2016. A média recai sobre os 6445 euros e inclui propinas, material escolar, alojamento e alimentação. Os números falam por si e não será necessário referir que estes são, para tantas famílias, incomportáveis. Como se não bastasse, as ajudas, por exemplo através do programa de bolsas, tardam em chegar, ou o número de camas em residenciais destinadas a alunos carenciados revela-se insuficiente. Tudo isto faz com que o aluno se sujeite a viver com péssimas condições para conseguir o diploma que, ironicamente, espelha o valor da educação tão incutido pela sua sociedade e pelo Estado que a governa.
Um Estado de Direito tem destas coisas: entre as palavras bonitas que regista nos textos constitucionais, esquece-se da urgência da sua aplicação na prática. No entanto, uma Constituição não segue a mesma lógica de um tipo ideal de Max Weber e tem por objetivo sair do plano da representação mental, para ser uma representação perfeita da sociedade para a qual foi pensada. A verdade é que, desde os preços exorbitantes dos manuais do ensino básico e secundário, passando pela propina ou pelo preço do alojamento, o princípio que garante que o Estado “promove a democratização da educação” e contribui para “a igualdade de oportunidades e superação das desigualdades económicas, sociais e culturais” passa tão despercebido no nosso dia-a-dia como na agenda política.
O Estado tem dado cada vez menos importância à parcela do orçamento que deixa reservada para o ensino superior, de tal forma que ocupamos o último lugar da lista da OCDE que posiciona os países por ordem decrescente de gastos. Nem a nossa União Europeia, que tão boa é a ordenar sobre o nosso dinheiro e tantos bons exemplos tem sobre o funcionamento da Universidade noutros Estados-Membros, entende a urgência da mobilização de fundos para esta área. Escusado será enumerar as vantagens quer a nível pessoal, quer a nível das próprias organizações que nos regulam, de obter um diploma de curso.
Afinal, estudar é para quem? Para além de uma elite cultural, queremos formar uma elite “educacional”? Será que a solução futura passará por privatizar a educação, vendendo-a, por exemplo, aos bancos, numa lógica que matará a língua portuguesa nas nossas faculdades pela quantidade de estrangeiros que, movidos pela vista para o mar e a oportunidade de praticar surf enquanto estudam, irão alimentar este novo (ou já existente) negócio? Os meios de comunicação social têm de insistir mais no assunto e têm de trocar as notícias sobre a média do curso de medicina ou do Instituto Superior Técnico por investigações com números que realmente tenham impacto sobre a realidade do ensino superior; as faculdades têm de dizer basta à apropriação por parte dos privados; os alunos têm de usar o traje na luta pela verdadeira integração porque, actualmente, se há coisa onde faz sentido vestir de preto é na tentativa de travar a morte lenta da democratização do ensino como o conhecemos no nosso septuagésimo terceiro artigo, noutros países e, quiçá, um dia, no nosso.